O entendimento é do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que votou nesta quarta-feira (9/8) pela constitucionalidade do juiz de garantias. Foto: Reprodução

O juiz das garantias assegura o respeito aos direitos fundamentais dos investigados, em concordância com o consagrado pela Constituição Federal. Sua criação é uma legítima opção feita pelo Congresso e deve ser implementada em todo o território brasileiro de forma obrigatória.

O entendimento é do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que votou nesta quarta-feira (9/8) pela constitucionalidade do juiz de garantias e propôs o prazo de um ano para implementação. Ele divergiu do relator, ministro Luiz Fux, segundo o qual a implementação do modelo deve ser opcional.

O voto foi interrompido antes da conclusão da parte dispositiva porque a ministra Rosa Weber, presidente da Corte, precisava comparecer a uma reunião. A análise será retomada na quinta-feira (10/8).

Ao criar o mecanismo, a Lei “anticrime” (Lei 13.964/2019) buscou reduzir o risco de parcialidade nos julgamentos. Com a medida, o juiz das garantias fica responsável pela fase investigatória e o juiz da instrução fica a cargo do andamento do processo e da sentença.

Entre as atribuições do juiz das garantias está decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar e sobre a homologação de acordo de colaboração premiada. A competência do julgador acaba com o recebimento da denúncia ou queixa.

A partir desse momento, o juiz da instrução assume o caso e, em até dez dias, deve reexaminar a necessidade das medidas cautelares impostas pelo juiz das garantias. E o julgador que, na fase de investigação, praticar atos privativos da autoridade policial ou do Ministério Público, ficará impedido de atuar no processo.

Toffoli propôs o prazo de 12 meses para a implementação, a contar a partir da data de publicação da ata do julgamento e conforme diretrizes do Conselho Nacional de Justiça. Segundo ele, o prazo pode ser prorrogado por igual período uma única vez, desde que haja justificativa do por parte dos tribunais e que ela seja aceita pelo CNJ.

“A instituição do juiz das garantias veio a reforçar o modelo de processo penal preconizado pela Constituição 1988. A nova ordem passou a exigir que o processo não fosse mais conduzido prioritariamente como veículo de aplicação da sanção penal, mas que se transformasse em instrumento de garantias do indivíduo em face do estado”, disse o ministro.

Ao contrário de Fux, Toffoli afirmou que o juiz de garantias é medida impositiva, já que se trata de previsão aprovada pelo Congresso de forma “legítima”.

“Mostra-se formalmente legítima, sob a ótica constitucional, a opção do legislador de instituir no sistema processual penal brasileiro a figura do juiz das garantias. Trata-se de uma legítima opção feita pelo Congresso Nacional no exercício de sua liberdade de conformação que, sancionada pelo presidente da República, de modo algum afeta o necessário combate à criminalidade”, afirmou.

O ministro também destacou que o juiz de garantias deve ser informado pelo Ministério Público sobre toda e qualquer investigação, independentemente da denominação interna do órgão ministerial para as apurações.

Propôs que ainda que, caso seu ponto de vista não seja majoritário, o Supremo fixe a tese de que, mesmo sem a aprovação do juiz de garantias, o MP seja obrigado a informar sobre a existência de investigações ao julgador competente. E determinação começaria a valer passados 30 dias da publicação da ata de julgamento, sob pena de nulidade.

“O poder investigativo do MP é legítimo, mas essa atuação não pode ser exercida de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir inevitavelmente direitos fundamentais. Prever a figura do juiz das garantias para assegurar o respeito aos direitos fundamentais dos investigados na fase pré-processual, mas impedi-lo de atuar nos procedimentos investigativos que ocorrem nas gavetas pelo simples fato de não serem conduzidos pela polícia, mas pelo Ministério Público, é inverter a lógica garantista do novo microssistema [do juiz das garantias]”, afirmou.

Diferentemente do que foi definido na Lei “anticrime”, Toffoli entendeu que a atuação do juiz das garantias se encerra com o oferecimento da denúncia. Segundo o texto aprovado pelo congresso, o juiz de garantias é quem decide pelo recebimento ou não das denúncias.

“Tornar o juiz das garantias competente para receber a denúncia, sob o pretexto de proteger o juiz do julgamento de eventual influência das peças inquisitoriais, gera incongruências insanáveis, além de violar a independência funcional, que assegura ao magistrado liberdade para valorar a prova, segundo o livre convencimento motivado, em busca da verdade material”, disse.

O ministro também considerou inconstitucional a previsão segundo a qual nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais deverão criar um sistema de rodízio entre magistrados, para que juízes que atuam na fase pré-processual não atuem no julgamento e vice-versa.

Para Toffoli, o trecho viola o poder de auto-organização dos tribunais. “Ao fazer isso, a norma cria uma obrigação aos tribunais no que tange a sua forma de organização, violando o poder de auto-organização”.

O ministro ainda votou no sentido de que o juiz das garantias não se aplica aos processos de competência originária dos tribunais e de competência do tribunal do júri; aos casos de violência doméstica e familiar e aos processos criminais de competência da Justiça Eleitoral.

Voto do relator

O caso começou a ser analisado pelo Plenário do Supremo em 22 de junho, antes do recesso. A conclusão do voto relator, no entanto, só ocorreu no dia 28 de junho. Na ocasião, Fux se manifestou pela inconstitucionalidade do juiz das garantias.

Para ele, o modelo presume, sem base empírica, a parcialidade do magistrado que atuou durante a investigação para julgar a ação penal. Dessa maneira, viola o princípio da proporcionalidade. Além disso, o mecanismo interfere na estrutura do Judiciário e sua criação só poderia ter sido proposta por tal poder.

Sob o prisma formal, o ministro afirmou que a criação do mecanismo violou o pacto federativo. Segundo ele, o inquérito tem natureza jurídica de procedimento, não de processo penal. Assim, é matéria de competência concorrente da União e dos estados, conforme o artigo 24, XI, da Constituição Federal.

Ao regular extensivamente a aplicação do instituto, diz o ministro, a lei “anticrime” invadiu a competência dos estados para dispor sobre suas Justiças, sem atenção às diferenças regionais e de tecnologia.

O magistrado também entendeu que a norma desrespeitou a reserva de iniciativa do Judiciário para dispor sobre a competência e funcionamento dos órgãos jurisdicionais e a criação de novas varas (artigo 96, I, “a” e “d”, da Constituição.

Tal regra busca proteger o princípio da separação dos poderes, ressaltou. Com esse fundamento, mencionou, o STF barrou a Emenda Constitucional 73/2013, que criava quatro tribunais regionais federais

Fonte: site Conjur