Medida Provisória (MP) 870/2019, no primeiro dia do Governo, procurou esvaziar as atribuições da Funai e transferir a temática indígena para a pasta da Agricultura. Foto: Governo do Ceará.

A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) divulgou, nesta segunda-feira (19), onde marca o Dia do Índio no Brasil, nota pública em que alerta para o atual cenário de retrocessos na política indigenista do Estado Brasileiro e reafirma o compromisso institucional do órgão, que integra a estrutura da Procuradoria-Geral da República (PGR), com a defesa dos direitos dos povos indígenas.

De acordo com o documento, “a omissão na concretização da demarcação de terras indígenas, a desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a não adoção de políticas públicas em tempos de pandemia [do novo coronavírus (Covid-19)] compõem um quadro de violações sem precedentes na atual ordem constitucional”.

O texto aponta uma série de medidas e atos normativos implementados pelo Governo Federal que acarretam a redução da força de trabalho da Funai, além de desvirtuar a autarquia da sua missão institucional – voltada à proteção dos povos originários.

Inicialmente, relembra a edição da Medida Provisória (MP) 870/2019, no primeiro dia do Governo, que procurava “esvaziar as atribuições do órgão indigenista e submeter a temática a outros interesses, notadamente os da pasta da agricultura”.

Em seguida, afirma que a rejeição da proposta pelo Congresso Nacional “não impediu o enfraquecimento da autarquia e de suas atribuições, o que se dá de forma cotidiana e mediante alguns sucessivos atos”, como evidenciam diversos episódios ocorridos em 2020.

Entre eles, está a edição, em abril do ano passado, da Instrução Normativa 09 da Funai, que determina a exclusão da base de dados do Sistema de Gestão Fundiária nacional de todas as terras indígenas não regularizadas. Na prática, a instrução permite o reconhecimento de propriedades privadas em áreas reivindicadas por indígenas ou em processo de demarcação. Contra essa medida, o MPF propôs 26 ações judiciais em diversas localidades, com 19 decisões favoráveis até o momento.

Outro exemplo de retrocesso, segundo o MPF, é a Resolução 04/21, publicada pela Funai em janeiro deste ano. A norma restringe a autodeclaração e estabelece novos critérios para a heteroidentificação (método de identificação étnico-racial de um indivíduo a partir da percepção social de outra pessoa) de indígenas, limitando o acesso a políticas públicas específicas para esses povos, inclusive na área de saúde. Mais recentemente, em fevereiro, a autarquia indígena e o Ibama editaram a Instrução Normativa Conjunta 01/21. Sob o pretexto de regulamentar o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades realizadas no interior de terras indígenas, o ato busca “institucionalizar o arrendamento rural nos territórios indígenas”, alerta a nota.

Covid-19

O MPF destaca o veto do presidente a dispositivos do Projeto de Lei (PL) 1.142/2020, apresentado na Câmara dos Deputados, que estabeleceu o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas. O Governo barrou trechos que previam o acesso das aldeias a água potável, materiais de higiene, leitos hospitalares e respiradores mecânicos. Por outro lado, manteve o item que autoriza a permanência de missões religiosas nos territórios indígenas, inclusive naqueles em que há presença ou registro de povos de recente contato ou em isolamento voluntário.

A nota menciona ainda a resistência do Executivo Federal em implementar atendimento e vacinação prioritária aos indígenas que vivem em contexto urbano ou em territórios não formalmente demarcados. Frisa, ainda, que “neste abril de 2021 completa-se um ciclo que já dura três anos sem que nenhuma terra indígena tenha sido delimitada, demarcada ou homologada no país, aprofundando o déficit demarcatório e agravando o quadro de invasões e explorações ilegais desses territórios”.

Balanço

Em contraponto aos retrocessos apontados, o MPF cita, ao final da nota pública, atuações do Congresso Nacional e do Poder Judiciário para “evitar o agravamento do quadro de disruptura institucional da política indigenista”. Menciona, como exemplos, a derrubada do veto presidencial parcial ao Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas e a não conversão em lei da Medida Provisória (MP) nº 910/2019, que se propunha a anistiar a ocupação e o desmatamento de vastas extensões de terras públicas, inclusive em territórios indígenas não definitivamente demarcados.

No âmbito da Justiça, o documento lista decisões importantes do Supremo Tribunal Federal (STF) no último ano, como a paralisação dos processos que pleiteiam reintegração de posse em áreas indígenas; a determinação ao Governo Federal para adoção de medidas urgentes para conter a covid-19 em territórios indígenas; a suspensão dos efeitos da Resolução 04/21 da Funai; e a admissão da ação rescisória que busca anular a decisão que não reconheceu o direito territorial do povo Guarani Kaiowá à TI Guyraroká, com base na tese do marco temporal.

Com informações do MPF.