Conselheiro Giovanni Olsson autor do despacho. Foto: Agência Senado.

Leia abaixo a decisão do Conselho Nacional de Justiça – CNJ indeferindo o pedido liminar do juiz cearense Francisco Chagas Barreto Alves em face do ato do Tribunal de Justiça do Estado, em março passado, recusando sua promoção ao cargo de desembargador. A decisão é assinada pelo conselheiro Giovani Olsson e publicada sexta-feira (20/05):

“DECISÃO LIMINAR
Trata-se de PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS (PP), com requerimento liminar, proposto por FRANCISCO CHAGAS BARRETO ALVES, em face de ato praticado pela Presidente do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ (TJCE), consubstanciado na instauração de procedimento de recusa à promoção ao cargo de Desembargador (ID n. 4689379).

O requerente informa ser Juiz Titular da 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital e Magistrado mais antigo da primeira quinta parte da lista de antiguidade para ascensão ao desembargo.

Assevera que, na sessão realizada para escolha dos novos Desembargadores, ocorrida em 17/3/2022, a Desembargadora Presidente do TJCE, Maria Nailde Pinheiro Nogueira, “propôs a instauração do procedimento de recusa com fulcro no art. 23 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça cearense”, baseado em processos disciplinares autuados em seu desfavor.

Diante do fato, alega que a Presidente justificou a instauração do procedimento de recusa em fatos pretéritos “pelos quais o Magistrado já respondeu, tendo recebido a resposta que lhe era devida, sendo certo que, tal acontecimento não pode possuir o condão de sepultar, ad eternum, a vida funcional do Juiz”.

Requer, portanto, a concessão de medida de urgência para que o TJCE proceda com a votação/indicação do requerente ao cargo de Desembargador e, alternativamente, a suspensão do procedimento de recusa, dado que os motivos determinantes de sua instauração “são fatos já cobertos pelo véu da coisa julgada administrativa e tem ares de mais rigorosos do que o estabelecido para a ascensão por merecimento (Res. 106/CNJ)” (sic).
Os autos foram distribuídos ao Conselheiro representante da vaga de Juiz do Trabalho, que na ocasião se encontrava vago, e remetidos ao gabinete do Conselheiro Sidney Pessoa Madruga, Substituto Regimental, para deliberação sobre a medida urgente, nos termos do art. 24, inciso I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (ID n. 4689437).

Em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o Conselheiro Sidney Pessoa Madruga intimou a Presidente do TJCE para apresentação de informações acerca dos fatos descritos na inicial (ID n 4690196).

Em 6/5/2022, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) requereu seu ingresso no feito, como terceira interessada, e formulou pedido de deferimento da medida liminar para afastar “a aplicação no art. 23 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Ceará” (ID n. 4705127).

Em 13/5/2022, foram juntadas aos autos peças informativas do TJCE (ID n. 4712320). Na oportunidade, a Presidente ressaltou a absoluta legalidade do procedimento instaurado para averiguar se, de fato, o requerente poderá ascender na carreira e se está apto para o acesso pretendido, tendo em vista que fatos gravíssimos foram cometidos pelo Juiz Francisco Chagas Barreto Alves, os quais foram relembrados pela imprensa local às vésperas da sessão.

A Presidente pontuou que, para se alçar ao cargo de Desembargador, torna-se imprescindível a comprovação de vida funcional ilibada e inequívoca capacidade de zelar pela boa prestação jurisdicional, como almeja a sociedade brasileira. Por fim, pede o indeferimento da medida de urgência. É o necessário a se relatar.

Decido

A concessão de medidas urgentes e acauteladoras está disciplinada no art. 25, inciso XI, do RICNJ1, e, muito embora não esteja expressamente previsto no artigo citado, consolidou-se a tese de que a providência não se legitima sem que concorram, simultaneamente, a plausibilidade do direito invocado (fumus boni juris), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), de outro.

Nesse sentido, o entendimento firmado pelo Plenário do CNJ, ad litteris: […] a regra referenciada tem inequívoca inspiração no sistema das medidas cautelares jurisdicionais dispostas na legislação adjetiva civil (art. 300 da Lei nº 13.105/2015), que exige demonstração da fumaça do bom direito, consistente na plausibilidade do direito defendido, e do perigo da demora, caracterizado pela possibilidade de que a não concessão de um provimento imediato traga à parte danos de difícil reparação.

Assentadas as premissas normativas, não se vislumbra a possibilidade de concessão da medida de urgência requerida.

Vê-se que o objeto do pedido liminar se circunscreve à retomada da votação e indicação do Magistrado requerente para o cargo de Desembargador, uma vez que a sessão do Tribunal Pleno do TJCE, realizada no dia 17/3/2022, foi suspensa quanto à deliberação sobre a primeira vaga para o acesso a ser provida pelo critério de antiguidade, conforme se vê da Certidão juntada ao ID n. 4712344.
A suspensão da votação e indicação se deu em face da instauração de procedimento de recusa pela Corte de Justiça Cearense, com o fim de apurar se o requerente deve ou não ter sua inscrição aceita para o processo de acesso ao desembargo pelo critério de antiguidade.

