Encontro foi realizado durante toda esta quarta (26), no Auditório I do TSE, em Brasília. Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

”Ações e perspectivas: o papel da Justiça Eleitoral para o exercício da cidadania plena dos povos indígenas”. Este foi o tema do terceiro e último painel do ciclo de debates ”Abril Indígena da Justiça Eleitoral”, realizado durante toda esta quarta-feira (26) no Auditório I do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O membro da Comissão do TSE de Participação Indígena no Processo Eleitoral e advogado indígena, Maurício Terena, foi o mediador da mesa.

”Este país nos coloca ainda, em alguma medida, como sujeitos subalternos, então, fico feliz com essas iniciativas. Enquanto indígena, jovem, que escolheu se dedicar à advocacia na promoção dos direitos dos povos indígenas, vejo vocês [a Justiça Eleitoral] como parceiros, compromissados acima de tudo”, afirmou Terena.

Wellington Magalhães, que é juiz e coordenador do Programa de Inclusão Sociopolítica dos Povos Indígenas no Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO), apresentou um panorama do projeto, que tem como finalidade ampliar o diálogo, fomentar a participação na política das comunidades tradicionais e fortalecer a democracia. ”Nós fizemos uma série de viagens a todas as comunidades indígenas [do estado], especialmente àquelas que são sedes de seções eleitorais, e convidamos as lideranças para uma reunião, em formato de oficina, no TRE-TO. Passamos dois dias ouvindo as demandas dos indígenas”, relatou.

Segundo o magistrado, em 2023, por exemplo, as ações realizadas em abril atingiram 1,3 mil indígenas de 20 comunidades. ”Coordenando esse programa há seis anos, eu penso que é chegada a hora de a gente colocar também em discussão a obrigação, a missão institucional da magistratura. O Poder Judiciário tem que tomar consciência da importância da sua presença nas comunidades indígenas”, concluiu.

Capacitação e comunicação

O desembargador Paulo de Tarso Tamburini, diretor executivo da Escola Judiciária do TRE-MG, disse que a instituição quer transmitir conhecimentos básicos sobre os povos originários, principalmente para o pessoal da Justiça Eleitoral. ”Descobrimos que tínhamos uma grande missão nas mãos, de levar um trabalho, primeiramente, de comunicação. Dentro dessas comunidades, muitos não falavam português”, contou o desembargador.

De acordo com Tamburini, há também outros trabalhos nesse sentido sendo desenvolvidos pela Corte mineira, como a abordagem da temática indígena nos programas de formação inicial e de formação continuada dos juízes que vão assumir jurisdição eleitoral. ”Por isso, para nós, é importante estar aqui ouvindo, aprendendo”, afirmou o magistrado, que destacou o empenho do TSE em ”causa tão nobre” quanto a indígena.

Juiz auxiliar da Corregedoria Regional Eleitoral de Mato Grosso, Antonio Veloso Peleja Júnior apresentou o histórico e dados do Projeto Democracia Multilíngue. ”A ideia agora é levar o projeto para mais três etnias: Xavante, Bakairi e Panarás”. Segundo ele, os desafios para 2022 incluem a produção textual de novos conteúdos, cursos sobre Direito Eleitoral e democracia, além de mutirões.

O estado do Mato Grosso tem a sexta maior população indígena em números absolutos do Brasil. ”O pertencimento se dá também pela realização de cursos. A continuidade administrativa irá fazer com que o próximo gestor e demais autoridades realizem curso para que os juízes sejam mais bem treinados para lidar com as situações [nas comunidades indígenas]”, disse o juiz. E finalizou: ”O Judiciário vem realizando funções atípicas. É muito importante esse espaço de discussão no âmbito do Judiciário nacional”.

Cadastro eleitoral

Secretária da Corregedoria-Geral Eleitoral, Roberta Maia Gresta falou sobre o trabalho do TSE na revisão da resolução que trata do cadastro eleitoral. ”Hoje, a nossa resolução entrega uma norma a partir de três eixos: a desburocratização, a constitucionalização e a inclusão”, explicou, ao destacar que um dos avanços foi a chamada autodeclaração dos eleitores indígenas, além do artigo 13, que dispõe sobre os direitos fundamentais da pessoa indígena em relação aos serviços eleitorais.  Em números, o cadastro eleitoral, reaberto em novembro, já conta com 12 mil pessoas indígenas cadastradas.

Gresta também informou que estão ocorrendo as avaliações das Boas Práticas desenvolvidas pelas Corregedorias Regionais Eleitorais. Nesta edição, a seleção tem como tema ”Atendimento, Inclusão e Diversidade”. Segundo ela, pelo menos quatro práticas inscritas são expressamente direcionadas a questões indígenas. ”Nossa ideia é explorar a riqueza dessas práticas”, disse.

