Daniel Silveira foram uma das 745 pessoas com indefinição na candidatura. Condenado no STF e indultado por Bolsonaro, ele recebeu 1,5 milhão de votos no último domingo (2). Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

Dados da totalização dos votos fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre Eleições 2022 no primeiro turno mostram que o eleitor brasileiro deu 3,8 milhões de votos a candidatos que concorreram sub judice — ou seja, cujo registro da candidatura ainda está sob a análise da Justiça Eleitoral.

Isso aconteceu porque 745 pessoas foram opção de voto, apesar da indefinição sobre sua capacidade eleitoral. A maior parte delas, 673, é composta por casos de indeferimento do pedido de registro, mas com recurso ainda aguardando julgamento.

Em 2022, a Justiça Eleitoral recebeu 29,2 mil pedidos de candidatura, dentre as quais considerou aptas 27 mil. Dessas, a maioria esmagadora é de registros deferidos: 26,2 mil, correspondentes a 97%. Os 3% que sobraram podem não parecer muito, mas causam um grande incômodo ao Judiciário.

Primeiro porque causa insegurança jurídica: os eleitores desses candidatos vão às urnas sem saber ao certo se seu voto será, de fato, aproveitado. Segundo, pelo potencial de gerar desperdício de verba públicas em campanhas que serão, ao fim e ao cabo, inúteis.

Fonte: TSE
Candidaturas aptas
Registro Número
Deferido 26.259
Deferido com recurso 64
Indeferido com recurso 673
Pedido não conhecido
com recurso
1
Pendente de julgamento 7
Total 27.004

Terceiro, pelas consequências geradas pela hipótese de um registro de candidatura ser indeferido ou cassado depois das eleições. O artigo 175, parágrafo 3º do Código Eleitoral, aponta que os votos dados a candidatos não registrados são nulos para todos os efeitos.

O parágrafo 4º, por outro lado, diz que essa regra não se aplica se a decisão de cancelamento de registro for proferida após a eleição — os votos ficariam para o partido, em caso de eleição para cargos proporcionais.

Nas eleições municipais, os efeitos das candidaturas subjudice são mais graves. O indeferimento do registro de um prefeito ou seu vice (situação que derruba a chapa inteira) gera a necessidade de eleições suplementares, o que raramente acontece antes de 1º de janeiro. Assim, o presidente da Câmara Municipal é obrigado a atuar interinamente como chefe do Executivo.

Já nas eleições gerais, a própria Justiça Eleitoral se encarrega de evitar essa dor de cabeça. Nenhum candidato à presidência concorreu sub judice porque, por exemplo, o pedido de registro da candidatura de Roberto Jefferson (PTB) foi julgado a tempo pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Na eleição para o Executivo estadual, 12 estados e o Distrito Federal tiveram candidatos sub judice, com votação inexpressiva e nenhuma chance real de vitória. Isso aconteceu porque, na última quinta-feira (29), o TSE indeferiu a candidatura de Valmir de Francisquinho (PL) ao governo de Sergipe. Ele era líder nas pesquisas de intenção de voto ao cargo.

Na mesma data, o TSE expurgou as dúvidas sobre a candidatura de Paulo Octavio (PSD) ao governo do Distrito Federal, ao deferir sua candidatura. Ele não chegou perto de se eleger — Ibaneis Rocha (MDB) foi reeleito em primeiro turno —, mas terminou em terceiro lugar e recebeu 125,7 mil votos de eleitores.

No Senado

Os números absolutos sobre o tema, nas eleições de 2022 não impressionam. O cargo que mais recebeu votos para candidatos sub judice foi de senador, mas quase exclusivamente em função do ex-policial militar Daniel Silveira, cuja candidatura se encontra num limbo jurídico.

Em abril, o então deputado federal foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a oito anos e nove meses de reclusão pelos crimes de coação no curso do processo e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União. Perdeu o mandato e se tornou inelegível, mas no dia seguinte recebeu o benefício da graça pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em setembro, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) negou o registro de sua candidatura ao Senado, por entender que, apesar do indulto presidencial, os efeitos secundários da condenação permaneceram. Silveira recorreu ao TSE e, sub judice, recebeu 1,5 milhão de votos — insuficientes para elegê-lo, inclusive.

