Eduardo Girão é contrário ao debate levantado pelo STF. Foto: Reprodução/TV Senado.

Tema que desperta opiniões radicalmente opostas, a descriminalização do aborto voltou ao centro das discussões com o início do julgamento na sexta-feira (24) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da ação sobre o direito a interrupção da gravidez de mulheres infectadas pelo zika vírus. O julgamento ocorre por meio virtual.

A maioria dos senadores, procurados para falar sobre o assunto, preferiu não se manifestar. Aqueles que falaram defenderam que cabe ao Legislativo e, não ao STF, decidir sobre o aborto.

No Brasil, a interrupção da gravidez só é permitida se a mulher houver sido vítima de estupro, correr risco de vida ou se o feto é anencéfalo (ausência total ou parcial do cérebro).

O senador Eduardo Girão (PODEMOS) questionou a discussão do tema no STF e apontou que o julgamento acontece em um momento em que a maioria da população é contrária ao aborto.

“Liberar o aborto é um crime. Diversos tratamentos vêm sendo oferecidos aos bebês com microcefalia. A qualidade de vida das crianças portadoras da doença e de suas famílias é cada vez melhor. Não podemos admitir tamanha atrocidade”, criticou o senador cearense por meio de sua conta no Twitter.

Girão resgatou um projeto do ex-senador Magno Malta (ES) que proíbe o aborto em casos que já estão previstos em lei. A proposta de emenda à Constituição (PEC 29/2015), chamada pelos seus defensores de PEC da Vida, está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas sem previsão de votação. O texto havia sido arquivado no final da legislatura passada, mas voltou a tramitar a pedido de Girão. A relatoria estava com a ex-senadora Juíza Selma, que havia se manifestado favoravelmente à PEC. Contudo, com a cassação da senadora este mês, a proposta ainda aguarda por um novo relator.

O senador Flávio Arns (Rede/PR) também considera inoportuna a discussão do tema. “Não acredito que este seja o momento adequado para deliberar sobre esse assunto. O mundo está voltado para ações que visem salvar vidas no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. Nem todas as crianças afetadas pelo zika vírus têm a microcefalia. Podemos afirmar que é uma minoria. Dessa forma, tirariam vidas sem que apresentassem a doença. Não cabe ao STF decidir sobre esse tema, já que o Código Penal [Decreto-Lei 2.848, de 1940] já traz requisitos para que se pratique o aborto, que são riscos para a mãe e casos de estupro. O STF inovou também a questão da anencefalia”, disse o senador.

Arns é autor de outra proposta, o PL 2.574/2019, que criminaliza o aborto provocado por motivo de malformação fetal. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a realização de aborto quando se tratar de fetos com anencefalia, ou seja, a ausência de partes do cérebro. O texto também está na CCJ do Senado.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) é contra a interrupção da gravidez de mulheres infectadas pelo zika vírus. “Não podemos admitir que uma criança seja abortada pela possibilidade de que venha a ter alguma sequela de contaminação pelo vírus. Isso seria apoiar uma seleção de quem deve viver ou não. Seria dizer que somente poderiam nascer crianças ‘saudáveis'” apontou o senador.

Outros temas

Ajuizada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5581) também exige a garantia de direitos violados na epidemia iniciada no Brasil em 2015, como acesso aos serviços essenciais de saúde e pensão vitalícia para crianças com síndrome congênita causada pelo vírus. Outro pedido da ação em análise no STF é o acesso universal ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) às famílias vítimas de síndrome congênita do zika.

Em fevereiro de 2020, o Senado Federal aprovou a Medida Provisória (MP) 894/2019 (transformada em abril na Lei 13.985, de 2020), que determina o pagamento de pensão mensal vitalícia, no valor de um salário mínimo, para crianças com microcefalia decorrente do zika vírus. Mas a lei proíbe a acumulação dessa pensão mensal vitalícia com o recebimento do BPC e exige ainda a desistência de ação judicial contra o governo relacionada ao tema.

Entre novembro de 2015 e outubro de 2019, o Ministério da Saúde confirmou 3,5 mil casos de alterações no crescimento e desenvolvimento de crianças possivelmente relacionadas à infecção pelo vírus zika. Os dados constam em boletim divulgado pela pasta em dezembro.

Polêmica antiga

A polêmica sobre a regulamentação do aborto no país não nasceu hoje. Arquivada depois de quatro anos de discussão no Senado, uma sugestão legislativa (SUG 15/2014) pedia a legalização o aborto voluntário dentro das 12 primeiras semanas de gestação e previa a realização do procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Apresentada por um cidadão por meio do Portal e-Cidadania do Senado, a iniciativa recebeu mais de 420 mil votos a favor e 380 mil contrários. O tema passou por audiências na Comissão de Direitos Humanos (CDH), mas o então relator, Magno Malta pediu o arquivamento da matéria.

Com informações da Agência Senado.