Procurador-geral da República, Augusto Aras. Foto: Leonardo Prado/Secom/MPF.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF), na sexta-feira (19), parecer em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que tratam do Juiz das Garantias, instituído pela Lei Anticrime (Lei 13.964/2019).

Na manifestação, Aras opina pela manutenção da medida cautelar (liminar) concedia pelo ministro Luiz Fux para suspender a eficácia de dispositivos da norma, além de requerer a suspensão cautelar de outros. O procurador-geral ainda defende a inconstitucionalidade de diversos dispositivos da lei por entender que eles afrontam o sistema processual penal acusatório, a independência funcional dos membros do Ministério Público e a imparcialidade do magistrado.

As ações foram ajuizadas por três associações: dos Membros do Ministério Público (Conamp) – ADI 6.305; dos Magistrados Brasileiros (AMB) e dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) – ADI 6.298 – e por três partidos: Podemos e Cidadania – ADI 6.299 – e Partido Social Liberal (PSL) – ADI 6.300.

Os requerentes questionam, entre outros pontos, a insuficiência do prazo de vacância legal para que o microssistema do Juiz das Garantias – cuja justificativa para criação é o reforço à separação das fases investigativa e processual penal propriamente dita – entrasse em vigor, além da determinação de revisão das decisões de arquivamento de inquéritos policiais e elementos informativos criminais pelo MP.

Para o procurador-geral, a imposição de vigência imediata da nova legislação tem, no curto prazo, o risco de comprometer a despesa orçamentária do Judiciário, dada a necessidade de reestruturação e de redistribuição de recursos humanos e materiais, adaptação de sistemas tecnológicos e outros, sem que se tenham estimativas de impacto ou previsão de dotações orçamentárias para tanto, como exige a Constituição Federal.

Segundo ele, a imposição de incidência quase que imediata, após curto período de vacância (30 dias), “revela a desproporcionalidade, sobretudo na atual conjuntura de queda substancial de arrecadação dos entes federados, dada a paralisação de setores estratégicos para a economia, e dada a necessidade de alocação de recursos públicos para o enfrentamento da emergência de saúde pública da covid-19 e de prestação de auxílio à população mais carente de recursos”.

Nesse contexto, Aras defende a manutenção da suspensão da eficácia dos artigos que disciplinaram a implementação do instituto do Juiz das Garantias no processo penal brasileiro, pelo menos até o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelecer regulamento uniforme para a sua implantação em âmbito nacional.

De acordo com o PGR, a medida também é razoável para evitar prejuízos à produtividade, à eficiência e à celeridade na prestação jurisdicional, tendo em vista a situação de grande parte das comarcas e das seções judiciárias brasileiras que contam com apenas um magistrado.

Em relação ao novo rito de arquivamento de inquérito policial, que impõe a submissão obrigatória de todas as promoções de arquivamento a uma segunda instância de revisão ministerial, o posicionamento do procurador-geral é no sentido de que também deve continuar suspenso. É o caso do artigo 28, caput, do Código de Processo Penal (CPP) que, para Aras, deve ser suspenso até que o Conselho Nacional do Ministério Público edite regulamento uniforme para implantação da nova sistemática de arquivamento do inquérito policial e de elementos informativos criminais no âmbito do MP brasileiro.

Independência funcional do MP

O procurador-geral destaca que algumas disposições pontuais do microssistema do Juiz das Garantias também entram em contradição com outros princípios e valores consagrados no texto constitucional, em especial com o sistema acusatório, com a imparcialidade da jurisdição e com a independência funcional do Ministério Público.

Ele cita as disposições que conferem ao Juiz das Garantias as prerrogativas de: ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso; determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação; e decidir sobre requerimentos de acesso a informações sigilosas e de meios de obtenção de prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.

“Tais disposições afastam-se do sistema acusatório, ao atribuírem ao juiz das garantias funções que, em um direito processual constitucionalmente atrelado a este modelo, dependem de provocação e importam ser exercidas pelo Ministério Público”, aponta Aras. Segundo ele, é inadequada a ingerência judicial no exercício da atividade fim dos órgãos de persecução criminal e no curso do processo investigatório, com prejuízo para o desempenho das funções institucionais do Ministério Público e para a independência funcional de seus membros.

Acordo de não persecução penal

O PGR também opina pela suspensão cautelar da eficácia dos dispositivos que tratam da instituição do acordo de não persecução penal. Aras aponta que o pedido da Conamp na ADI 6.305 deve ser acolhido. Ele explica que as normas questionadas conferiram ao Juízo da execução penal a prerrogativa de indicar o local da prestação de serviço e a entidade pública ou de interesse social a ser beneficiada pela prestação pecuniária, para fins de celebração do acordo de não persecução penal.

De acordo com ele, a norma transfere ao Judiciário a análise e a ponderação sobre as condições básicas do acordo como o local da prestação de serviços comunitários e a entidade beneficiária da prestação pecuniária a ser paga. “A definição a respeito de tais termos há de caber ao órgão ministerial, titular exclusivo que é da ação penal pública”, frisa.

Para o PGR, não se pode perder de vista que a celebração do acordo de não persecução penal resulta no encerramento da investigação, ordinariamente realizada por meio do inquérito policial.

O PGR salienta que intervenção judicial nessa fase não constitui regra, mas hipótese excepcional que há de ser devidamente justificada na ordem jurídica nacional. Ele explica que somente as diligências e medidas que envolvam possível conflito ou lesão a direitos fundamentais atraem a atuação do juiz nessa seara.

Aras sustenta que esses preceitos possibilitam que o controle judicial sobre o acordo ultrapasse o exame da legalidade e avance sobre a sua adequação, “indicando haver ingerência indevida sobre o desempenho de funções ministeriais, com prejuízo à independência funcional do Parquet e ao sistema acusatório, que privilegia a divisão orgânica das funções de acusar, de defender e de julgar, com escopo de assegurar aos acusados em geral um julgamento imparcial”.

Fonte: site do MPF.