Ministro Edson Fachin é o relator. Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE.

Declarações de delatores não justificam, por si sós, a abertura de ação penal. E não é possível acusar grupo de integrar organização criminosa desde 2004 se este delito foi criado nove anos depois, pela Lei 12.850/2013.

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por três votos a dois, aceitou, nesta terça-feira (02/03), embargos de declaração e rejeitou denúncia contra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (AL), o senador Ciro Nogueira (PI) e os deputados federais Aguinaldo Ribeiro (PB) e Eduardo da Fonte (PE), todos do PP.

Em 2017, a Procuradoria-Geral da República acusou os quatro de desviar dinheiro da Petrobras no caso que ficou conhecido como quadrilhão do PP.

Segundo a acusação do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o grupo teria desviado R$ 390 milhões. Dois anos depois, a 2ª Turma do Supremo aceitou denúncia contra os políticos, mas eles opuseram embargos de declaração.

O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou em 2020 para negar os embargos, e o ministro Gilmar Mendes pediu vista.

Na retomada do julgamento nesta terça-feira (02), prevaleceu o voto de Gilmar. O magistrado afirmou que a acusação de organização criminosa foi artificial e sem fundamento, uma vez que quase todos os inquéritos sobre os fatos ou já foram arquivados pela própria PGR ou tiveram denúncias rejeitadas pelo Supremo.

“Portanto, entendo que o acórdão foi omisso e contraditório ao não proceder a uma análise detalhada da situação de cada uma dessas investigações, utilizando-se dessas narrativas [de delatores] para receber a denúncia, mas sem considerar que essas investigações já foram arquivadas, rejeitadas ou sequer iniciadas em virtude da fragilidade dos depoimentos dos colaboradores e das provas produzidas”, avaliou Gilmar.

O ministro ressaltou que a decisão da 2ª Turma que aceitou a denúncia não poderia ter se baseado apenas em relatos de colaboradores, sem indicar que elementos corroborariam tais narrativas.

“Ao assim proceder, entendo que o acórdão permitiu o uso de corroboração recíproca ou cruzada, ou seja, a confirmação dos depoimentos dos colaboradores com base em declarações de outros colaboradores ou em informações ouvidas de terceiros, o que não é admitido pela jurisprudência desta corte”, opinou Gilmar, citando o Habeas Corpus 127.483, do Plenário, e o voto do ministro aposentado Celso de Mello no Inquérito 3.982, julgado pela 2ª Turma.

O magistrado também citou que a Lei “anticrime” (Lei 13.964/2019) proibiu o recebimento de denúncia apenas com base em delação.

Além disso, Gilmar Mendes destacou que a conduta dos acusados é atípica. Isso porque o delito de organização criminosa só foi tipificado em 2013, pela Lei 12.850, e os fatos indicados na denúncia vão até 2011. De acordo com o ministro, não é possível abrir a ação penal pelo crime de quadrilha ou associação criminosa, previsto pelo artigo 288 do Código Penal. A razão disso é que a jurisprudência do STF e do Superior Tribunal de Justiça proíbe a modificação do crime contido na denúncia por parte do Poder Judiciário, ressalvados os excepcionais casos em que essa alteração seja mais favorável ao réu.

Voto vencido
O relator, Edson Fachin, reafirmou seu voto para negar os embargos de declaração. Contudo, ele e a ministra Cármen Lucia ficaram vencidos.

Fachin declarou que nem todas as investigações do caso foram arquivadas – tanto que alguns acusados foram condenados na Ação Penal 996. O magistrado disse que a denúncia não está fundamentada apenas em relatos de colaboradores e que a alteração promovida pela Lei “anticrime” não se aplica ao caso, pois quando a denúncia foi recebida a norma não estava em vigor.

O ministro também sustentou que a caracterização de organização criminosa não exige a prática de outros delitos. E argumentou que, para os fatos ocorridos antes de 2013, poderia ser aplicado o crime de quadrilha ou associação criminosa, previsto pelo artigo 288 do Código Penal.

Edson Fachin ainda destacou que não houve cerceamento de defesa, pois o contraditório pleno é adiado para a fase de instrução criminal, quando a ação penal tiver sido aberta.

Outra denúncia contra Lira
Em outro caso, o ministro Luiz Edson Fachin negou pedido da Procuradoria-Geral da República de rejeição da denúncia contra Arthur Lira por corrupção passiva, corrupção ativa, evasão de divisas e lavagem de capitais. A decisão caberá ao Plenário.

Para Fachin, o fato de o Ministério Público Federal oferecer denúncia contra um deputado federal e, posteriormente, concordar com a tese defensiva de que a mesma deve ser rejeitada não tem relevância tamanha para afastar do Plenário do Supremo a decisão de seu recebimento ou não.

Segundo a denúncia inicialmente ofertada, Lira teria recebido indiretamente cerca de R$ 1,5 milhão em valores desviados de obras da Petrobras pela Queiroz Galvão. O esquema foi viabilizado pela atuação de Francisco Ranulfo, diretor operacional da construtora, e o empresário Leonardo Meirelles.

Fonte: site ConJur.