Dias Toffoli disse que legítima defesa da honra estimula a violência de gênero. Foto: Reprodução/ Sérgio Lima

A tese da legítima defesa da honra, ainda usada por acusados de feminicídio, não é, tecnicamente, legítima defesa. Portanto, não exclui a ilicitude do ato. Além disso, tal argumento viola os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero, estimulando a violência contra mulheres.

Esse foi o entendimento apresentado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, relator da ação, ao votar nesta quinta-feira (29) pela inconstitucionalidade do uso da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio nas fases pré-processual ou processual penais, bem como no julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

A análise da ação será retomada na sessão extraordinária desta sexta-feira (30).

A tese admite que uma pessoa (normalmente um homem) mate outra (normalmente uma mulher) para proteger sua honra, em razão de uma traição em relação amorosa. Em 2021, Dias Toffoli concedeu liminar para suspender o uso do argumento. A decisão foi referendada pelo Plenário do Supremo.

 

No mérito, Toffoli apontou que a tese não se enquadra na legítima defesa estabelecida pelo artigo 25 do Código Penal: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

O relator destacou que quem usa violência contra a mulher para reprimir um adultério não está protegido por essa excludente de ilicitude. Afinal, essa pessoa não está se defendendo de uma agressão injusta, mas atacando uma mulher “de forma desproporcional, covarde e criminosa”, segundo o ministro.

Ele também ressaltou que a honra é um atributo personalíssimo, que não pode ser abalada em virtude de ato atribuído a terceiro. E quem tiver sua honra lesada pode buscar compensação por outros meios, como ações cíveis, disse Toffoli. “A legítima defesa da honra é recurso retórico odioso, desumano e cruel, usado por acusados de feminicídio para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo para a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no país”, declarou o magistrado.

De acordo com ele, a tese contraria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. E estimula a violência de gênero, afirmou o ministro, citando que 50.056 mulheres foram assassinadas no Brasil entre 2009 e 2019, conforme levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O relator também afirmou que nenhum ator do sistema de Justiça pode usar a tese de legítima defesa da honra ou qualquer argumento que induza a ela, em nenhuma fase do processo, sob pena de nulidade. E a defesa não pode se beneficiar de sua própria torpeza e empregar o argumento para a invalidação da ação.

Toffoli ainda reforçou sua posição contra o Tribunal do Júri, argumentando que a tese da legítima defesa da honra não seria aceita por juízes togados. Por entender que não se trata de cláusula pétrea, ele conclamou deputadas e senadoras a propor emenda constitucional para extinguir o mecanismo. Cabe ao Tribunal do Júri, composto por jurados convocados entre a população, julgar acusados de crimes dolosos contra a vida.

Fonte: ConJur