Ministros que integram o STF. Foto: ConJur.

O ano no Supremo Tribunal Federal (STF) foi marcado por decisões importantes sobre temas como vacinação contra a COVID-19, direito ao esquecimento, tese da legítima defesa da honra, proibição de missas e cultos presenciais durante a pandemia e autonomia do Banco Central.

A Suprema Corte também anulou as condenações do ex-presidente Lula na operação “Lava Jato” e reconheceu a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro para julgar as ações contra o petista. Além disso, a prisão de um deputado federal por ameaças ao Supremo e à democracia também foi destaque em 2021.

Requisição de vacinas

Com o início da campanha de vacinação contra a COVID-19 no país, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar em janeiro e impediu a União de se apropriar dos instrumentos para a imunização, como agulhas e seringas, que foram contratados pelo estado de São Paulo. No entendimento do ministro, o Governo Federal não tinha o direito de se apropriar de bens ou serviços providenciados por um estado ou município, pois isso fere a autonomia constitucional dos entes da federação.

“A incúria do governo federal não pode penalizar a diligência da administração estadual, a qual tentou se preparar de maneira expedita para a atual crise sanitária”, afirmou Lewandowski. Em março, a liminar foi referendada pelo Plenário.

Direito ao esquecimento

Em 11 de fevereiro, o Supremo decidiu, por maioria de votos, que a ideia de um direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal. A decisão se deu no julgamento do Recurso Extraordinário 1.010.606, sob relatoria do ministro Dias Toffoli.

Toffoli caracterizou como direito ao esquecimento a “pretensão apta a impedir a divulgação, seja em plataformas tradicionais ou virtual, de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante”.

Segundo ele, não há previsão legal para o direito ao esquecimento e não se pode restringir a liberdade de expressão e imprensa. Eventuais abusos ou excessos devem ser analisados posteriormente, caso a caso, “a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.

Prisão de Daniel Silveira

Após ataques ao Supremo Tribunal Federal e declarações favoráveis à ditadura militar, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) foi preso em flagrante, por ordem do ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news.

Ao decretar a prisão de Silveira, Alexandre destacou alguns dos trechos mais absurdos da fala do deputado. Em um vídeo publicado nas redes sociais, Silveira comentou nota do ministro Luiz Edson Fachin, que repudiou a tentativa do alto comando do Exército de intimidar o Supremo. Em determinado momento, o deputado diz que já imaginou dar uma “surra” em todos os ministros do STF e prometeu persegui-los.

Para Alexandre, o parlamentar afrontou a Constituição, nos seguintes aspectos: propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (artigos 5º, XLIV; 34, III e IV); e manifestações visando o rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais. Além disso, o deputado cometeu crime contra a honra do Poder Judiciário e dos ministros do Supremo, com condutas previstas na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1973), artigos 17, 18, 22, incisos I e IV, 23, incisos I, II e IV e 26.

Por unanimidade, o Plenário do STF confirmou a decisão de Alexandre de Moraes e manteve a prisão do parlamentar, por entender que as declarações contra a democracia e o Estado de Direito não estão cobertas pela imunidade parlamentar.

Suspeição de Moro

Em março, o país foi surpreendido pela decisão do ministro Fachin que reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, que tinha o então juiz Sergio Moro como titular, para processar e julgar o ex-presidente Lula nos casos do tríplex do Guarujá (SP), do sítio de Atibaia (SP), e em duas ações envolvendo o Instituto Lula.

Com isso, as condenações do petista foram anuladas e ele voltou a ter todos os seus direitos políticos, podendo disputar eleições. O que Fachin admitiu na decisão é que não havia conexão entre os supostos crimes que o Ministério Público Federal atribuía a Lula e a investigação de atos de corrupção na Petrobras.

Em seguida, a 2ª Turma do STF decretou a suspeição de Moro. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram por reconhecer a parcialidade de Moro. Gilmar afirmou que, enquanto esteve à frente da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Moro interferiu na produção de provas contra acusados, dirigiu as investigações do MPF e juntou documentos de ofício, sem manifestação do órgão.

Com a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia (em 2018 ela tinha votado contra a suspeição), Moro foi declarado suspeito, por 3 a 2, nos casos envolvendo o ex-presidente Lula na finada “lava jato”. “Todos têm o direito de ter um julgamento justo por um juiz e um tribunal imparciais”, declarou a ministra.

Em junho, o Plenário confirmou a decisão da 2ª Turma e, com o resultado, as acusações contra o ex-presidente foram anuladas. Prevaleceu o voto divergente de Gilmar Mendes, para quem a decisão de suspeição tem efeitos mais amplos do que a de incompetência de um juízo.

