Ministério da Justiça e Segurança Pública. Foto: Agência Brasil/Arquivo.

A defesa do advogado Marcelo Feller impetrou um pedido de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça para trancar um inquérito que corre contra ele por ter criticado a atuação do presidente Jair Bolsonaro no combate à Covid-19.

O inquérito foi aberto a pedido do ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, com base na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), para investigar as críticas.

Feller afirmou que o presidente era parcialmente responsável pelas mortes por Covid-19 no Brasil. A investigação já foi aberta e, no último dia 2 de janeiro, a Polícia Federal intimou o advogado. O depoimento está marcado para 1º de fevereiro.

O inquérito citou o artigo 26 da LSN, que fixa pena de 1 a 4 anos para quem “caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”.

Mendonça pediu a investigação em julho, logo depois de o advogado dizer que “pelo menos 10% dos casos de Covid no Brasil” se devem à postura do presidente da República. Na ocasião, Feller comentava uma declaração do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Referindo-se à falta de ações eficientes do governo Bolsonaro no combate à Covid-19, Mendes disse que o Exército estava se associando a um genocídio.

“Não é o Exército que é genocida, é o próprio presidente, politicamente falando. E de fato, as Forças Armadas estão, perigosamente, se associando, dia após dia, ao presidente”, disse Feller.

O advogado também citou um estudo feito por professores de economia das universidades de Cambridge e da Fundação Getúlio Vargas. Os especialistas apontaram que atos praticados pelo presidente influenciaram comportamentos arriscados da população frente à epidemia.

Habeas corpus

A defesa de Feller, feita pelo advogado Alberto Zacharias Toron, ajuizou nesta quinta-feira (21), no Superior Tribunal de Justiça (STF), um pedido de habeas corpus solicitando o trancamento do inquérito e a consequente anulação do depoimento à Polícia Federal.

“A hipótese deduzida neste autos revela, a mais não poder, a completa falta de justa causa para a instauração de inquérito policial contra o paciente, advogado militante, sério e competente, e então comentarista da CNN”, disse a peça.

Ainda segundo Toron, “criticar o governo Bolsonaro, ou mesmo tachar de criminosa sua política, é parte do debate político que, longe de ameaçar o Estado, engrandece-o; engrandece a democracia”. “Só mentes autoritárias não enxergam isso. Daí porque, o inquérito policial instaurado mediante requisição deve ser trancado como medida de justiça.”

No HC, a defesa argumentou que a declaração feita por Feller tem teor parecido com muito do que foi dito na imprensa nos últimos meses. O documento citou como exemplos os editoriais da Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo que criticaram duramente o presidente e qualificaram sua conduta com relação à epidemia como criminosa.

Toron também lembrou no habeas corpus que a própria declaração de Mendes teve teor parecido com a fala de Feller e não foi alvo de inquérito.

“Sabemos que nem o Ministro da Justiça, nem o da Defesa, tomaram qualquer medida contra o cidadão Gilmar Ferreira Mendes ou órgãos de imprensa. E com razão! A opinião do ministro do STF, malgrado a enorme repercussão que teve, se insere no direito de crítica, na liberdade de expressão e de pensamento, que é um dos direitos fundamentais mais caros à cidadania. Idem, os editoriais dos jornais.”

O documento, por fim, citou uma série de precedentes do STF e do STJ no sentido de que a mera crítica, mesmo que feita contra autoridades, não configura ofensa à Lei de Segurança Nacional, norma que foi editada durante a ditadura militar. Isso porque, segundo o Plenário do STF, para que haja crime político é necessário lesão ou perigo de lesão contra a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático; a Federação e o Estado de Direito; e os chefes dos poderes da União.

“A política de governar intimando por meio de requisição de procedimento investigatório foi uma das marcas da ditadura de 1964. O fato retratado nestes autos relembra o lado mais triste e assombroso da nossa história recente”, conclui o HC.

De janeiro de 2019 até junho de 2020, a Polícia Federal abriu 30 inquéritos com base na LSN. Esse é o maior número dos últimos 20 anos de período democrático.

Fonte: site ConJur.