O ordenamento jurídico brasileiro tem mais de 30 mil normas federais, entre leis, medidas provisórias e decretos. Todas essas regras destacam que a Constituição Federal atribuiu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a missão de uniformizar a interpretação dessa legislação — atualmente, são cerca de 400 mil processos tramitando na corte.

Esse é o mote do livro Direito Federal Brasileiro, que reúne artigos de 65 juristas em homenagem ao protagonismo dos ministros Og FernandesLuis Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques nesse contexto jurídico e legislativo durante os 15 anos de atuação no STJ.

Entre os autores, estão 18 ministros em atividade no STJ: Maria Thereza de Assis Moura (presidente da corte), Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Assusete Magalhães, Regina Helena Costa, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Gurgel de Faria, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik.

Há também colaborações dos ministros do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. O ministro aposentado do STJ Jorge Mussi também contribuiu com a obra.

A coordenação científica da obra é do secretário-executivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), Fabiano Tesolin, e a coordenação-executiva ficou a cargo do chefe de gabinete do ministro Mauro Campbell, André de Azevedo Machado.

O lançamento da obra ocorreu ontem (21), no Salão de Recepções do STJ. A publicação da Editora Thoth tem o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), do Instituto Justiça e Cidadania e da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).

Junho de 2008

Ministro Luis Felipe Salomão (à direita), Og Fernandes (centro) e Mauro Campbell Marques (à esquerda),  são homenageados com o lançamento do livro Direito Federal Brasileiro. Foto: Reprodução/ Rafael Luz/STJ

O trio foi empossado em 17 de junho de 2008, sob elogios do então presidente da corte, ministro Humberto Gomes de Barros (falecido): “Os três são jovens, intelectuais, brilhantes e trabalhadores. Trazem culturas distintas e revelam só hombridade, maturidade e profundos conhecimentos jurídicos, além de comprometimento com os maiores anseios da sociedade”.

Natural de Recife, Og é o atual vice-presidente do STJ e integra a Corte Especial. Antes de assumir a gestão do tribunal ao lado da ministra Maria Thereza de Assis Moura, atuava na 1ª Seção e na 2ª Turma, especializadas em Direito Público.

O ministro trabalhou como repórter, professor, advogado, juiz e desembargador, tendo exercido o cargo de presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE). Em conjunto com suas funções no STJ, foi diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e corregedor-geral da Justiça Federal.

Salomão é o atual corregedor nacional de Justiça e também atua na Corte Especial. Formado em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi promotor, juiz e desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

Atualmente, preside o Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e integra o grupo de trabalho instituído pelo CNJ para fortalecer precedentes no sistema jurídico, além de participar da comissão de juristas criada pela Câmara dos Deputados para estudar a sistematização das normas do processo constitucional.

Campbell Marques, atual diretor-geral da Enfam, integra a Corte Especial, a 1ª Seção e a 2ª Turma do STJ. Foi membro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral entre 2020 e 2022, tendo papel de destaque na preparação das últimas eleições gerais.

O ministro já atuou como professor e advogado, e, no governo do Amazonas, foi secretário de Justiça, de Segurança Pública e de Controle Interno, Ética e Transparência. Antes de chegar ao STJ, foi membro do Ministério Público por 21 anos e chefiou a instituição em seu estado por três vezes, sempre eleito pelos seus pares.

Og e os recursos repetitivos

No Tema 1.026, sob relatoria de Og, a 1ª Seção definiu que, nas execuções fiscais, o magistrado deve, a pedido do credor, autorizar a inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes.Essa inclusão, de acordo com o colegiado, independe do esgotamento de outras medidas executivas, e deverá ser deferida, salvo se o juiz tiver dúvida razoável sobre a existência da dívida.

No Tema 1.076, a Corte Especial, analisando recursos relatados por Og Fernandes, entendeu ser inviável a fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa nos casos em que o valor da condenação ou o proveito econômico forem elevados.

