Em audiência na Câmara dos Deputados, órgão reiterou proposta contida em nota técnica elaborada pelo Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética da Câmara Criminal do MPF. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

”A liberdade de expressão, embora seja um direito fundamental e caro previsto na nossa Constituição, deve ser balanceada com outros direitos. Seu principal limite é a lei”. A afirmação foi feita pela procuradora regional da República Neide de Oliveira, coordenadora adjunta do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética da Câmara Criminal do MPF (2CCR), durante audiência pública realizada nessa terça-feira (21) pela Câmara Federal.

O debate teve como foco a criminalização da desinformação na internet, matéria discutida no Projeto de Lei (PL) 2630/2020, conhecido como PL das Fake News.

Em sua fala, a procuradora pontuou que a informação errada, com meias verdades ou completamente falsa, sempre existiu, mas foi a internet que potencializou o alcance e o impacto das chamadas fake news. ”A desinformação pode influenciar eleições, políticas públicas e formação de decisões no mundo todo”, disse. Ela afirmou ainda que definir o que é desinformação em lei é algo muito complexo, pois pode dar margem a práticas indesejadas de censura. Destacou, no entanto, que discursos caracterizados como crime devem ser retirados da internet o mais rápido possível, ”para mitigar os prejuízos que jamais serão completamente reparados”.

Neide Oliveira salientou que há no Código Penal várias condutas que podem ser utilizadas para criminalizar a desinformação na internet, como no caso de crimes de racismo e injúria racial, delitos contra a honra, como calúnia, difamação e injúria, e apologia e incitação ao crime, por exemplo. Ressaltou, porém, que o MPF defende a criação de tipos penais específicos para punir quem financia a desinformação ou pretende criar alarme e pânico com a propagação de notícias falsas.

“No contexto da pandemia, nós sugerimos – o Ministério Público Federal, na nossa nota técnica sobre o projeto de lei – uma nova redação para a contravenção de provocar alarme, capaz de causar pânico ou tumulto, para torná-la crime, assim como devemos buscar punir o financiamento da desinformação e a concertação organizada da disseminação da desinformação”, explicou. Além disso, segundo a procuradora, é preciso que a lei preveja mecanismos que possibilitem a identificação de quem originalmente postou o conteúdo criminoso.

Rastreamento

Neide Oliveira reiterou a importância do dispositivo do projeto de lei que obriga os serviços de mensageria privada a guardarem os registros dos envios de mensagens compartilhadas em massa (artigo 10). Segundo ela, a medida não viola o direito à privacidade, pois prevê a guarda de metadados (dados de tráfego) e não de conteúdo. ”Trata-se de previsão que visa atingir a comunicação em massa, retransmitida com o objetivo de atingir o maior número de pessoas possível, não se confundindo com a comunicação privada entre indivíduos e dentro de pequenos grupos”, ponderou.

A procuradora frisou ainda que o disparo em massa de mensagens para fins eleitorais pode configurar ilícitos não criminais, mas igualmente graves, como abuso de poder político, econômico ou dos meios de comunicação social. A prática, que já foi expressamente vedada por resolução do Tribunal Superior Eleitoral e está prevista na proposta de reforma do Código Eleitoral (PLP 112/21), pode resultar em cassação de mandato e inelegibilidade. “A detecção da origem de tais disparos pode ser crucial para a devida responsabilização de candidatos e alterar os rumos de uma eleição presidencial, por exemplo”, apontou.

Em relação à moderação de conteúdo pelos provedores de redes sociais e serviços de mensageria, a coordenadora adjunta do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética do MPF disse ser adequada a possibilidade de exclusão de conteúdo ilegal pelas plataformas, por ser medida mais ágil que a intervenção do Poder Judiciário. No entanto, ressalvou que é preciso estabelecer regras e limites para que essa moderação siga prazos e critérios objetivos. ”Os termos de serviços são muito amplos, diversos conteúdos poderiam ser excluídos e às vezes as plataformas preferem não excluir, por não terem um prazo para fazê-lo. Hoje elas têm um domínio muito grande, maior do que o poder público”, finalizou Oliveira.

Tramitação

O PL 2630/2020, que institui a lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência na internet, foi aprovado pelo Senado Federal em junho do ano passado e remetido para análise da Câmara dos Deputados. O MPF, por meio do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética da Câmara Criminal (2CCR), já elaborou duas notas técnicas sobre a matéria, com sugestões que visam aprimorar a legislação brasileira e coibir as fake news.

Fonte: MPF