A divisão dos recursos deve respeitar a exata proporção das candidaturas de ambos os sexos. Foto: Reprodução/ CNJ

Em março de 2018, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinados ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas a candidatas mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de mulheres previsto na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).

A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5617, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o artigo 9º da Minirreforma Eleitoral de 2015 (Lei 13.165/2015). O dispositivo estabeleceu percentuais mínimo e máximo de recursos do Fundo Partidário para aplicação em campanhas eleitorais de mulheres, fixando prazo de três eleições para vigência da regra. Pela norma, os partidos teriam de reservar entre 5% e 15% dos recursos do fundo para essa finalidade, em contas bancárias reservadas para esse fim.

Desequiparação

O colegiado seguiu o voto do relator, ministro Edson Fachin, que considerou que a medida fere o princípio da igualdade, gerando uma desequiparação de gênero. Na sua avaliação, o estabelecimento de um piso de 5% significa, na prática, que, na distribuição dos recursos públicos que o partido deve destinar às candidaturas, os homens poderão receber até 95%.

Em seu voto, Fachin explicou que o direito à igualdade permite uma desequiparação, desde que seja pontual e tenha por objetivo superar uma desigualdade histórica. No caso, porém, apesar de as mulheres serem mais da metade da população e do eleitorado brasileiro, na data da edição da lei apenas 9,9% do Congresso Nacional era formado por mulheres e apenas 11% das prefeituras era comandada por elas.

Transformação da realidade

O ministro salientou ainda que o caráter público dos recursos do fundo é mais um elemento que reforça o compromisso de que sua distribuição não se dê de forma discriminatória. Por isso, os partidos não podem criar distinções baseadas no gênero: eles devem se comprometer com seu papel de transformação da realidade e se dedicar à promoção e à difusão da participação política das mulheres. ”Só assim a democracia será inteira”, ressaltou.

Para o ministro, a única interpretação constitucional admissível é que a distribuição dos recursos do Fundo Partidário deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidaturas femininas, por equiparação com a previsão do artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997. O ministro também considerou inconstitucional o prazo de três eleições para validade da regra. A seu ver, a distribuição não discriminatória deve perdurar, ainda que transitoriamente, enquanto for justificada a composição mínima das candidaturas femininas.

Ação afirmativa

Ao acompanhar o relator, o ministro Alexandre de Moraes frisou que é opção do partido político apostar em determinados candidatos e distribuir os recursos do fundo, desde que respeite a ação afirmativa prevista na lei. O ministro Luís Roberto Barroso realçou os números apresentados pelo relator sobre a participação feminina mínima na política brasileira, mas lembrou que, quando se trata de cargos de investidura técnica, providos por mérito e qualificação, as mulheres já ocupam mais de 50% das vagas no serviço público.

Para a ministra Rosa Weber, a participação política feminina só vai aumentar por meio de políticas públicas e incentivos trazidos pelas leis, para assegurar igualdade formal. Já o ministro Luiz Fux citou estudos que apontam que a participação feminina na política depende de ações afirmativas. Segundo ele, as mulheres devem ter acesso aos mesmos instrumentos garantidos às candidaturas masculinas, sem discriminação.

O ministro Dias Toffoli ressaltou que a decisão do STF é um reforço à igualdade de gênero, o que inclui o processo político eleitoral e partidário. Para o ministro Ricardo Lewandowski, a decisão é necessária, mas não suficiente para resolver a desigualdade entre mulheres e homens na política.

A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF na época, destacou que todas as tentativas que visam à afirmação de direitos devem ser consideradas legítimas, mas o ideal é que se chegue o tempo em que elas não sejam mais necessárias. ”Aí é que a democracia estará amadurecida”, afirmou.

Divergência pontual

O ministro Marco Aurélio divergiu parcialmente do relator. Ele entendeu que o artigo 9º é uma ação afirmativa válida, mas, a seu ver, não há na norma imposição de teto que não possa ser ultrapassado por vontade partidária. Ele foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes.

Agenda 2030

A série de matérias “O STF e os direitos das mulheres” está alinhada com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.

Leia a íntegra do acórdão do julgamento da ADI 5617.

Leia a íntegra do acórdão da modulação dos efeitos da decisão.

Fonte: Supremo Tribunal Federal