O presidente do Supremo participou da cerimônia de Inauguração do Ano Judicial Interamericano. Foto: Reprodução/Instagram

A inteligência artificial e seus aspectos em relação aos direitos humanos no Brasil e no mundo foi tema da palestra magna do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, na cerimônia de Inauguração do Ano Judicial Interamericano, realizada na sede da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em São José, na Costa Rica, nessa segunda-feira (29).

A sessão foi aberta com a posse da juíza costarriquenha Nancy Hernández López na Presidência do Tribunal, e do jurista brasileiro Rodrigo Mudrovitsch, na Vice-Presidência. Além do presidente do STF, participaram do evento a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Maria Thereza Rocha de Assis Moura, o advogado-geral da União, Jorge Messias, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o presidente da República da Costa Rica, Rodrigo Chaves.

Ao cumprimentar os empossados, o ministro Barroso ressaltou que o Brasil tem atuado em consonância com a Corte Interamericana. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou uma unidade de monitoramento e cumprimento das decisões da Corte IDH. Além disso, os concursos públicos para a magistratura passaram a exigir uma disciplina de direitos humanos.

Barroso afirmou que o STF também tem atuado com atenção aos direitos humanos ao julgar casos sobre o sistema prisional brasileiro, a letalidade policial e a proteção das comunidades indígenas, determinando ao poder público a elaboração de planos de intervenção e enfrentamento dessas questões.

Plataformas digitais

Na palestra, Barroso falou sobre a revolução tecnológica, as plataformas digitais e a inteligência artificial. Segundo o ministro, antes da internet, o acesso ao espaço público exigia intermediação. Com as plataformas digitais, esse acesso foi democratizado. Contudo, perdeu-se o filtro de qualidade, civilidade e veracidade dessas informações, feito antes pelos jornais, rádio e televisão.

Regularização

Para o ministro, por muito tempo sustentou-se que a internet poderia e deveria ser livre, aberta e não-regulada. “Hoje, contudo, já há um consenso entre as pessoas que se preocupam em preservar a vida civilizada de que a regulação é imprescindível. A discussão é sobre o como e o quanto regular para não afetar a liberdade de expressão”, disse.

A seu ver, a internet precisa ser regulada em diferentes planos. Por motivos econômicos, para permitir a tributação, impedir a dominação de mercados e proteger direitos autorais; para proteger o direito de privacidade, evitando o uso impróprio e desautorizado dos dados que são coletados de todos os usuários; e para enfrentar os comportamentos coordenados inautênticos (bots, perfis falsos e agentes provocadores), bem como os conteúdos ilícitos e a desinformação deliberada e perigosa.

Revolução digital

A respeito da revolução digital, o presidente do Supremo destacou que a inteligência artificial (IA) tem a capacidade de afetar de maneira expressiva a democracia, os direitos fundamentais e o bem-estar social, tanto positivamente quanto negativamente. Contudo, é preciso lembrar que ela opera com dados, instruções e valores fornecidos pela condição humana. Entre os benefícios apontados por ele, está a melhor capacidade decisória em muitas matérias, a automação, as aplicações na medicina, na pesquisa científica e tecnológica, o impacto sobre o meio ambiente e em atividades do dia a dia, como busca no Google e navegação por GPS.

Entre as preocupações e riscos do avanço da IA, o mais óbvio, em seu entendimento, é o impacto sobre o mercado de trabalho, com o desaparecimento de muitas profissões, o que exigirá a capacitação das pessoas e o desenvolvimento de uma rede de proteção social pelos governos. Outras consequências apontadas por Barroso é o uso da IA para fins bélicos, a massificação da desinformação, que pode abrir caminho para a polarização extremista, os discursos de ódio e as teorias conspiratórias.

Avanços

No debate sobre regulação, Barroso apontou três constatações importantes. A primeira é que não é possível parar o desenvolvimento da IA. “Apesar do apelo feito por um grupo relevante de pesquisadores, não há como conter o avanço das pesquisas”, disse.

Em segundo lugar, uma das características da revolução digital é a velocidade das transformações e, consequentemente, a dificuldade de prever o que vem pela frente. O telefone fixo tradicional levou 75 anos para atingir 100 milhões de usuários. O telefone móvel levou 16 anos. A Internet levou sete anos. O ChatGPT atingiu 100 milhões de usuários em dois meses.

Em terceiro lugar, a regulação da IA tornou-se imprescindível para lidar com os muitos riscos envolvidos, mas é preciso tomar dois cuidados ao fazê-lo: a regulação, as restrições e a responsabilização civil não devem afetar o ímpeto da inovação; e o excesso de regulação pode criar uma reserva de mercado para as empresas já estabelecidas, criando um fosso entre elas e a concorrência que queira disputar o mercado.

“É preciso regular para impedir que o mal domine essa tecnologia tão poderosa. Porém, é preciso acertar a mão dessa regulação, sem coibir a pesquisa e o esforço de regulação. Ponto de equilíbrio entre preservar a inovação e preservar em relação aos riscos”, pontuou.

Conscientização

Para o ministro, já se tem o diagnóstico e agora é preciso passar à ação. O passo inicial, a seu ver, é conscientizar governos, plataformas digitais e sociedade civil acerca da urgência das providências necessárias.

Entre as diretrizes apontadas pelo ministro, estão a regulação estatal, com um arcabouço geral contendo as regras e princípios básicos, gradação de risco; a autorregulação, com termos de uso claros a serem aplicados com transparência; o respeito aos direitos autorais, à autonomia individual e às liberdades, sobretudo, a de expressão.

Em seu entendimento, é preciso que a sociedade se atente para que esses avanços sirvam à causa da humanidade, da democracia e dos direitos fundamentais. “A despeito de todas as modernidades e transformações, os valores que devem nortear a vida humana na terra continuam sendo os mesmos: o bem, a justiça e a dignidade da pessoa humana”, disse.

Fonte: STF