O STF condenou Silveira, em abril de 2022, a oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado.Foto: Reprodução/Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A concessão de perdão a aliado político pelo simples vínculo de afinidade pessoal e ideológica não é compatível com os princípios norteadores da administração pública.

Com base nesse entendimento, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou  nesta quarta-feira (3) pela inconstitucionalidade do decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que concedeu graça ao ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ).

O STF condenou Silveira, em abril de 2022, a oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado. O julgamento terá continuidade na sessão desta quinta-feira (4).

Com isso, a Corte determinou a perda do mandato de deputado federal e a suspensão de seus direitos políticos enquanto durassem os efeitos da condenação. O Supremo entendeu que o parlamentar praticou os crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal) e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União (artigo 23 da Lei de Segurança NacionalLei 7.170/1973).

No dia seguinte, o então presidente Jair Bolsonaro publicou um decreto concedendo o benefício da graça (perdão de pena judicial) ao deputado federal. No texto, ele determinou que todos os efeitos secundários da condenação também ficassem anulados, o que incluiu a inelegibilidade, consequência da condenação de Silveira.

Com isso, o deputado voltaria a poder ser candidato nas eleições de outubro. Porém, a Justiça Eleitoral barrou a candidatura.

 

Ao analisar quatro ADPFs contra o indulto, Rosa considerou que houve desvio de finalidade por parte de Bolsonaro ao conceder o perdão a Daniel Silveira. Também afirmou que foram violados os princípios da moralidade e da impessoalidade. “Não se pode aceitar a instrumentalização do Estado, de suas instituições e de seus agentes para, de modo ilícito e imoral, obter benefícios de índole pessoais, sob pena de subversão dos postulados mais básicos do Estado de Direito”, disse a ministra.

Para ela, não é possível que se admita que decisões do Supremo sejam descumpridas por “mero capricho pessoal” de autoridades ou para o “atendimento de interesses particulares“.  “Atribuir aos demais poderes competência para revisar ou desconstituir os atos decisórios dessa casa significa, ao meu juízo, tornar sem eficácia prática suas deliberações, em nítida subversão da ordem constitucional”, afirmou Rosa.

A ministra, por fim, afirmou que mesmo que o indulto fosse considerado constitucional, não poderia atingir os efeitos secundários da condenação de Silveira, como a sua inelegibilidade. Ou seja, se o voto da relatora vencer, o indulto cai, e o político segue inelegível.

Histórico do caso

A análise do caso começou na quinta-feira passada (27). Na ocasião, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e os advogados de três dos quarto autores, os partidos PDT, PSOL e Cidadania, fizeram suas sustentações orais. A quarta ação foi ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade.

Representando o PDT, o advogado Walber Agra afirmou que o indulto a Silveira é “teratológico”, pois foi concedido antes de a condenação do ex-parlamentar transitar em julgado e já especificou a conduta a ser perdoada, em vez de fixar critérios genéricos, como costuma ocorrer nos perdões presidenciais.

O advogado do PSOL, Alberto Maiomone, argumentou que a graça a Silveira não respeitou o princípio da razoabilidade, uma vez que o ex-deputado é amigo de Jair Bolsonaro e foi condenado por defender ideias semelhantes às do ex-presidente. Portanto, o perdão a ele se misturou com os interesses pessoais de Bolsonaro.

O indulto não pode ser concedido a uma pessoa específica, destacou o advogado do Cidadania, Paulo Roberto Iotti Vecchiatti. Ele também declarou que a liberdade de expressão não protege discurso de ódio.

Em nome do PT, o advogado Miguel Novis declarou que crimes contra o Estado democrático de Direito, como aqueles pelos quais Silveira foi condenado, não podem ser perdoados com fundamento na liberdade de expressão.

Ato político

O procurador-geral da República, Augusto Aras, argumentou que o perdão presidencial é um ato político, e não um ato administrativo. Dessa maneira, não se aplica a figura do desvio de finalidade.

Além disso, o Poder Judiciário não pode controlar o mérito desses perdões, somente questões de forma, disse Aras. “É evidente que nós repudiamos as condutas do acusado. O Ministério Público o denunciou e desejava sua condenação. Mas o MP não se limita a uma instituição persecutória. O MP tem o dever de zelar pela Constituição Federal“, afirmou Aras, opinando que a graça a Silveira não violou as competências presidenciais.

No entanto, o PGR ressaltou que o indulto não alcança os efeitos secundários da pena, como a suspensão dos direitos políticos.

Fonte: ConJur