Foto: TSE

A conclusão do processo eleitoral, com a votação, apuração e divulgação dos resultados de segundo turno no último domingo (30/11), deixa para o Tribunal Superior Eleitoral a missão de, nos próximos meses e anos, instruir e julgar as ações que tratam da ocorrência de abuso nas mais diversas condutas das campanhas presidenciais.

A corte tem ao menos 15 ações de investigação judicial eleitoral (aijes) em trâmite. Elas servem para apurar uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou político, ou ainda o uso indevido dos meios de comunicação social em benefício de candidato ou partido político.

As aijes podem ser ajuizadas por qualquer partido, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias que justifiquem a investigação.

As consequências são graves: se julgadas procedentes, geram inelegibilidade de oito anos, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado.

Em 2022, os alvos preferenciais das aijes, naturalmente, foram os favoritos na disputa presidencial. A candidatura de Jair Bolsonaro (PL), especialmente, foi muito acionada graças ao uso da função de presidente de forma eleitoreira, aos seus constantes arroubos antidemocráticos e pelo uso de desinformação para atacar o sistema eleitoral brasileiro.

Nesse sentido, o uso da aije assumiu também uma função preventiva. É por esse motivo que Bolsonaro não pôde usar, em suas peças de propaganda, imagens de seu discurso eleitoreiro no 7 de setembro, nem filmagem da reunião com embaixadores na qual repetiu mentiras sobre as urnas eletrônicas, tampouco registros de sua manifestação a apoiadores em Londres (Inglaterra), onde esteve para o velório da rainha Elizabeth II.

Por meio das aijes, o TSE ainda avançou para proibir o uso da residência oficial da Presidência (Palácio da Alvorada) e da sede de trabalho (Palácio do Planalto) para gravar lives pedindo voto, além de desmonetizar canais bolsonaristas divulgadores de desinformação e adiar a exibição de um documentário eleitoreiro sobre o episódio que ajudou a definir a eleição de Bolsonaro em 2018: o atentado em que levou uma facada durante a campanha.

Essas ações foram ajuizadas pela campanha de Lula (PT), representada pelos advogados Eugênio Aragão e Cristiano Zanin; pela campanha de Ciro Gomes (PDT), dos advogados Walber Agra e Ezikelly Barros; e pela campanha de Soraya Thronicke (União Brasil), da advogada Marilda Silveira.

A campanha de Bolsonaro ainda responderá ação por abuso de poder econômico consistente na “campanha paralela” feita em favor da candidatura por uma rede de apoiadores denominada Casa da Pátria, composta por pastores, entidades religiosas e empresários, cujos valores arrecadados e gastos não teriam sido submetidos ao controle da Justiça Eleitoral.

Também há aije por disparos em massa de mensagens de SMS em defesa de Bolsonaro, feitos em 23 e 24 de setembro por uma empresa paranaense, cujo custo não estaria demonstrado nos gastos oficiais de arrecadação eleitoral e, possivelmente, teria origem vedada. O tema não é estranho ao presidente, que já foi julgado por isso recentemente.

Rito legal
O caso dos disparos em massa pelo Whatsapp na campanha de 2018, julgado definitivamente apenas em outubro de 2021, mostra como o trâmite da aije pode ser demorado — ainda que aquele caso, especificamente, tenha sido alongado por diversas intercorrências relacionadas à ampla coleta de provas que foi necessária.

O rito das aijes é definido no artigo 22 da Lei Complementar 64/1994. A relatoria sempre cabe ao Corregedor-Geral Eleitoral — atualmente, o ministro Benedito Gonçalves. Recebida a inicial, pode haver a inquirição de testemunhas, se for o caso, e a ampla dilação probatória.

É um processo consideravelmente mais demorado do que o visto até agora nas eleições. No primeiro turno, a Justiça eleitoral se dedicou às urgências dos registros de candidatura, das representações contra propaganda eleitoral e dos pedidos de direito de resposta, além da aprovação de instruções sobre o processo eleitoral.

