Cerca de 13.500 processos de detentos serão reavaliados durante o mutirão. Foto: Reprodução/ Fellipe Sampaio/Agência CNJ

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber, apresentou na última quarta-feira (26) os mutirões carcerários para reavaliar situação de presos no estado da Bahia.

Em Salvador, a presidente esteve pela manhã no Complexo Prisional da Mata Escura, onde participou de roda de conversa com detentos e casamento coletivo de pessoas da unidade prisional.

Rosa Weber também anunciou que será retomada no Supremo ainda no mês de agosto a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, que trata da violação de direitos humanos no cárcere.

Juntamente com a comitiva, formada pelo ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e conselheiro do CNJ Luiz Phillippe Vieira de Mello e os juízes Luís Lanfredi, Edinaldo Santos Júnior, João Felipe Lopes, Jônatas Andrade e Karen Luise Pinheiro, a ministra esteve no Quilombo Quingoma, na cidade de Lauro de Freitas. Em seguida, foi à entidade Mansão do Caminho, que realiza trabalho educativo com adolescentes.

No início da noite, a ministra e equipe se dirigiram ao Fórum Ruy Barbosa, onde Rosa Weber foi homenageada com a medalha de honra ao mérito Ruy Barbosa por sua atuação em favor das instituições democráticas. Rosa Weber agradeceu a homenagem, lembrando que o Supremo celebrou o centenário de morte de Ruy Barbosa com evento e sessão solene. Ao final, um grupo visitou a cripta onde estão os restos mortais do jurista.

Depois, em fala de apresentação dos mutirões, destacou que a Bahia é local onde nasceram bons exemplos e boas práticas e que inspiram e ensinam outros gestores não podendo, portanto, ter a estrutura desmobilizada: ”Arte e literatura no são atividades quaisquer. Pelo contrário, são realizações da mente que abrem caminhos, mudam trajetórias e interferem nos espíritos de cada um daqueles que buscam uma oportunidade e desejam atenção e uma chance de vida concreta”.

Somente no estado, 13.500 processos de detentos serão reavaliados durante o mutirão, que visa analisar a possibilidade de concessão de benefícios a presos que já tenham cumprido os requisitos legais.

Rosa Weber também falou sobre as dificuldades enfrentadas pelas comunidades quilombolas: ”Sabemos como o acesso a direitos para a população negra é muito mais dificultoso, em razão do lamentável processo de escravização que vivenciamos em passado recente e que deixa marcas até hoje”.

Roda de leitura e quilombo

A presidente do STF participou de um debate entre os detentos e magistrados sobre o livro Capitães da areia, de Jorge Amado, no âmbito do projeto ”Virando a Página”, que visa a redução da penas a partir da leitura.

Já no Quilombo Quingoma, a presidente do Supremo ouviu diversos líderes da comunidade sobre suas preocupações. Entre eles, a mãe Ekedy Isaura Genoveva, do Terreiro da Casa Branca, primeiro terreiro de Candomblé do país. Ela afirmou que, apesar de a Constituição garantir liberdade religiosa, as religiões de matrizes africanas sofrem preconceito. E também frisou o alto índice de violência contra negros. ”Ser negro é tentar resistir todos os dias, é um desafio. Não precisamos de mais leis, mas de interesse de agir. A nossa Constituição é cidadã, mas são os nossos corpos que são mortos”, disse.

A ministra Rosa Weber, que também assistiu manifestações culturais, disse a todos que estava no quilombo para escutar os pleitos: ”As manifestações vieram direto à minha alma. Não vou esquece-las”. A presidente também destacou que, no âmbito do CNJ, assinou uma portaria criando grupo de trabalho para estudar a questão da titulação das terras quilombolas.

A juíza Karen Luise Pinheiro explicou que a intenção é fazer um levantamento e permitir um olhar qualificado para os processos: ”Viabilizar a titulação de terras é também direito à vida, à saúde, ao território. O objetivo do conselho é propor soluções efetivas para os problemas e beneficiar todas as comunidades”.

Mutirões em Minas

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber, afirmou ontem (27), que manteve contato com a presidente do Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC), desembargadora Regina Ferrari, acerca da rebelião, iniciada na quarta (26), no presídio de segurança máxima Antônio Amaro, em Rio Branco. A Secretaria de Justiça e Segurança Pública do estado informou que o motim chegou ao fim na manhã de quinta-feira.

Ministra Rosa Weber informou que monitorou rebelião em presídio do Acre e afirmou que autoridades precisam atuar para impedir violência no sistema prisional. Foto: Reprodução/ STF

”Quando um estabelecimento penal se desestabiliza, há mensagens claras que precisamos compreender”, ressaltou a ministra. Ao enfatizar que não acredita na violência pela violência, a presidente do STF disse que os mortos e feridos que possam surgir nesses espaços ”estão a cobrar das autoridades posturas, comportamentos e responsabilidades que não são compatíveis com modelos irregulares de gestão prisional”.

 

Solenidade

A declaração se deu na última quinta-feira (27), em Belo Horizonte- MG, onde a ministra visitou estabelecimentos prisionais para o relançamento nacional dos mutirões carcerários pelo país, projeto que visa reavaliar processos e penais, e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), onde recebeu o Colar do Mérito Judiciário.

