Fachada do palácio do Supremo Tribunal Federal (STF) Foto: Reprodução/ Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A concessão de perdão a aliado político pelo simples vínculo de afinidade pessoal e ideológica não é compatível com os princípios norteadores da administração pública. Além disso, o indulto não pode ser conferido com o objetivo de atacar outro poder de Estado.

Com base nesse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria na última quinta-feira (4) para declarar a inconstitucionalidade do decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que concedeu graça ao ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ).

O julgamento será concluído na sessão da próxima quarta-feira (10), com os votos dos ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes.

O STF condenou Silveira, em abril do ano passado, a oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado. Com isso, a corte determinou a perda do mandato de deputado federal e a suspensão de seus direitos políticos enquanto durassem os efeitos da condenação.

O Supremo entendeu que o parlamentar praticou os crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal) e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União (artigo 23 da Lei de Segurança Nacional — Lei 7.170/1973).

No dia seguinte, o então presidente Jair Bolsonaro publicou um decreto concedendo o benefício da graça (perdão de pena judicial) ao deputado. No texto, ele determinou que todos os efeitos secundários da condenação também ficassem anulados, o que incluiu a inelegibilidade, consequência da condenação de Silveira. Com isso, o deputado voltaria a poder ser candidato nas eleições de outubro. Porém, a Justiça Eleitoral barrou a candidatura.

 

A relatora do caso, ministra Rosa Weber, presidente do Supremo, votou na última quarta-feira (3) pela inconstitucionalidade da graça. A magistrada considerou que houve desvio de finalidade por parte de Bolsonaro ao conceder o perdão a Daniel Silveira. E afirmou que, mesmo que o indulto fosse considerado constitucional, não poderia atingir os efeitos secundários da condenação, como a inelegibilidade.

Na sessão desta quinta, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia seguiram o voto da relatora.

Alexandre sustentou que o Supremo nunca entendeu que o perdão presidencial não estava sujeito a controle judicial. O ministro disse que há limitações constitucionais implícitas a esse perdão. “Não é possível indulto cuja finalidade seja atacar outro poder de Estado, atentar contra a independência do Poder Judiciário. Nem é permitido conceder graça a quem age contra o Estado democrático de Direito”, declarou o magistrado.

Fachin destacou que, se o decreto de perdão não atende aos requisitos da moralidade e da finalidade, ele é inconstitucional.

Por sua vez, Barroso ressaltou que é possível exercer o controle judicial de indultos em dois casos: violação ao princípio da separação dos poderes e desvio de finalidade. E essas duas disfunções estão presentes na situação julgada, de acordo com ele. “De forma absolutamente inusitada, o presidente editou o decreto de indulto no dia seguinte à decisão do Supremo. Deixou clara a afronta que pretendeu fazer ao tribunal, em violação da separação dos poderes”, avaliou o ministro.

Barroso também afirmou que Bolsonaro julgou o mérito da questão ao declarar que a decisão do STF desrespeitou a liberdade de expressão. “Em um Estado democrático de Direito, quem diz o alcance da Constituição e das leis é o Supremo”.

O artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição — que estabelece as cláusulas pétreas — não determina expressamente que emenda constitucional não pode abolir a democracia. Porém, implicitamente o dispositivo proíbe norma do tipo, uma vez que diz que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; os direitos e garantias individuais”, analisou Toffoli.

Da mesma forma, afirmou o ministro, os atos praticados por bolsonaristas no dia 8 de janeiro em Brasília são insuscetíveis de indulto, pois constituem ataques ao Estado democrático de Direito e ao princípio da separação dos poderes.

Já Cármen Lúcia opinou que o indulto não pode ser um recado de impunidade à sociedade, de complacência com delitos.

Votos divergentes

Os ministros André Mendonça e Nunes Marques divergiram por considerarem constitucional a graça concedida por Jair Bolsonaro a Daniel Silveira.

Mendonça afirmou que a concessão de indulto a condenados criminalmente é uma prerrogativa presidencial. “Certo ou errado, expressão de impunidade ou não, é esse o comando constitucional que deve ser observado.”Nunes Marques, por sua vez, apontou que o Judiciário não pode avaliar as razões que motivaram o perdão presidencial, apenas aspectos formais.

Fonte: ConJur