As articulações foram realizadas após a Polícia Militar do Rio de Janeiro ter inserido um campo de denúncias pelo 190 que identifiquem a ocorrência de intolerância religiosa /Foto: Divulgação MPF

“Intolerância religiosa é crime e uma violência contra toda a sociedade”. Esse alerta está na campanha que o Ministério Público Federal (MPF) divulga em veículos de comunicação de todo o Brasil. A campanha é resultado de uma parceria do MPF, por iniciativa da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, com a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Defensoria Pública da União (DPU), o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e o Escritório da Cidadania do Centro Universitário de Volta Redonda (Unifoa). A campanha, inclusive, foi divulgada pela Rede Globo.

As articulações foram realizadas após a Polícia Militar do Rio de Janeiro ter inserido um campo de denúncias pelo 190 que identifiquem a ocorrência de intolerância religiosa. Antes dessa mudança, os casos apresentados eram tratados como brigas de vizinhos ou mera injúria, sem permitir o adequado acompanhamento estatístico e investigativo das violações.

O artigo 5º da Constituição Federal prevê que a liberdade de consciência e de crença não pode ser violada, que é assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e que deve ser garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. São exemplos de violações a esses direitos ofender, discriminar, caluniar e agredir por motivos de crença ou religião, perturbar ritos ou cerimônias e atacar ou causar prejuízos a locais de celebração.

Para denunciar um crime de intolerância religiosa, o cidadão pode utilizar o Disque 100, da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, ligada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, ou o 190, telefone de atendimento da Polícia Militar. O MPF também atua no combate a esse tipo de crime, podendo ser acionado pelo site do MPF Serviços ou pelo atendimento ao cidadão em todos os estados do Brasil.

No MPF, o tema da “intolerância religiosa” é tratado, na esfera cível, pelo grupo de trabalho Liberdades: Consciência, Crença e Expressão, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC). Esse grupo tem como atribuição garantir as liberdades de consciência, crença e expressão, além de contribuir para o respeito à diversidade religiosa e cultural. A atuação da PFDC nessa área também conta com o trabalho dos procuradores regionais dos Direitos do Cidadão, lotados em cada um dos estados da Federação. Além da esfera cível, os crimes relacionados à intolerância religiosa são investigados pelos procuradores da República com atuação na esfera criminal em cada unidade do MPF. Alguns exemplos da atuação do MPF sobre esse tema.

Rio de Janeiro – Em abril deste ano, a Justiça Federal determinou que a Google Brasil monitore permanentemente os canais do YouTube Geração Jesus Cristo, Geração ao Vivo, Geração de Mártires e Geração de Mártires ao Vivo, acusados pelo MPF de propagar intolerância religiosa. A Google Brasil também deve enviar relatórios periódicos ao MPF com análises de conteúdo e providências implantadas contra eventuais conteúdos ilícitos.

Em maio, o MPF instaurou procedimento para apurar o caso de um motorista da Uber que teria se recusado a transportar uma família que vestia trajes litúrgicos do Candomblé, em Duque de Caxias. O MPF requereu à Uber que prestasse informações sobre a situação e as medidas preventivas que vem adotando para impedir que usuários e motoristas pratiquem racismo religioso.

Em março deste ano, após atuação do MPF em apoio à reivindicação de comunidades religiosas de matrizes afro-brasileiras, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) mudou o nome da exposição de um conjunto de objetos religiosos afro-brasileiros tombados pelo Instituto. Originalmente nomeada como “Coleção Magia Negra”, nome visto como discriminatório, a coleção passou a se chamar “Acervo Nosso Sagrado”. Esse acervo, que estava no museu da polícia até setembro de 2021, foi transferido ao Museu da República por força da Campanha Liberte Nosso Sagrado e da atuação do MPF.

Na Baixada Fluminense, desde 2019, o MPF vem realizando um conjunto de iniciativas, no esforço de assegurar medidas de combate à intolerância e ao racismo religioso, com ênfase na promoção de direitos humanos e da liberdade religiosa. Ao todo, o MPF adotou sete frentes para abordar a temática, que foram: a criação de uma comissão de combate à intolerância religiosa; promoção da primeira edição do MPF por Direitos, com reuniões e realização de uma audiência pública; interlocução com órgãos de segurança pública, sensibilização e atuação sobre o tema; celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta contra o racismo religioso no mercado de trabalho, em atuação conjunta com o MPT; segunda edição do projeto “MPF por Direitos”, com realização de audiência pública e elaboração da “Carta ao povo de Nova Iguaçu”. Expedição de recomendações em alusão ao dia da consciência negra, alertando para a responsabilidade civil de órgãos das esferas municipais, estaduais e federais por eventual omissão em ataques a terreiros; e criação de um centro de acolhimento às vítimas de intolerância religiosa em Nova Iguaçu.

Bahia – No último dia 18, o MPF enviou ofício à Polícia Federal requisitando a instauração de inquérito para apurar o assassinato da líder quilombola Maria Bernadete Pacífico Moreira, ocorrido na noite da última quinta-feira. No documento, os procuradores da República destacam que os responsáveis por quaisquer atos de violência, especialmente aqueles de cunho racial e religioso, devem ser devidamente identificados e punidos na forma da lei.

