Flávio Bolsonaro compartilhou postagem mentirosa anunciando “guerra espiritual”. Foto: Reprodução/ Tânia Rêgo/Agência Brasil

Publicações com conteúdo inverídico, viés discriminatório e discurso de ódio, voltadas para fidelizar o eleitorado mesmo um ano antes das eleições, configuram propaganda eleitoral irregular, conduta que deve ser punida com multa, conforme prevê a legislação eleitoral.

 

Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu provimento a recurso para multar em R$ 5 mil o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o vereador de Cascavel- PR, Rômulo Quintino (PL) por espalhar fake news que ligava o então pré-candidato Lula  ao demônio.

O julgamento foi concluído em sessão virtual encerrada na última segunda-feira (8), com voto-vista da ministra Cármen Lúcia. Prevaleceu o voto divergente do ministro Alexandre de Moraes, que à época tratou o caso como um exemplo que poderia orientar a Justiça eleitoral e a classe política na campanha eleitoral de 2022.

A ideia era impedir o tribunal de adotar o que chamou de “política do avestruz“: por puro formalismo, fingir que uma situação evidente pudesse não ter acontecido, um precedente que seria potencialmente perigoso já à época.

 

Fake news religiosa

O caso diz respeito a um evento com lideranças do candomblé, do qual Lula participou ainda em agosto de 2021. Em discurso aos presentes, relatou que “nas redes sociais do bolsonarismo, eles estão dizendo que eu tenho relação com o demônio, que eu estou falando com o demônio e que o demônio está tomando conta de mim”.

Esse trecho foi cortado e editado para dar a ideia de que Lula admite ter relação com o demônio, falar com o mesmo e estar sob o domínio do mal. O vídeo foi publicado nas redes sociais por Rômulo Quintino e compartilhado por Flávio Bolsonaro.

O senador, filho de Jair Bolsonaro, usou a mensagem: “envie esse vídeo a sua liderança religiosa e pergunte o que ela pensa disso. A guerra é também espiritual”. Quando a ação chegou ao TSE, em janeiro de 2021, o material já havia sido excluído das redes.

Relatora, a ministra Maria Cláudia Bucchianeri entendeu que os elementos para condenar por propaganda antecipada negativa seriam frágeis. Além de ser antigo, não se saberia o alcance do material: quanto tempo ficou no ar, quantas visualizações, compartilhamentos ou curtidas. Ela julgou o caso improcedente e recomendou a busca por reparação cível.

Política do Avestruz

A divergência vencedora do ministro Alexandre de Moraes foi inaugurada ainda em setembro de 2022, quando ele apontou que a propaganda antecipada negativa é óbvia e deveria gerar condenação exemplar. O caráter pedagógico ficou evidente no voto, que começou declarando que “a Justiça pode até ser cega, mas não é tola”.

O presidente do TSE defendeu que o tribunal não poderia fazer a “política do avestruz” e fingir que algo óbvio não aconteceu (como se estivesse com a cabeça enfiada na terra, como faz a ave). Principalmente porque o caso mostra o modo de operação das milícias digitais, investigadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Estamos diante de publicações com conteúdo sabidamente inverídico, com viés discriminatório, com discurso de ódio contra determinada religião e tentando jogar aqueles que não pertencem a ela contra um candidato específico. Isso é pré-campanha não permitida. Isso é campanha negativa”, defendeu.

Para ele, o caso se insere num cenário “sombrio e gravíssimo”, da questão religiosa no âmbito da disputa eleitoral. Isso fica claro quando Flávio Bolsonaro diz, ao compartilhar o material, que “a guerra é também espiritual”. “Que guerra?”, indagou o ministro Alexandre. “Se levarmos em conta que não estamos em guerra civil, ela é obviamente eleitoral”, completou.

Acompanharam o relator os ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raúl Araújo e Sérgio Banhos.

Fonte: ConJur