A Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo apresentou ao STF ação requerendo maior proteção para casos de assédio judicial contra jornalistas, que consiste em prática coordenada de distribuição pulverizada de processos contra um mesmo alvo, com o intuito de intimidá-los. A ação tem como objetivo impedir que os JECs sejam utilizados para perseguir jornalistas e comunicadores.

Na ação, a Abraji pede para que, sempre que caracterizada uma situação de assédio judicial, os processos em série sejam reunidos e julgados na comarca de residência do réu, isto é, do jornalista ou comunicador. Com isso, acredita que será possível evitar que o profissional tenha gastos excessivos com sua defesa para comparecer a JECs situados nos locais mais diversos do país.

Segundo a advogada Taís Gasparian, que representa a Abraji na causa, o Brasil lutou muito para que o acesso à justiça fosse democratizado, e a Abraji não pretende de modo algum diminuir esse acesso. O que se pretende é uma ordem para estipular que, em caso de abuso do direito de ação, os processos sejam reunidos e que tenham trâmite perante o foro do domicílio do réu.

“Dessa forma, já que não se pode evitar o abuso, pelo menos que facilite aos assediados a gestão da sua defesa”, disse.

O presidente da Abraji, Marcelo Träsel, espera que a ADI impeça o cerceamento da liberdade de imprensa.

“A retaliação contra reportagens investigativas por via judicial vem se tornando cada vez mais frequente no Brasil e, infelizmente, um instrumento de promoção da democracia e do estado de direito, como os JECs, se tornou uma arma para que pessoas envolvidas em algum tipo de infração ou crime procurem esconder suas atividades do público. Muitas organizações e indivíduos, embora tenham condições financeiras de acessar a justiça comum, dão preferência a esse tipo de juizado, porque lhes permite desestabilizar o cotidiano de seus alvos e atingir o verdadeiro objetivo das ações, que não é demonstrar razão ou reparar um dano, mas intimidar jornalistas.”

Segundo a associação, o uso dos JECs como ferramenta de assédio judicial a jornalistas tem sido cada vez mais frequente no Brasil. Um dos primeiros ocorreu em 2008 e teve como alvo a jornalista Elvira Lobato, à época na Folha de S.Paulo. Lobato respondeu, após publicação de uma reportagem sobre a Igreja Universal, a mais de 100 processos apresentados por pessoas ligadas à igreja quase que simultaneamente, revelando características de um ataque orquestrado.

“Em poucas semanas, a jornalista se viu diante de dezenas de convocações para comparecer a audiências de conciliação em cidades muito distantes até das capitais dos estados. No caso dos JECs, o não comparecimento do réu caracteriza sua revelia, isto é, os processos podem ser julgados sem que a versão da defesa seja ouvida.”

A associação informou ainda que, em 2020, o escritor João Paulo Cuenca foi alvo de mais de 150 processos, em razão de um tweet que fazia uma paródia de uma frase histórica. Da mesma maneira, foram orquestradas proposituras simultâneas, em diversas cidades do país, com narrativas e argumentos parecidos.

O assédio judicial, ainda que se utilize desses instrumentos legítimos, “inverte de forma selvagem princípios éticos e jurídicos para deliberadamente sabotar a realização da Justiça e obstruir os ideais democráticos”, afirma Eugênio Bucci, jornalista e professor, em parecer anexado à ação movida pela Abraji. Bucci acrescenta que a finalidade dessas ações não é buscar a justiça, e sim “sequestrar as energias do sistema de Justiça para perseguir pessoas que se dedicam a apurar a verdade factual, tão indispensável à política civilizada”.

A ação também conta com um parecer do jurista Cássio Scarpinella Bueno, que afirma ser responsabilidade do STF garantir formas de gerenciar essas situações em que houver abuso no direito de acesso à justiça, e que violam não só a liberdade de expressão do réu, como o exercício da sua ampla defesa.

Fonte: site Migalhas.