Ex-ministro foi ouvido por senadores nesta terça-feira (04). Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado.

O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta disse nesta terça-feira (04) ter sido  “publicamente confrontado” pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante o enfrentamento inicial da pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Em depoimento à CPI da Covid, no Senado Federal, Mandetta afirmou que o Brasil deveria ter demonstrado uma “unidade” e “fala única” sobre as medidas de combate à doença, como o isolamento social.

No entanto, segundo o ex-ministro, o presidente da República contribuiu para que a sociedade recebesse uma informação “dúbia” sobre como lidar com a doença.

“O Ministério da Saúde foi publicamente confrontado, e isso dava uma informação dúbia à sociedade. O objetivo do Ministério da Saúde era dar uma informação, e o presidente dava outra informação. Em tempos de epidemia, você tem que ter a unidade. Tem que ter a fala única. Com esse vírus, o raciocínio não pode ser individual. Esse vírus ataca a sociedade como um todo. Ele ataca tudo”, relatou.

No dia 28 de março, ele diz ter entregue uma carta pessoal a Bolsonaro. No texto, ele “recomenda expressamente que a Presidência da República reveja o procedimento adotado para evitar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.

De acordo com o ex-ministro, o presidente Bolsonaro foi diretamente comunicado sobre a escalada da pandemia no Brasil. Antes de deixar a pasta, Luiz Henrique Mandetta apresentou a Jair Bolsonaro, conforme expôs, uma estimativa de que o país poderia chegar a 180 mil mortos no final de 2020. A previsão acabou sendo superada, e o Brasil encerrou o ano passado com quase 195 mil óbitos confirmados.

“Todas as recomendações as fiz com base na ciência, na vida e na proteção. As fiz em público, em todas as minhas manifestações. As fiz nos conselhos de ministros. As fiz diretamente ao presidente e a todos os que tinham de alguma maneira que se manifestar sobre o assunto. Sempre as fiz. Ex-secretários de saúde e parlamentares falavam publicamente que essa doença não ia ter 2 mil mortos. Acho que, naquele momento, o presidente entendeu que aquelas outras previsões poderiam ser mais apropriadas”, afirmou.

Embora nunca tenha tido, segundo disse, uma discussão “áspera” com o presidente da República, Luiz Henrique Mandetta reconhece que entre os dois “havia um mal-estar”. Ele reconheceu acreditar que Jair Bolsonaro recorria a “outras fontes” e a um “assessoramento paralelo” para buscar informações sobre a pandemia do novo coronavírus.

“Isso não é nenhuma novidade para ninguém. Havia por parte do presidente um outro olhar, uma outra decisão, um outro caminho. Todas as vezes que a gente explicava, o presidente compreendia. Ele falava: ‘Ok, entendi’. Mas, passados dois ou três dias, ele voltava para aquela situação de quem não havia talvez compreendido, acreditado ou apostado naquela via. Era uma situação dúbia. Era muito constrangedor para um ministro da Saúde ficar explicando porque estávamos indo por um caminho se o presidente estava indo por outro”, pontuou.

Mandetta ficou à frente do Ministério da Saúde até o dia 16 de abril de 2020.

Cloroquina 

Questionado pelo relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB/AL), o ex-ministro da Saúde criticou o uso da cloroquina como um tratamento preventivo contra a doença. Embora o presidente Jair Bolsonaro defenda publicamente o uso da substância pela população, Mandetta lembrou que, no enfrentamento de outras doenças, a droga é utilizada em ambiente hospitalar. O ex-ministro disse ainda desconhecer por que o Laboratório do Exército tenha intensificado a produção dos comprimidos em 2020.

“A cloroquina é uma droga que, para o uso indiscriminado e sem monitoramento, a margem de segurança é estreita. É um medicamento que tem uma série de reações adversas. A automedicação poderia ser muito, muito perigosa. A cloroquina é já produzida para malária e lúpus pela Fiocruz e já tínhamos suficiente. Não havia necessidade, e tínhamos um estoque muito bom para aquele momento”, afirmou.

Mandetta rebateu o que classificou como “falsas versões” sobre a atuação dele no Ministério da Saúde. Segundo uma dessas “cantilenas”, apenas pacientes com sintomas mais “severos” deveriam buscar atendimento hospitalar nos primeiros meses da pandemia.

“Isso não é verdade. Estávamos no mês de janeiro e fevereiro e não havia um caso registrado dentro do país. O que havia naquele momento era pessoas em sensação de insegurança e pânico. As pessoas procuravam hospitais em busca de fazer testes, mas em 99,9% dos casos eram outros vírus. Se houvesse um paciente lá positivo, ele iria contaminar na sala de espera. Tenho visto essa máxima ser repetida e tenho percebido que é mais uma guerra de narrativa”, rememorou.

Mandetta lembrou que, em sua gestão na pasta, o Ministério da Saúde equipou 15 mil leitos de UTI com respiradores e iniciou a negociação para a aquisição de 24 mil testes para a detecção do coronavírus. Ele defendeu a vacina como a única “porta de saída” para a pandemia.

“Nós tínhamos a perfeita convicção. Doença infecciosa a vírus a humanidade enfrenta com vacina desde a varíola, passando por pólio, difteria e todas elas. A porta de saída era vacina. Em maio, depois que saí dos Ministério da Saúde, os laboratórios começaram a realizar os testes de fase 2. Só ali eles começam a abordar os países com propostas de encomendas. Na minha época não oferecido. Mas eu rezava muito para que fosse. Teria ido atrás da vacina como atrás de um prato de comida”, afirmou.

Questionado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede/AP), Luiz Henrique Mandetta disse que a atuação do então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, dificultou a aquisição de insumos para o enfrentamento da pandemia. O ex-ministro da Saúde disse que conflitos dos filhos do presidente Jair Bolsonaro com a China também geravam “mal-estar”.

“Eu tinha dificuldade com o ministro das Relações Exteriores. O filho do presidente que é deputado federal [Eduardo Bolsonaro (PSL/SP)] tinha rotas de colisão com a China através de uma rede social. Um mal-estar. Fui um certo dia ao Palácio do Planalto, e eles estavam todos lá. Os três filhos do presidente [deputado Eduardo, vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro e senador Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ)] estavam lá. Disse a eles que eu precisava conversar com o embaixador da China. Pedi uma reunião com ele. ‘Posso trazer aqui?’ ‘Não, aqui não’. Existia uma dificuldade de superar essas questões. Esses conflitos com a China dificultavam muito a boa vontade”, disse Mandetta.

Com informações da Agência Senado.