Lewandowski foi nomeado ministro do STF em 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foto: Reprodução/STF.

Protagonista de decisões marcantes ao longo de seus 17 anos de Supremo Tribunal Federal, o ministro Ricardo Lewandowski se aposenta nesta última terça-feira (11/04), um mês antes de completar 75 anos de idade – idade limite para permanecer na corte.

Sempre atento à preservação dos direitos humanos, ele foi relator de decisões importantes do STF na área, como a que permitiu a substituição da prisão preventiva para a domiciliar para mulheres gestantes, puérperas e mães de crianças de até 12 anos ou responsáveis pelos cuidados de pessoas com deficiência e a que declarou a constitucionalidade das cotas raciais e sociais em universidade públicas.

Como presidente do Conselho Nacional de Justiça, implementou as audiências de custódia, que ajudaram a reduzir o percentual de presos provisórios no país.

O anúncio da saída do STF foi discreto. Lewandowski participou normalmente da sessão do Plenário em 30 de março. Ao final, comunicou reservadamente aos colegas e depois a jornalistas que aquela seria a sua última participação presencial no colegiado.

“Essa antecipação se deve a compromissos acadêmicos e profissionais que me aguardam. Eu encerro um ciclo na minha vida e agora inicio outro. Saio daqui com a convicção de que cumpri a minha missão”, disse o ministro, visivelmente emocionado, a jornalistas que o aguardavam ao final da sessão.

Lewandowski foi nomeado ministro do STF em 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ocupar a cadeira deixada por Carlos Velloso. Passou por sabatina no Senado em 16 de fevereiro daquele ano e teve o nome aprovado por 63 votos favoráveis, com quatro contra.

Ministros

“Ricardo Lewandowski reúne todos os atributos de um notável homem público, não apenas pela sólida formação acadêmica, mas também por uma vasta cultura geral, perceptível na sua natural elegância no trato pessoal, assim como no profundo conhecimento jurídico, que se reflete nos debates por ele travados e nas sensíveis decisões proferidas. Em 17 anos de Judicatura Constitucional, o ministro muito contribuiu para o desenvolvimento do Poder Judiciário, sobretudo em temas de direitos humanos, deixando como grande legado as audiências de custódia, mundialmente reconhecidas como instrumento de novo patamar civilizatório conquistado pelo Brasil”, disse Dias Toffoli.

“Em votos memoráveis, sempre ofereceu respostas pacificadoras às dificílimas questões constitucionais, exprimindo os modos de ser, de convencer, de ensinar e de pacificar conflitos típicos de um grande professor, magistrado e jurista, que dignifica o Supremo Tribunal Federal e o Brasil. Para mim, é e sempre será uma honra ter sido seu aluno, desde os bancos do Largo de São Francisco até a Suprema Corte do nosso país”, concluiu Toffoli.

Alexandre de Moraes, que também foi aluno de Lewandowski antes de se tornar seu colega de Supremo, destacou a inteligência do ministro e disse que se orgulha de hoje poder chamar o antigo mestre de “amigo”.

“A competência, coragem, inteligência e lealdade do ministro Ricardo Lewandowski honraram o STF por 17 anos e auxiliaram na construção de uma Brasil melhor. Tenho orgulho de ter sido seu aluno e, atualmente, colega de departamento na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, seu companheiro de bancada no STF e no Tribunal Superior Eleitoral e, principalmente, seu amigo”, disse.

Luiz Fux disse que Lewandowski deixou um “vasto legado” em seus 30 anos de magistratura. “O ministro Ricardo Lewandowski é um grande defensor dos direitos fundamentais e da proteção da dignidade humana. Nos mais de 30 anos de magistratura, produziu com competência um vasto legado, apoiado nos valores democráticos. Desejo sucesso nos próximos desafios.”

Luís Roberto Barroso destacou a coragem do ministro de defender suas posições. “O ministro Ricardo Lewandowski é extremamente fidalgo e defende com empenho e coragem suas posições. O convívio com ele é sempre agradável. Argumentador, erudito e competente, fará falta aos debates no Supremo Tribunal Federal”, afirmou.

Carreira

Ricardo Lewandowski é formado em Ciências Políticas e Sociais e Ciências Jurídicas e Sociais. É mestre, doutor e livre-docente em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP, onde começou a dar aula em 1978 como docente voluntário.

Ele foi conselheiro da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e secretário de Governo e de Assuntos Jurídicos de São Bernardo do Campo. Em 1990, ingressou na magistratura e logo foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça paulista. Lá ele integrou as seções de Direito Privado e Direito Público e o Órgão Especial. Também foi vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (1993 a 1995).

Foi nomeado em 2006 para ocupar a cadeira no Supremo. Sistemático, nunca costumou demorar a devolver processos quando pedia vista. Em seu primeiro ano de tribunal, dos 17 mil processos recebidos, ele julgou 12 mil, segundo dados do Anuário da Justiça. Ao longo da carreira, foi responsável por cerca de 200 mil atos judiciais, entre decisões e despachos.

Lewandowski aprecia a tecnologia como ferramenta de trabalho. Foi ele quem sugeriu que os autos do inquérito do chamado mensalão, depois de digitalizados, pudessem ser acessados pelas partes, por seus advogados e por procuradores a partir de uma senha.

A proposta foi aceita por todos os ministros do Plenário como uma solução para que os acusados pudessem ter acesso aos autos ao mesmo tempo e apresentar suas defesas. À época, a digitalização não era a realidade que é hoje.

