Pacote “anticrime” de 2019 promoveu diferenciação entre posse de arma e acessórios de uso restrito e de uso proibido. Foto: Reprodução

Para os fins da inelegibilidade prevista na Lei Complementar 64/1990, o crime de posse de arma, acessórios e munições de uso restrito deve ser considerado hediondo, conforme as alterações legislativas promovidas pelo pacote “anticrime” (Lei 13.964/2019).

Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral negou provimento ao recurso ordinário e manteve a cassação de Wendel Lagartixa (PL), o deputado estadual mais votado no Rio Grande do Norte nas eleições de 2022.

Policial reformado e suspeito de integrar grupos de extermínio em Natal, Lagartixa foi condenado em 2013 por portar acessórios e munição de uso restrito: coletes à prova de balas, diversos cartuchos de diferentes calibres e carregadores. A sentença, proferida em 2018, transitou em julgado em 2019. A punibilidade foi extinta em 2021, diante do cumprimento integral da pena.

 

A condenação se baseou no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento. À época, a norma tipificava a conduta de portar arma, acessório ou munição tanto de uso proibido quanto de uso restrito. Essas condutas só passaram a ser consideradas hediondas em 2017, com a Lei 13.497.

Em 2019, o pacote “anticrime” mudou tudo. A cabeça do artigo 16 do Estatuto do Desarmamento ficou limitada aos crimes relacionados a armas de uso restrito. Já as armas de uso proibido foram incluídas no parágrafo 2º, com previsão de pena maior.

O pacote ainda mexeu na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), pois acrescentou ao artigo 1º, parágrafo único, inciso II, a hediondez do crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, com referência ao artigo 16 do Estatuto do Desarmamento.

Esse complexo cenário normativo abriu a seguinte discussão: a hediondez do crime de posse de arma, acessório e munição está restrita àquelas de uso proibido ou engloba todo o artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, estendendo-se também às de uso restrito?

Por maioria de votos, o TSE concluiu que a resposta é positiva. Prevaleceu a posição do relator, ministro Ricardo Lewandowski. O julgamento foi encerrado na manhã desta quinta-feira (23/3), após ser retomado por voto-vista do ministro Raul Araújo. Ficou vencido isoladamente o ministro Carlos Horbach.

Relator, ministro Lewandowski votou por considerar condutas relacionadas a armas de uso restrito também como hediondas. Foto: Reprodução

Assim, Wendel Largartixa está inelegível com base no artigo 1º, inciso I, alínea “e”, item 7 da Lei Complementar 64/1990, por ter sido condenado em decisão definitiva por crime hediondo. A inelegibilidade é de oito anos, a partir do cumprimento da pena.

Mens legis

A interpretação que prevaleceu no caso indica que não seria razoável supor que a intenção do legislador, ao editar um pacote chamado “anticrime”, fosse afastar a hediondez de inúmeras condutas descritas no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, limitando-se apenas à referente às armas de uso proibido.

“Parece incontestável que a mens legis (espírito da lei) foi justamente recrudescer as sanções referentes aos crimes praticados com arma de fogo, objetivando melhor combater a criminalidade”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, relator do recurso.

“A interpretação mais consentânea com o objetivo da norma é a de que a posse de arma de fogo tanto de uso proibido quanto de uso restrito possui natureza de crime hediondo”, resumiu ele.

Ficou vencido o ministro Carlos Horbach, para quem as alterações do pacote “anticrime” acabaram por restringir a hediondez ao crime de posse ou porte ilegal de arma de uso proibido. Além disso, pontuou que, na época dos fatos, em 2013, a conduta não era hedionda.

“Para incidir a causa de inelegibilidade, seria necessário transmudar um crime comum praticado em 2013 para considerá-lo hediondo em razão de uma lei que só foi publicada em 2017”, explicou o magistrado.

Ele afirmou que, embora a jurisprudência do TSE entenda que é possível aplicar causa de inelegibilidade a fatos anteriores à sua vigência, esse não é o caso dos autos. “Não haveria aplicação da lei a fato passado, mas, sim, a aplicação da lei penal mais gravosa.”

Fonte: ConJur