A vereadora Adriana Nossa Cara lamentou que a Câmara tenha se limitado a discutir regulação de banheiros e criminalização de pessoas LGBT. Foto: CMFor.

Como o Blog do Edison Silva adiantou, os trabalhos na Câmara Municipal de Fortaleza nesta quarta-feira (03) se limitaram a embates sobre transfobia e “ideologia de gênero”. Durante toda a sessão ordinária, vereadores conservadores voltaram a criticar a instalação de placas em equipamentos da Rede Cuca autorizando o uso de banheiros por pessoas trans, não binárias e cis.

Por outro lado, parlamentares progressistas apontaram preconceito e desonestidade nos argumentos de alguns membros da Casa Legislativa.

A confusão se deu quando vereadores chegaram a associar a comunidade LGBTQIA+ com eventuais abusos sexuais de crianças e adolescentes. O assunto já havia sido levado à tribuna na quinta-feira da semana passada pelo vereador Jorge Pinheiro (PSDB), que criticou a instalação de placas nos Cucas de Fortaleza.

Inspetor Alberto (PROS) chegou a ir em um dos equipamentos e arrancou o informativo. Na sessão desta quarta-feira (03), o parlamentar afirmou que fez denúncia na delegacia sobre a utilização da placa e levou uma cópia do material para a tribuna da Casa Legislativa. Durante a plenária, ele chegou a dizer que atuou de modo a prevenir qualquer tipo de abuso contra crianças e adolescentes. Alberto também questionou quem teria autorizado a instalação da placa, bem como os gastos com dinheiro público que foram investidos em sua confecção.

Júlio Brizzi (PDT) chegou a dizer que o ato de Alberto envergonha a Câmara Municipal, uma vez que ele depredou um patrimônio público e ainda levou uma cópia do objeto para a tribuna da Casa. “Arrancar a placa e apresentar como troféu é uma agressão ao Legislativo. A gente precisa saber até que ponto vai o papel do parlamentar. Isso é um desrespeito, uma falta de compreensão e empatia”, apontou.

Vereador Inspetor Alberto justifica sua atitude:

O vice-presidente da Câmara Municipal, Adail Júnior (PDT), que presidia a sessão, se colocou ao lado dos críticos à placa e, em contrapartida às falas de Júlio Brizzi, disse que a Casa precisa cobrar que as leis sejam aplicadas e cumpridas. “A Casa não foi agredida em nada, na minha concepção. Temos que respeitar o que votamos aqui nessa Casa. Essa Casa derrubou e vai continuar derrubando a ideologia de gênero da maneira que querem colocar, de goela adentro”.

Adriana Nossa Cara (PSOL), por outro lado, lamentou que a Câmara Municipal tenha se limitado a discutir regulação de banheiros e criminalização de pessoas LGBT. “Tantas coisas para discutir, tanta política pública a se fazer, tantos órgãos que precisam ser fortalecidos, mas, infelizmente, alguns vereadores perdem tempo criminalizando LGBT”, apontou. Ela apresentou  dados que mostram que 87% dos agentes de violência sexual são homens heterossexuais, muitas vezes dentro da própria casa.

“Não é em banheiro do Cuca, não é em equipamento público. Das 14 mil denúncias de violência sexual no Brasil, 21% são praticadas por padrastos, 19% pelo próprio pai, 4% pela mãe, 9% pelo tio e 7% pelo vizinho. Vocês estão com alvo errado querendo a todo custo falar de banheiro aqui, regulando corpos de pessoas trans e não binárias”, apontou Adriana.

Veja trecho do discurso da vereadora Adriana:

Preocupação

Ronivaldo Maia (PT) também se desculpou com a comunidade LGBT pelo posicionamento de alguns de seus pares. De acordo com ele, “enquanto alguns se dedicam a fortalecer o ódio, pais e mães se somam pela paz. Quem arranca placa, quem invade espaços, quem dá energia para isso, não está fazendo nada de novo. A sociedade está permeada de intolerância. O ódio tem nos levado ao fundo do poço”.

O líder do Governo na Casa, vereador Gardel Rolim (PDT), enfatizou a necessidade de se aprofundar no tema que é sempre assunto polêmico entre alguns vereadores. O parlamentar afirmou discordar da forma como Inspetor Alberto se posicionou sobre o assunto, indo até um equipamento público e arrancando placas e demonstrou preocupação com a imagem dos Cucas depois da ação.

“O Cuca é um equipamento importantíssimo na nossa cidade. Tem para mais de 12 programas, as vezes, chega a atender mais de 500 mil jovens. Eu fico pensando na imagem que a população, que está lá fora, possa ter do Cuca a partir de um episódio como esse”, lamentou.

“Desonestidade intelectual”

Gabriel Aguiar (PSOL) também lamentou que alguns de seus pares tenham buscado conectar o tema abuso sexual com pessoas da comunidade LGBTQIA+. Segundo ele, não há qualquer registro de assédio cometido por um homem trans. “Lamento muito que essas pautas estejam sendo colocadas aqui. Isso é desonestidade intelectual. O que acontece nos bastidores, nos corredores por aqui, é muito mais baixo que isso”, apontou.

Larissa Gaspar (PT) defendeu avanço nas pautas para garantir o respeito a todas as pessoas da forma como elas são. “Quem pratica abusos são homens héteros, pais, maridos, vizinhos. Esse é o debate que precisa ser feito de forma honesta e verdadeira. Não é a toa que o Brasil é um dos países que mais mata mulheres no mundo. Espero que essa Casa possa fazer um debate verdadeiro sobre isso e pare de estigmatizar as pessoas LGBTQIA+”.