Em seu voto, o ministro explicou que o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 trouxe mais objetividade às hipóteses de fixação de honorários e que a regra dos honorários por equidade, prevista no parágrafo 8º do artigo 85, foi desenhada para situações excepcionais em que, havendo ou não condenação, o proveito econômico da demanda seja irrisório ou inestimável, ou o valor da causa seja muito baixo.

Também sob o rito dos repetitivos, com relatoria do ministro Og, a 1ª Seção, no Tema 715, estabeleceu que os Conselhos Regionais de Farmácia possuem competência para fiscalização e autuação das farmácias e drogarias em relação ao cumprimento da exigência de manterem profissional farmacêutico durante todo o período de funcionamento, sob pena de incorrerem em infração passível de multa.

Já no Tema 766, a seção de direito público acolheu tese do ministro sobre a legitimidade do Ministério Público para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos em ações contra entes federativos. Essa garantia, segundo o relator, existe mesmo quando o processo envolve beneficiários individualizados, pois a causa se refere a direitos individuais indisponíveis, conforme prevê o artigo 1º da Lei 8.625/1993.

Salomão e os direitos humanos

A 4ª Turma, em 2017, garantiu, em ação relatada por Salomão, a pessoas transexuais o direito à alteração da informação de sexo no registro civil mesmo sem a realização de cirurgia.Em seu voto, o ministro destacou que a possibilidade tem relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana, a garantia constitucional à não discriminação e o direito fundamental à felicidade.

Também sob relatoria de Salomão, em 2011, a 4ª Turma reconheceu o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo: “Se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os ‘arranjos’ familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto”.

No recursos repetitivos de Tema 1.082, sob relatoria de Salomão, a 2ª Seção entendeu que a operadora de saúde, mesmo após rescindir de forma unilateral o contrato de prestação de serviços, deve garantir a continuidade da assistência a beneficiário internado ou em tratamento de doença grave, até a efetiva alta, desde que ele arque integralmente com o valor das mensalidades.

Em 2022, no Tema 1.145, o ministro foi o responsável por consolidar na 2ª Seção entendimento de que o produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos pode requerer recuperação judicial se estiver inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido, independentemente do tempo de registro.

Campbell Marques e os 24 milhões de processos

Entre os principais casos relatados pelo ministro estão as teses fixadas pela 1ª Seção no julgamento dos recursos repetitivos de Temas 566 a 571, que tratam da interpretação da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.380/1980). Estima-se que a decisão do colegiado solucionou cerca de 24 milhões de processos.

Também sob o rito dos repetitivos, no Tema 912, a 1ª Seção definiu que os produtos importados estão sujeitos a nova incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) assim que saem do estabelecimento importador na operação de revenda, mesmo que não tenham passado por industrialização no Brasil.

No julgamento, o ministro Mauro Campbell Marques afastou a tese de dupla tributação nas operações de importação e revenda, argumentando que ocorrem dois fatos geradores distintos: o preço de compra, no qual é embutida a margem de lucro da empresa estrangeira, e o valor da venda, que inclui a margem de lucro da importadora brasileira.

Outro caso repetitivo relatado pelo ministro foi o Tema 1.023, no qual a 1ª Seção analisou o marco inicial do prazo de prescrição para o ajuizamento de ação por dano moral sofrido por servidor público exposto ao dicloro-difenil-tricloroetano (DDT). Presente em produtos como inseticidas, a substância foi utilizado no combate a endemias por agentes de órgãos como a Fundação Nacional de Saúde.

Seguindo o voto de Campbell, a seção definiu que o prazo prescricional é contado a partir do momento em que o servidor teve ciência dos malefícios que poderiam surgir com a exposição, não devendo ser adotado como marco inicial a vigência da Lei 11.936/2009.

“A Lei 11.936/2009 não traz qualquer justificativa para a proibição do uso do DDT em todo o território nacional, e nem descreve eventuais malefícios causados pela exposição à referida substância. Logo, não há como presumir que, a partir da vigência da Lei 11.936/2009, os agentes de combate a endemias que foram expostos ao DDT tiveram ciência inequívoca dos malefícios que poderiam ser causados pelo seu uso ou manuseio”, esclareceu o ministro.

Fonte: ConJur