Outro candidato ao Senado a atrair muitos votos nessa situação foi o ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PT). Condenado por abuso de poder na campanha de 2014, ele foi declarado inelegível por oito anos, período contado a partir da data daquele pleito e, portanto, encerrado apenas nesta terça-feira (5).

Ainda assim, conseguiu concorrer sub judice à prefeitura de João Pessoa nas eleições de 2020, quando recebeu 38,9 mil votos. E agora repetiu a dose em 2022, reunindo 431,8 mil votos. Terminou como o terceiro preferido do eleitor paraibano e não foi eleito.

Fonte: TSE
Votos sub judice
Cargo Votos
Válidos
Sub
Judice
%
Governador 108.448.349 37.697 0,03%
Senador 99.575.735 2.127.595 2,13%
Deputado
Federal
109.300.281 909.476 0,80%
Deputado
Estadual
109.035.414 788.207 0,70%

Na Câmara e Assembleias

Quatorze estados registraram candidaturas sub judice ao Senado. Ao todo, esses candidatos receberam 2,1 milhão de votos, equivalentes a 2,1% do total de votos válidos conferidos pelo brasileiro para o cargo (em 2022, o eleitor votou em apenas um nome para senador).

Na Câmara dos Deputados, os sub judice receberam outros 909,4 mil votos, correspondentes a 0,8% dos votos válidos. Nessa Casa, julgamentos da Justiça Eleitoral ainda podem alterar a composição. Em São Paulo, por exemplo, Pablo Marçal (Pros) recebeu 243 mil votos, em tese suficientes para elege-lo. Ele aguarda recurso para saber se assumirá a cadeira ou não.

Para as Assembleias Legislativas, o percentual foi ainda menor: os sub judice receberam 788,2 mil votos, equivalentes a 0,70% dos votos válidos. Ainda assim, também há potencial de mudança de composição.

São Paulo novamente traz um exemplo: Dirceu Dalben (Cidadania), que pode estar inelegível graças a uma condenação por improbidade administrativa, recebeu 93,3 mil votos, os quais, caso validados, significarão sua reeleição para a Alesp.

Um problema de prazo

Para a Justiça Eleitoral, o problema das impugnações de candidaturas é de prazo. O artigo 11 da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) determina que partidos e coligações solicitem o registro de seus candidatos até as 19h de 15 de agosto do ano em que se promove o pleito.

A impugnação ao registro de candidatura, por sua vez, deve ser feita no prazo de cinco dias após a publicação do pedido, conforme o artigo 66, parágrafo 3º da mesma lei. Já a eleição ocorre sempre no primeiro final de semana de outubro.

Em 2022, isso significou 48 dias para julgar as impugnações e seus recursos, que podem galgar degraus até chegar ao TSE. É um prazo insuficiente, ainda que a Justiça Eleitoral seja, de longe, o ramo judicial mais célere do Brasil.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a solução precisa necessariamente ser legislativa, e no Congresso tramitam dezenas de projetos de lei com essa temática. Em suma, há duas saídas possíveis.

A primeira é a ampliação do prazo entre o registro das candidaturas e as eleições. Essa hipótese estava contemplada no Projeto de Lei Complementar 121/2021, chamado de Novo Código Eleitoral, que tramitou às pressas no Congresso em 2020, mas ainda não foi aprovado e, com isso, continua parado no Senado.

A outra possibilidade é estabelecer um sistema de pré-registro de candidatura feito no início do ano eleitoral. Aqueles que desejarem concorrer preparariam a documentação com antecedência e passariam por uma análise de sua pré-candidatura, com possibilidade de, desde logo, oferecer impugnação.

O impacto negativo das candidaturas sub judice tem sido apontado pelos observadores das missões da Organização dos Estados Americanos (OEA) enviados ao Brasil há algumas eleições.

Na última segunda-feira (3), a entidade entregou ao ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, o relatório preliminar, com a constatação de que no dia da votação, mais de 700 candidaturas estavam nessa situação.  “O processo de julgamento das candidaturas inclui diversas instâncias que, por um lado, proporcionam maiores garantias, mas, por outro, alongam os prazos de forma que esses processos nem sempre se adaptam aos tempos eleitorais”, diz o documento.

Fonte: ConJur