Entre eles, o de anular os atos processuais que, no caso de incompetência, podem ser ratificados e mantidos no processo pelo novo juiz. Portanto, a declaração de incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para julgar Lula não fez com que o julgamento da suspeição perdesse objeto.

Legítima defesa da honra 

O Plenário do STF também decidiu neste ano que a tese da legítima defesa da honra, adotada, muitas vezes, no tribunal do júri, é inconstitucional. O relator, ministro Dias Toffoli, vetou a tese em casos de feminicídio, argumentando que a traição conjugal é questão de âmbito privado, passível de acontecer tanto a homens quanto a mulheres. Portanto, é inconstitucional a existência de um direito subjetivo a agir com violência diante dela.

Cultos na epidemia

No início de abril, a crise sanitária estava em um dos seus piores momentos, batendo recordes de mortes diárias e de casos de infecção. Nesse contexto, o ministro Luís Roberto Barroso determinou, liminarmente, que o Senado adotasse as providências necessárias para a instalação de uma CPI para apurar eventuais omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia. Em meados de abril, por maioria, o STF referendou a liminar de Barroso.

No mesmo mês, o Supremo decidiu, por 9 a 2, que estados e municípios podem restringir celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas, durante a epidemia do coronavírus. A maioria do Plenário entendeu que a liberdade de professar religião em cultos não é um direito absoluto e pode temporariamente ser restringida para assegurar as garantias à vida e a saúde.

“O Brasil, que já foi exemplo em importantes atividades de saúde pública, como política de vacinação, atualmente é o líder mundial em mortes diárias por Covid-19. Em números aproximados (e uso aqui os mais conservadores), temos cerca de 2,7% da população mundial, mas 27% das mortes por Covid-19 que ocorrem no planeta dão-se aqui, sob nossos olhos”, disse o ministro Gilmar Mendes em seu voto.

Censo de 2022 

Em maio, a Suprema Corte julgou procedente a ACO 3.508 movida pelo estado do Maranhão para obrigar o Governo Federal a realizar o censo demográfico em 2022. O censo tinha sido cancelado pelo Governo sob a alegação de falta de verbas no orçamento da União.

O ministro Gilmar Mendes foi quem abriu divergência e determinou “adoção das medidas administrativas e legislativas necessárias à realização do Censo Demográfico do IBGE no exercício financeiro seguinte ao da concessão da tutela de urgência (2022), observados os parâmetros técnicos preconizados pelo IBGE, devendo a União adotar todas as medidas legais necessárias para viabilizar a pesquisa censitária, inclusive no que se refere à previsão de créditos orçamentários para a realização das despesas públicas”.

Ferimentos a jornalista

O Estado deve ser responsabilizado pelos ferimentos causados a jornalistas que sejam atingidos pelas forças policiais durante manifestações públicas. Esse foi o entendimento da maioria dos ministros ao julgar, em junho, o caso do fotógrafo Alex Silveira, que perdeu a visão de um olho durante a cobertura jornalística de uma manifestação de servidores públicos em São Paulo.

Por 10 votos a 1, o Plenário assentou a culpa do Estado, seguindo o voto do relator, ministro Marco Aurélio. O caso tem repercussão geral e, por isso, a tese valerá para julgamentos semelhantes.

Autonomia do Banco Central

Em agosto, no julgamento da ADI 6.696, o Supremo declarou a constitucionalidade da Lei Complementar 179/2021, que instituiu a autonomia do Banco Central e o transformou em autarquia especial. Prevaleceu o entendimento do ministro Luís Roberto Barroso, que abriu divergência em relação ao relator da matéria, ministro Ricardo Lewandowski, favorável à declaração de inconstitucionalidade da lei.

Barroso, ao contrário, sustentou que a nova legislação está fixada conforme as normas da Constituição. “Responsabilidade fiscal não tem ideologia. Não é de esquerda, nem de direita. Não é monetarista, nem é estruturalista. É apenas um pressuposto das economias saudáveis”, disse Barroso. A decisão foi por 8 votos a 2.

Orçamento secreto

Em novembro, ao apreciar as ADPFs 850, 851, 854, a ministra Rosa Weber suspendeu a execução das verbas oriundas das chamadas “emendas do relator”, relativas ao orçamento deste ano. Depois, a liminar foi referendada em Plenário. A execução das emendas de relator só foi liberada pelo STF após o Congresso Nacional se comprometer a dar mais transparência aos recursos.

A relatora considerou que a falta de divulgação dos critérios objetivos e de instrumento centralizado de monitoramento das demandas voltadas para a distribuição das emendas de relator geral (RP-9) comprometia a transparência da alocação de montante expressivo do orçamento da União. A seu ver, o segredo injustificado sobre atos relativos a receitas, despesas e destinação de recursos públicos eram incompatíveis com a forma republicana e o regime democrático.

Fonte: ConJur.