O TJCE consignou que a Lei Estadual n. 17.743/2021 criou dez cargos de Desembargador, sendo oito destinados a magistrados de carreira, e que a sessão para o provimento desses cargos (quatro por antiguidade e quatro por merecimento) foi designada para 17/3/2022.

Consignou, também, que o Juiz Francisco Chagas Barreto Alves, primeiro colocado na lista de entrância final, efetuou inscrição para o acesso por antiguidade e, na sessão designada para o provimento, o Tribunal Pleno decidiu, com esteio em seu Regimento Interno, analisar previamente a pretensão daquele magistrado.

Nessa toada, instaurou-se procedimento de recusa (CPA n.º 8501494-84.2022.8.06.0001), cujo fundamento de validade recai sobre circunstâncias da vida pregressa que resultaram na punição do requerente com a pena de censura por atos que “violaram o dever de imparcialidade, ignorando regras de competência e ferindo de morte a garantia do juiz natural”.

A Presidente do Tribunal requerido afirmou que: […] Na sessão originalmente prevista para o acesso, o Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por UNANIMIDADE de votos, suspendeu o preenchimento do cargo, deflagrando o procedimento regimentalmente previsto para avaliação da recusa. Foram cautelarmente reservadas a vaga e a posição na antiguidade, evitando-se qualquer tipo de risco de dano irreversível para o promovente. (grifos no original) […] não se argumente que eventual recusa importaria em perpetuar os efeitos da condenação que foi imposta. Como já sustentado […], o que importa saber é se magistrado com registro na vida funcional de fatos tão graves pode ter acesso ao Tribunal. Foi por assim entender que o Pleno do TJCE, por
UNANIMIDADE de votos, instaurou o procedimento de recusa.

Na forma regimental, o procedimento foi remetido à Corregedoria Geral da Justiça e, após defesa do interessado (já residente nos autos correlatos), será em breve submetido ao Pleno, para deliberação. Até lá, vaga e antiguidade foram preservadas. (grifos no original)

Pois bem. A princípio, convém recordar que milita, em favor dos atos administrativos praticados pelo Poder Público, a presunção de que todos os seus elementos constitutivos satisfazem integralmente os requisitos e condicionantes postos pelo ordenamento jurídico, quais sejam: legalidade e legitimidade.

Nesse cenário e, considerando as informações apresentadas pela Presidente do TJCE, não se constata, nessa análise perfunctória própria dos juízos acautelatórios, plausibilidade jurídica nas teses defendidas pelo requerente, até porque o ato ora hostilizado – instauração do procedimento de recusa -, foi autuado com esteio em dispositivo inserto no Regimento Interno e tramita para que seja avaliada a possibilidade de o requerente participar do processo seletivo para ascensão ao destacado cargo.

É dizer: no atual estado das coisas, não se verifica situação a  merecer atuação liminar deste Órgão Constitucional de Controle Administrativo do Poder Judiciário, porque, em leitura inicial, o permissivo regimental do TJCE estaria presumivelmente alinhado às disposições do art. 93, I, “d”, da Constituição Federal, ao expressamente prever a possibilidade de recusa do juiz mais antigo “conforme procedimento próprio”. Por outro lado, o afastamento de plano do Regimento Interno, sem cognição plena, pode implicar inefetividade do próprio dispositivo constitucional.

Art. 23. Tratando-se de vaga preenchível pelo critério de antiguidade, deverá o Conselho da Magistratura informar o Tribunal a respeito dos juízes mais antigos de entrância final. Parágrafo único. O Tribunal Pleno resolverá se deve ser indicado o juiz mais antigo. Recusada a indicação do primeiro nome da relação mediante proposta fundamentada de qualquer integrante do colegiado, pela maioria dos presentes à sessão, será suspenso o provimento da vaga e observado o seguinte:
I. o voto que propõe a recusa especificará os fatos e as provas que a justificam;
II. o interessado será notificado para, no prazo de 10 (dez) dias, apresentar defesa;
III. o procedimento terá por relator o Corregedor-Geral da Justiça, que, caso necessário, ordenará a produção das provas que entender indispensáveis;
IV. após as providências do inciso III deste artigo, o procedimento será relatado perante o Tribunal Pleno, com inclusão em pauta, facultada a sustentação oral pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos;
V. Todos os debates e fundamentos da votação serão registrados e disponibilizados no sistema eletrônico.

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
(…)
d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).De igual forma, não se vislumbra a existência de perigo na demora ou mesmo perecimento de direito, haja vista que, segundo nota trazida pelo TJCE, foram cautelarmente reservadas a vaga e a posição na antiguidade, evitando-se qualquer tipo de risco de dano irreversível para o requerente.

Por fim, insta destacar que o pedido liminar se confunde com o próprio mérito, tendo natureza satisfativa, o que não se coaduna com o caráter provisório e precário das tutelas de urgência e reforça o entendimento de impertinência do seu deferimento neste momento.

Ante o exposto, indefiro o pedido liminar.

Admito a AMB no presente procedimento, na qualidade de terceira interessada, a qual receberá o feito no estágio em que se encontra.

Anote-se.

Intimem-se as partes para ciência desta Decisão, concedendo ao TJCE o prazo de 15 (quinze) dias para prestação de informações complementares.

À Secretaria Processual para as providências a seu cargo.

Brasília, data registrada no sistema.
GIOVANNI OLSSON
Conselheiro”