Gilmar Mendes narra que o acordo de colaboração premiada analisado foi celebrado pela Polícia Federal com o ex-Governador Sérgio Cabral após diversas tentativas frustradas de negociação com o MPF. Foto: Reprodução/ ConJur

Nesta sexta-feira (21), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para tornar sem efeito a decisão que homologou o acordo de colaboração premiada de Sérgio Cabral, sem analisar a legitimidade da Polícia Federal (PF) para celebrar acordo de colaboração premiada.

Essa era a questão preliminar que tinha sido suscitada pelo relator do caso, o ministro Edson Fachin. Se a preliminar sobre a legitimidade for superada, o voto de Gilmar é para dar provimento ao agravo regimental e reformar a decisão que homologou o acordo de colaboração premiada firmado entre Cabral e a Polícia Federal.

O Plenário virtual do STF começou a examinar os embargos de declaração apresentados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) reiterando o entendimento da inidoneidade das declarações prestadas pelo ex-governador Sérgio Cabral em acordo de delação premiada firmado pela Polícia Federal, sem participação do Ministério Público.

O relator, Fachin, defendeu que a delação de Sérgio Cabral não seja reconhecida, mas que se mantenha o entendimento de que a Polícia Federal pode fechar acordo de colaboração premiada sem a participação do Ministério Público.

O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez, acompanhou o relator no entendimento de que a PF pode fechar acordo de delação, mas votou para que seja mantida a validade da delação de Cabral e a consequente investigação do ministro Dias Toffoli com base no relato, que foi considerado “imprestável” pela PGR.

Críticas à delação

O voto do ministro Gilmar Mendes traz duras críticas ao instituto da delação premiada. Para ele, o caso é paradigmático para refletir sobre os limites do uso dos acordos diante dos princípios que norteiam o sistema penal acusatório.  “As controvérsias aqui colocadas denotam que — malgrado a aparente compatibilidade do regime da Lei 12.850/2013 com a Constituição Federal — casos específicos como este sugerem a existência de um verdadeiro estado de coisas inconstitucional na implementação do regime de colaboração premiada no direito brasileiro”, afirma o ministro.

E prossegue: “os desdobramentos processuais da homologação do acordo de colaboração afastaram-se em muito das finalidades da legislação correlata. Entre nós, assim como ocorre em outros países da tradição romano-germânica, como na Alemanha, em regra, o uso de instrumentos negociais no processo penal não se vincula à finalidade de abreviamento ou de mera resolução antecipada do caso, mas se revela como instrumento cognitivo com finalidade probatória para melhor reconstrução dos fatos passados, que pressupõe o desvendamento do adequado grau de culpabilidade dos investigados”.

Segundo o ministro, os acordos de colaboração premiada homologados em diversas operações — inclusive em decisões da Suprema Corte — revelam o desenvolvimento de práticas que conflitam diretamente com todo o arcabouço jurisprudencial formado durante os últimos anos.

O rígido e responsável controle judicial desses acordos, sustenta, sobretudo na sua fase de homologação, é fundamental para que o STF “não convalide situações, como a ora posta em exame, em que as partes envolvidas no acordo parecem querer substituir a vontade do legislador pela vontade do colaborador”.

Histórico

Gilmar Mendes narra que o acordo de colaboração premiada analisado foi celebrado pela Polícia Federal com o ex-Governador Sérgio Cabral após diversas tentativas frustradas de negociação com o Ministério Público Federal (MPF). Ao analisar o feito, em decisão de 5 de fevereiro de 2020, o relator Fachin homologou o acordo e entendeu que, embora imprescindível, a manifestação do Ministério Público não seria vinculativa.

“É imprescindível esclarecer os desdobramentos processuais dessa decisão de homologação. Invoco as palavras atribuídas a Louis Brandeis para recordar que ‘a luz do sol é sempre o melhor desinfetante. Após a homologação do acordo e, paralelamente ao trâmite processual desta PET, foram instaurados 12 (doze) inquéritos criminais a partir dos anexos da colaboração de Sérgio Cabral de competência originaria do STF”, pontua Gilmar.

Após a autuação desses inquéritos, eles foram remetidos pela presidência da Corte à PGR. A PGR, então, na condição de titular da persecução penal, pleiteou o arquivamento de todos os 12 (doze) inquéritos, por entender que as declarações do ex-governador não contariam com elementos mínimos de corroboração que justificassem a deflagração de investigação criminal em desfavor das pessoas citadas. Esses pedidos de arquivamento foram acolhidos, pelo presidente do STF à época, ministro Dias Toffoli.

Cabral prometera que num prazo de 120 dias apresentaria novos elementos para confirmar sua delação. Para Gilmar Mendes, a aceitação desta cláusula é “absolutamente ilegal”.

“Essa cláusula distorce e subverte o regime jurídico definido na Lei 12.850/2013, sobretudo no seu art. 3º-C, § 3º, o qual dispõe que ‘no acordo de colaboração premiada, o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados’.”

“Ou seja, a lei exige que o colaborador narre de uma só vez todos os ilícitos. Referida cláusula foi totalmente aceita pelo eminente relator em sua decisão de homologação, sem nenhuma glosa. Ela instituiu, no presente caso, um verdadeiro regime de homologação antecipada (ex ante) do acordo de colaboração premiada, situação em que a autoridade judicial primeiro homologa o acordo e só depois o colaborador narra fatos ainda indeterminados e desconhecidos”, diz Gilmar.

Fonte: ConJur