São Paulo – O MPF promoveu, em abril deste ano, com a Defensoria Pública de São Paulo, audiência pública para debater formas de assegurar direitos de povos de terreiros e de matriz africana. Na audiência, ocorrida na Câmara Municipal de Carapicuíba, foi discutido o caso do terreiro Ilê Asé Odé Ibualamo, demolido pela prefeitura do município.

Em julho de 2019, a Record News exibiu o primeiro de quatro programas com direito de resposta das religiões afro-brasileiras às ofensas e agressões verbais veiculadas na programação das emissoras Rede Record e Rede Mulher (atual Record News). O acordo foi resultado de uma ação civil pública ajuizada pelo MPF, pelo Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Itecab) e pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (Ceert).

Foram produzidos quatro programas com duração de 20 minutos, sendo três deles de conteúdo informativo sobre as religiões afro-brasileiras e um de conteúdo documental sobre a própria ação judicial. Em fevereiro de 2020, esse acordo foi premiado na 10ª edição do “Conciliar é Legal”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na categoria “Demandas Complexas e Coletivas”.

Paraíba – Em maio deste ano, a Justiça Federal em João Pessoa recebeu denúncia do MPF contra o apresentador do programa Correio Verdade, da TV Correio, afiliada da TV Record na Paraíba, Emerson Machado Lima, também conhecido por “Mofi”, por crime de racismo. Segundo a denúncia, o apresentador proferiu discurso de ódio contra a religião Candomblé durante a transmissão do programa no dia 28 de abril de 2021.

Em maio de 2015, o MPF denunciou um pastor evangélico que quebrou objetos e imagens de entidades sagradas das religiões de matrizes africanas, fotografou o ato e publicou em seu perfil na rede social Orkut. Os objetos estavam num terreiro de Umbanda e o acusado confessou ter quebrado uma das imagens para “acomodá-la melhor” no interior de um veículo modelo F-4000, a fim de transportá-la. Os fatos ocorreram em 2012.

Alagoas – Visando garantir a liberdade de culto e combater a intolerância religiosa, o MPF visitou, entre 2018 e 2022, três terreiros de religião de matriz africana. Coordenada pelo MPF, a Equipe 10 da 9ª etapa da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Rio São Francisco esteve na Casa de Axé Santa Bárbara, em Santana do Ipanema, no terreiro de Umbanda Centro São Jorge, em Pão de Açúcar, e no terreiro de Mãe Érica Aparecida Santos, o Ilê Axé D´abalaxé Alayê Odé Erinlé Nófádêmírêfãn, em Delmiro Gouveia. O foco das visitas verificou se essas comunidades estavam sendo respeitadas e protegidas pelo poder público.

Brasília – Em setembro de 2022, a PFDC divulgou nota pública demonstrando preocupação quanto ao acirramento da violência e do discurso de ódio durante as eleições em decorrência da intolerância religiosa. A PFDC lembrou que o Estado brasileiro é laico e citou diversos diplomas internacionais, subscritos pelo governo brasileiro, que asseguram o pleno exercício de todas as crenças, não crenças e denominações religiosas.

Em abril de 2020, a PFDC oficiou à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Presidência da República, requisitando informações sobre as providências tomadas em relação ao crescente número de casos de violações de direitos humanos contra as religiões de matriz afro-brasileira.

Rondônia – Em agosto de 2021, o MPF passou a atuar no caso de um terreiro que já tinha sido invadido e depredado três vezes, e cuja mãe de santo sofrera ameaça de morte por um vizinho. O MPF abriu procedimento administrativo para acompanhar o caso e, em conjunto com a Defensoria Pública Estadual, oficiou ao MP de Rondônia, órgão responsável pelo controle externo da atividade policial no âmbito estadual, pedindo apuração sobre a atuação da Polícia Militar no caso. Segundo as vítimas, integrantes da corporação são omissos na segurança dos membros da comunidade religiosa e não conduzem adequadamente a investigação dos fatos.

Acre – Em maio de 2020, o MPF instaurou procedimento para fiscalizar a efetividade do direito à igualdade nas perspectivas de reconhecimento, não discriminação e respeito às diferenças das diversas matrizes religiosas no estado. Foi enviado ofício à Secretaria Estadual de Direitos Humanos para informar sobre o funcionamento da Divisão de Promoção da Igualdade Racial e Diversidade Religiosa. O objetivo era esclarecer de que forma eram feitas as denúncias ao órgão, além de ter acesso à quantidade de denúncias recebidas e às medidas adotadas para prevenir o racismo e a intolerância religiosa.

Mato Grosso do Sul – Em novembro de 2019, o MPF promoveu audiência pública sobre intolerância religiosa na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Com a presença de representantes de religiões de matriz indígena e africana, a audiência trouxe relatos sobre ataques a essas religiões e propôs medidas para o enfrentamento e a prevenção da intolerância.

Pernambuco – Em 2013, o MPF promoveu acordo para garantir a realização do ritual Auricuri, das etnias Pipipã e Kambiwá, na Reserva Biológica de Serra Negra, localizada nos municípios de Inajá e Floresta. A celebração do acordo representou a conciliação de dois interesses: a preservação do meio ambiente e do bem cultural dos indígenas.

Informações do MPF