As campanhas não economizaram nesse sentido. Só os advogados de Lula, por exemplo, ajuizaram 313 ações, sendo 171 representações por propaganda eleitoral e outros 109 pedidos de direito de resposta. De lado a lado, os conteúdos contestados mostram o nível e a intensidade da campanha: satanismogenocídiogarotas venezuelanascanibalismo e o velho kit gay são temas que estiveram na pauta.

Google, showmício e Janones
Principal alvo dos adversários, a campanha de Jair Bolsonaro, representada pelo advogado e ex-ministro do TSE, Tarcísio Vieira de Carvalho, tem ao menos quatro aijes contra Lula, de discussões jurídicas relevantes e impacto considerável não apenas para a candidatura do eleito em 2022, mas também para as próximas eleições.

Uma delas aponta o abuso de poder econômico e o uso indevido dos meios de comunicação pelo petista, na conduta de usar links patrocinados do Google para modular e filtrar as buscas dos eleitores.

Quem buscou por “Lula condenação”, “Lula Sergio Moro” ou “Lula corrupção” recebeu como primeiras respostas links com as mensagens “Lula foi absolvido — A farsa da Prisão de Lula”, “Lula foi absolvido — a inocência de Lula” e “Processos que Lula ganhou”.

O tema é inédito no TSE, embora a corte já tenha analisado — e permitido, graças à intervenção do próprio Google — que candidatos usem o nome de seus adversários como palavras-chave para links patrocinados com conteúdo eleitoral.

O abuso, segundo a campanha bolsonarista, consiste no uso de propaganda paga para omitir outras páginas que não eleitoralmente convenientes, expondo o eleitor a peças em contexto diverso daquele legalmente permitido, o que permitiria ludibriar eleitores mais simples.

Outro tema inédito a ser julgado pelo TSE em aije contra o petista decorre do megaevento de lançamento da candidatura de Lula, no qual artistas se reuniram e executaram ao vivo o jingle da campanha. Esse fato pode, em tese, ser enquadrado como abuso de poder político por ofender a regra que proíbe showmícios.

Os advogados do atual presidente ainda apontam que Lula fez uso abusivo dos meios de comunicação durante o dia de votações no primeiro turno, quando fez promessas e discursos em entrevistas públicas, sendo “agraciado com um dia a mais de propaganda em relação a todos os seus adversários”.

Lula também vai responder pelas postagens feitas pelo deputado federal André Janones (Avante), que atuou na linha de frente das redes sociais e, por vezes, pautou o debate eleitoral por meio do que a campanha bolsonarista definiu como “Janonismo cultural”: uso de conteúdos sabidamente inverídicos para ofender a honra de Bolsonaro e reduzir a eficácia de decisões judiciais.

Aijes contra Bolsonaro
0600828-69.2022.6.00.0000
 (Inelegibilidade por pedido de voto em live)
0600814-85.2022.6.00.0000 (Reunião com embaixadores)
0601180-27.2022.6.00.0000 (Campanha no velório da rainha)
0601154-29.2022.6.00.0000 (Campanha no velório da rainha)
0601274-72.2022.6.00.0000 (Campanha paralela)
0601002-78.2022.6.00.0000 (Discurso no 7 de setembro)
0600986-27.2022.6.00.0000 (Discurso no 7 de setembro)
0601188-04.2022.6.00.0000 (Discurso na Assembléia-Geral da ONU)
0601483-41.2022.6.00.0000 (Jovem Pan)
0601522-38.2022.6.00.0000 (Canais Bolsonaristas e documentário da facada)
0601238-30.2022.6.00.0000 (Disparos em massa por SMS)

Aijes contra Lula
0601271-20.2022.6.00.0000
 (Showmício do jingle político)
0601382-04.2022.6.00.0000 (Abuso no dia da eleição)
0601513-76.2022.6.00.0000 (Janonismo cultural)
0601312-84.2022.6.00.0000 (Links patrocinados no Google)