A secretária encerrou o painel ressaltando que a CGE é uma parceira que está ”de braços abertos” para todas essas iniciativas. ”Do ponto de vista da Justiça Eleitoral, acho que nosso grande desafio é estar em um ponto como órgão de governança eleitoral, que tem por missão institucional fazer com que o exercício da cidadania se expanda, possa ser mais inclusivo, possa permitir às pessoas exercer seus direitos políticos de forma mais autônoma”, completou.

Joênia Wapichana, presidente da Funai, durante o evento ”Abril Indígena da Justiça Eleitoral”, nesta quarta-feira (26). Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE

Representatividade indígena na política

Durante o painel Aldear a política: um chamado dos povos indígenas para superar a sub-representação no processo eleitoral, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, relembrou de sua atuação profissional como primeira advogada indígena mulher do Brasil e primeira deputada federal indígena, ressaltando a importância de ”alcançar esses espaços de tomada de decisão”.

Ao citar casos como a crise enfrentada pelos povos Yanomami, ela afirmou que é importante “aldear” a política para participar da elaboração da legislação e trazer pautas dos povos originários para serem defendidas. ”A atuação parlamentar indígena dentro do Congresso Nacional é importante, pois é um espaço que nos propicia e nos dá condição de manifestação”, disse.

Joênia lembrou que essa baixa representatividade indígena na política ocorre em razão de vários pontos, como a dificuldade em chegar aos locais de votação devido à distância das comunidades. ”A gente precisa ter urnas dentro das comunidades para que a comunidade indígena possa exercer seu direito”, declarou a presidente.

Quociente eleitoral

Outro ponto citado pela presidente da Funai foi a atual definição para cálculo do quociente eleitoral, que segue o princípio da representação proporcional. Ela conta que não foi reeleita porque seu partido não atingiu o quociente eleitoral, apesar de ela ter conseguido muitos votos. ”Se continuar assim, ainda vai limitar muito a representação [política] indígena de vários estados”, afirmou. Segundo Joênia, muitos ainda pensam que os indígenas não têm interesse em participar da política, mas é exatamente a sub-representatividade que faz com que as pessoas pensem assim.

Outra questão levantada pela presidente da Funai foi sobre as cotas para candidaturas indígenas. Segundo ela, além de haver destinação de recursos do Fundo Partidário para candidaturas femininas e pessoas negras, deve haver também para indígenas.

Números das últimas eleições

No início do painel, foi apresentado vídeo feito pela Secretaria de Comunicação e Multimídia do TSE sobre o recorde de candidaturas indígenas nas Eleições de 2022. Foram 186 candidaturas declaradas indígenas, mas apenas nove foram eleitas. Os dados apresentados são colhidos desde 2014, quando a Justiça Eleitoral passou a identificar no registro de candidaturas raça e cor por meio da autodeclaração.

Samara Pataxó, assessora de Inclusão e Diversidade do TSE e coordenadora da Comissão de Promoção da Participação Indígena no Processo Eleitoral, que mediou a conversa, comentou os números. ”Não somos minorizados. Somos muitos, mas estamos sub-representados, por isso, a nossa luta é para superar isso”, declarou, ao destacar que o debate de hoje é mais uma oportunidade de aumentar o diálogo com a Funai e outras instituições e organizações para reforçar a pauta.

A secretária executiva da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Marciely Ayap Tupari, que tem apenas 24 anos, também participou do painel. Ela lembrou a importância da união dos povos indígenas para eleger essas candidaturas, principalmente, durante as Eleições 2022. Além disso, ressaltou a dificuldade que os povos originários enfrentam em exercer o direito do voto e ser votado. Segundo Marciely, muitos partidos apenas utilizam candidaturas indígenas para ”ganhar mídia”, mas não as apoiam de fato.

Marciely falou ainda sobre a importância das redes sociais atingirem jovens que estão dentro das comunidades indígenas para levar informações sobre o processo eleitoral de forma contextualizada e que eles entendam corretamente.

Abril Indígena da Justiça Eleitoral

O ciclo de debates “Abril Indígena da Justiça Eleitoral” segue com programação à tarde, com encerramento previsto para 17h. Além dos debates, há exposição de artesanato indígena no espaço externo. Organizado pela Assessoria de Inclusão e Diversidade (AID/TSE) e pela Comissão de Promoção da Participação Indígena no Processo Eleitoral, o encontro tem o objetivo de abordar temas relacionados à inclusão e representatividade dos povos originários nas eleições e propor reflexões sobre os esforços empreendidos pela Justiça Eleitoral para superar essa dificuldade.

As inscrições ainda podem ser feitas e são abertas a toda a sociedade. A participação dá direito a certificado. O evento conta ainda com transmissão ao vivo pelo YouTube.

Profissionais de imprensa interessados em realizar a cobertura do evento poderão se dirigir ao Auditório I do TSE, no subsolo do prédio, após se identificarem na recepção, sem a necessidade de credenciamento prévio.

Fonte: TSE