A agilidade não durou só no primeiro ano: o ministro deixa a corte com o quarto menor acervo, ficando atrás só de Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Rosa Weber, que por presidir o tribunal e acumular funções administrativas, recebe um número menor de processos.

“Estou com o gabinete praticamente zerado, só existem alguns processos com pendência de despachos administrativos”, disse o ministro ao anunciar a aposentadoria. Seu sucessor de fato herdará um acervo pequeno, de 780 processos.

Cerca de 500 das 780 ações têm decisão e aguardam só a certificação do trânsito em julgado e a baixa para a primeira instância. Quase todo o restante está parado, esperando a resolução de precedentes em julgamentos do Plenário.

Na mesma entrevista, Lewandowski disse quais as características indispensáveis a um ministro do Supremo, independentemente de quem seja seu sucessor.

“Além dos requisitos constitucionais, que são reputação ilibada, notável saber jurídico e idade de 35 anos, eu penso que o meu sucessor deverá ser fiel à Constituição, fidelíssimo à Constituição, aos direitos e garantias fundamentais, nas suas várias gerações, mas precisa ser antes de mais nada corajoso. Enfrentar as enormes pressões que um ministro do STF tem de enfrentar no seu cotidiano”, afirmou na ocasião.

Julgamentos marcantes

Lewandowski foi relator de diversas ações importantes ao longo de seus 17 anos de Supremo, entre elas do Habeas Corpus coletivo (HC 143.641) em favor de todas as mulheres gestantes, puérperas e mães de crianças de até 12 anos ou responsáveis pelos cuidados de pessoas com deficiência. Com a decisão, dada em 2018, prisões preventivas em todo o Brasil passaram a ser substituídas por domiciliares.

Também relatou o processo que, em 2012, declarou como constitucionais as cotas raciais em universidades públicas e a reserva de vagas para estudantes do ensino egressos do ensino público (ADPF 186).

“As ações afirmativas, portanto, encerram também um relevante papel simbólico. Uma criança negra que vê um negro ocupar um lugar de evidência na sociedade projeta-se naquela liderança e alarga o âmbito de possibilidades de seus planos de vida. Há, assim, importante componente psicológico multiplicador da inclusão social nessas políticas”, disse o ministro na ocasião.

Em dezembro de 2020, durante o ápice da Covid-19 no Brasil, deu algumas das mais importantes decisões envolvendo a epidemia. Foi a partir de uma liminar do ministro, depois referendada em Plenário, que estados e municípios ficaram autorizados a importar e distribuir vacinas contra a Covid-19 (ADPF 770).

Em outro caso relatado pelo ministro (ADI 6.586), foi definido que a imunização contra a Covid-19 é compulsória, podendo ser implementada mediante restrições indiretas, sendo vedada a vacinação forçada.

Entre as ações importantes relatadas pelo ministro:

RE 579.951, em que o Supremo decidiu que a contratação de parentes de autoridades para o exercício de cargos públicos viola a Constituição;
ADI 1.969, em que a corte declarou inconstitucional decreto do DF que proibia manifestações na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios e na Praça do Buriti;
RE 592.581, em que se reconheceu a competência do Judiciário para determinar reformas em presídios com o fim de garantir a incolumidade física e moral dos detentos;
Rcl 43.007, em que o ministro deu à defesa de Lula acesso às conversas entre procuradores da extinta “lava jato” de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro; no mesmo processo, Lewandowski declarou a imprestabilidade do acordo de leniência da Odebrecht em processos contra o presidente;
Rcl 32.035, em que o ministro decidiu que veículos de comunicação têm o direito de entrevistar pessoas presas, mediante consentimento custodiado. Na ocasião, Lewandowski autorizou o jornal Folha de S.Paulo a entrevistar Lula, que estava preso em Curitiba.

Impeachment e CNJ

Outro momento marcante da carreira do ministro aconteceu em 2016, quando ele presidiu o julgamento do impeachment da então presidente Dilma Rousseff no Senado Federal. Sua experiência no tema fez com que o presidente do senado, Rodrigo Pacheco, designasse Lewandowski para presidir a comissão de juristas criada em 2022 para elaborar um anteprojeto de lei de atualização da Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950).

Presidente do Conselho Nacional de Justiça de 2014 a 2016, quando também presidiu o Supremo, Lewandowski implementou novidades administrativas e avanços na prestação jurisdicional.

Ele foi o responsável, por exemplo, pela implantação das audiências de custódia nas 27 unidades federativas do Brasil. No procedimento, hoje corriqueiro, o juiz decide, em até 24 horas, o destino imediato de pessoas presas em flagrante. A audiência também serve para avaliar se o preso foi alvo de tratamento abusivo pelas autoridades policiais.

Desde 2015, quando o procedimento passou a valer, o percentual de prisões provisórias caiu. Dados do Executivo Federal indicam que, desde o início da operação das audiências de custódia, houve redução do percentual de prisões provisórias no país – de 40,13% do total em 2014 para 26,48% em 2022.

O instituto garantiu o encaminhamento para serviços de proteção social – mais de 47,7 mil desde 2015 – e apuração de eventuais casos de tortura ou de maus-tratos no ato da prisão, com mais de 83,7 mil registros.

Na presidência do CNJ, o ministro também foi responsável pela resolução que determinou o fim da tramitação de processos classificados como “ocultos”. Além disso, foi na gestão de Lewandowski que se regulamentou a publicação de acórdãos, fixado o prazo de 60 dias a contar da sessão do julgamento.

Fonte: site Conjur