Ministro Luiz Fux já é relator do caso juiz das garantias. Foto: Reprodução Foto:STF

O juiz das garantias assegura o respeito aos direitos fundamentais dos investigados, em concordância com o que foi consagrado pela Constituição Federal, e reduz o risco de parcialidade nos julgamentos. Sua criação é uma legítima opção feita pelo Congresso e deve ser implementada em todo o território brasileiro de forma obrigatória.

Com base nesse entendimento, o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira (23/8) pela implantação obrigatória do juiz das garantias em até 12 meses, com a possibilidade de uma única prorrogação por igual período. Na prática, portanto, a novidade deve funcionar em todo o país em no máximo dois anos.

Após dez sessões de discussão sobre o tema, venceu a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli. O relator do caso, ministro Luiz Fux, entendeu que cada tribunal pode optar por criar ou não a figura do juiz das garantias, mas não foi acompanhado por nenhum colega quanto a esse ponto, embora tenha vencido em outros. O resultado será proclamado na sessão desta quinta (24/8), já que falta a definição de alguns pontos.

“A instituição do juiz das garantias veio a reforçar o modelo de processo penal preconizado pela Constituição de 1988. A nova ordem passou a exigir que o processo não fosse mais conduzido prioritariamente como veículo de aplicação da sanção penal, mas que se transformasse em instrumento de garantias do indivíduo em face do Estado”, disse Toffoli em seu voto.

“Mostra-se formalmente legítima, sob a ótica constitucional, a opção do legislador por instituir no sistema processual penal brasileiro a figura do juiz das garantias. Trata-se de uma legítima opção feita pelo Congresso Nacional no exercício de sua liberdade de conformação, que, sancionada pelo presidente da República, de modo algum afeta o necessário combate à criminalidade”, prosseguiu o magistrado.

O tribunal também analisou outros pontos da lei “anticrime” (Lei 13.964/2019). Os ministros entenderam, por exemplo, que a competência do juiz das garantias acaba no oferecimento da denúncia, e não em sua recepção, ao contrário do que foi estabelecido na norma analisada.

O Plenário estabeleceu ainda a necessidade de o Ministério Público informar ao juiz competente sobre a existência de todo tipo de investigação criminal, e também o entendimento de que o juiz das garantias deve atuar junto em casos criminais de competência da Justiça Eleitoral.

Os magistrados também decidiram pela inconstitucionalidade da previsão segundo a qual, em comarcas com apenas um juiz, os tribunais deveriam criar um sistema de rodízio entre magistrados, para que juízes que atuam na fase pré-processual não atuem no julgamento, e vice-versa. Para os ministros, o trecho violou o poder de auto-organização dos tribunais.

Ao propor o prazo de 12 meses para a implantação da novidade, a contar da data de publicação da ata do julgamento, e conforme diretrizes do Conselho Nacional de Justiça, Toffoli afirmou que a possibilidade de prorrogação depende de haver justificativa por parte dos tribunais, e que ela seja aceita pelo CNJ.

As decisões foram construídas em intensos diálogos entre os ministros. Fux e Toffoli, por exemplo, ajustaram ou alteraram diversos pontos de seus votos durante o julgamento, a partir de posicionamentos levantados por outros colegas no decorrer de suas manifestações.

A atuação do juiz das garantias em processos criminais de competência da Justiça Eleitoral, por exemplo, foi um ponto levantado pelo ministro Alexandre de Moraes e posteriormente incluído nos votos dos demais magistrados.

O mesmo ocorreu com o prazo de 12 meses, proposto por Toffoli. De início, Alexandre, por exemplo, propôs o prazo de 18 meses. Posteriormente, acabou acompanhando Toffoli.

Ao criar o juiz das garantias, a lei “anticrime” buscou reduzir o risco de parcialidade nos julgamentos. Com a medida, esse magistrado fica responsável pela fase investigatória.

Entre as suas atribuições está decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar e sobre a homologação de acordo de colaboração premiada.

Voto do relator

O caso começou a ser analisado pelo Plenário do Supremo em 22 de junho, antes do recesso, portanto. A conclusão do voto do relator, no entanto, só ocorreu no dia 28 daquele mês. Na ocasião, Fux se manifestou pela inconstitucionalidade do juiz das garantias.

Para ele, o modelo presume, sem base empírica, a parcialidade do magistrado que atuou durante a investigação para julgar a ação penal. Dessa maneira, viola o princípio da proporcionalidade. Além disso, o mecanismo interfere na estrutura do Judiciário e sua criação só poderia ter sido proposta por tal poder.

Sob o prisma formal, o ministro afirmou que a criação do mecanismo violou o pacto federativo. Segundo ele, o inquérito tem natureza jurídica de procedimento, não de processo penal. Assim, é matéria de competência concorrente da União e dos estados, conforme o artigo 24, XI, da Constituição Federal.

Ao regular extensivamente a aplicação do instituto, diz o ministro, a lei “anticrime” invadiu a competência dos estados para dispor sobre suas Justiças, sem atenção às diferenças regionais e de tecnologia.

O magistrado também entendeu que a norma desrespeitou a reserva de iniciativa do Judiciário para dispor sobre a competência e o funcionamento dos órgãos jurisdicionais e a criação de novas varas (artigo 96, I, “a” e “d”, da Constituição).

Tal regra busca proteger o princípio da separação dos poderes, ressaltou Fux. Com esse fundamento, mencionou ele, o STF barrou a Emenda Constitucional 73/2013, que criava quatro Tribunais Regionais Federais.

Imparcialidade

Na sessão desta quarta-feira, votaram os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber, presidente da corte. Para Barroso, apesar de o juiz das garantias não ser, em sua opinião, a solução para os problemas do sistema penal brasileiro, é uma alternativa legítima do Legislativo.

“Gostando ou não, foi uma decisão legítima do Poder Legislativo, de modo que, não havendo incompatibilidade com a Constituição Federal, o nosso papel é acatar a vontade do legislador”, afirmou ele.

Cármen Lúcia disse que o instituto é benéfico, no sentido de que “busca o aperfeiçoamento de um processo que precisa ser aperfeiçoado e tem de se colocar ao aperfeiçoamento permanente”.

Gilmar Mendes citou o conluio entre procuradores da “lava jato” de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro ao defender o juiz das garantias. Também falou da “operação ouvidos moucos”, que levou ao suicídio do ex-reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier.

“Quem acha que tudo isso é normal e que não são necessárias reformas estruturantes para evitar a repetição desses escândalos, certamente não está lendo a Constituição e nem conhece o nosso Código de Processo Penal”, afirmou o decano do STF.

Ainda segundo o ministro, a criação do juiz das garantias assegura “mecanismos indutores da imparcialidade do magistrado, favorecendo a paridade de armas, a presunção da inocência, o controle da ilegalidade dos atos investigativos invasivos, contribuindo para uma maior integridade do sistema de Justiça”.

Fonte: site Conjur