Durante o evento, o TJ-MG anunciou a regionalização dos sistemas de Vara de Execução Penais (VEPs) e das Centrais de Audiência de Custódia do estado. Também foi assinado ato normativo estabelecendo fluxos e protocolos judiciais para a apuração de tortura, maus-tratos e letalidade no sistema prisional mineiro.

Minas Gerais é o quarto estado visitado pela presidente do STF nesta semana. Ela esteve na segunda-feira (24) em Mato Grosso, na terça (25) no Rio Grande do Norte, na quarta (27) na Bahia e hoje (28) seguirá para São Paulo. Os mutirões carcerários foram criados em 2008, durante a gestão do ministro Gilmar Mendes no CNJ.

Nesta quinta, a ministra esteve pela manhã em uma unidade prisional do público LGBTQIA+, depois se encontrou com autoridades locais no Palácio da Liberdade e em seguida se dirigiu ao TJ, onde relançou os mutirões.

Tragédias anunciadas

Para Rosa Weber, episódios como os ocorridos no Acre são tragédias anunciadas com antecedência e que se repetem: ”Há avisos, não podemos negar, que prenunciam caos, mortes e situações de descalabro” .

A seu ver, não há como responder ao crime com mais violência, sobretudo a violência institucional. Essas experiências, segundo ela, mostram que onde falta a humanização há espaço para a barbárie. ”É preciso ver as unidades penais por dentro para compreender o drama das prisões. Daí a importância de nós, magistrados, comparecermos a esses espaços”, defendeu.

Ela afirmou ainda que reintegrar presos é benéfico para toda a sociedade. “Em benefício dos apenados, sim, mas em benefício, sobretudo, da própria sociedade em que eles têm de ser reintegrados, para segurança da própria sociedade, não para o retorno à prisão e para a retroalimentação do crime e o fortalecimento das diferentes facções.”

Esquecimento

Na cerimônia no TJ-MG, a presidente do CNJ disse que os mutirões carcerários foram e são essenciais para desvendar rostos, garantir voz e perceber que muitas das pessoas confinadas, sob a proteção do Estado, estão esquecidas, sem acesso ao essencial em suprimentos sociais ou até mesmo a informações básicas e elementares sobre seus próprios processos judiciais. Esse sentimento de esquecimento, a seu ver, resulta na quebra do pertencimento social.

O movimento provocado pelos mutirões joga luz sobre esse drama. ”Precisamos investir em modelos de gestão mais eficientes, mas igualmente perseguir uma cultura de atuação judicial que nos implique com o cumprimento intransigente da Constituição da República, da Lei de Execução Penal, dos tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil e dos precedentes vinculantes das Cortes Superiores”, afirmou.

Novo paradigma

Segundo a ministra, os novos mutirões terão uma metodologia diversa, que considera os avanços tecnológicos dos últimos anos, como o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), que centraliza a tramitação e o controle das execuções penais em todo o país, e o Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP). Mas frisou que, para que possam de fato ajudar a administrar melhor os trâmites e os tempos dos processos, é indispensável que os sistemas sejam corretamente alimentados e preenchidos.

Neste ponto, a ministra Rosa Weber reconheceu o esforço de juízes e servidores do TJ mineiro para regularizar os lançamentos e devolver confiabilidade aos dados do BNMP, possibilitando o conhecimento dos números reais de população prisional em Minas Gerais.

Ela também parabenizou o TJ-MG pelo lançamento do ato normativo que estabelece e regulamenta o fluxo de recebimento, processamento e monitoramento de notícias de torturas e maus-tratos no âmbito do sistema prisional, construído a partir do diálogo com diversas instituições e entidades voltadas à prevenção e combate à tortura e que se alinha às diretrizes da Resolução 414/2021 do CNJ. Segundo ela, a medida demonstra esforço e sensibilidade do juiz ”que julga vendo nos olhos a pessoa”, ratificando o compromisso do Tribunal com a temática prisional para além de um sentido meramente simbólico.

Vulnerabilidades

Ao citar a visita à Penitenciária São Joaquim de Bicas – Professor Jason Albergaria, unidade que acomoda o público LGBTQIA+ privado de liberdade, a presidente do Supremo lembrou que a situação de aprisionamento não é uma vivência padrão, uniforme para todos. Dessa forma, é necessário individualizar o tratamento das pessoas, sobretudo de grupos específicos que têm e demandam atenção especial, como os LGBTQIA+, os indígenas, os migrantes, os de idade avançada e as mulheres.

Entre as dificuldades enfrentadas por esse público, Rosa Weber destacou o abandono a que muitas dessas pessoas ficam submetidas e as violações dos direitos de personalidade, como a identidade de gênero, o uso de nome social, o tratamento hormonal adequado – questões que, hoje, estão no radar de preocupação do CNJ: ”Essa vivência e a percepção dessas realidades existenciais nos mostram que precisamos valorizar as histórias pessoais de cada pessoa privada de liberdade, especialmente daquelas atravessadas por outras vulnerabilidades acrescidas”.

Com informações do STF e ConJur