Ex-governador do Rio de Janeiro, atualmente cumpre pena de prisão, pela prática de crimes envolvendo desvio de recursos. Foto: Agência Brasil.

Se a delação do ex-ministro Antonio Palocci já serviu para desmoralizar mais ainda o instituto da chamada delação premiada, a última delação feita pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, já condenado a quase 300 anos de prisão, pelos crimes cometidos contra o Governo e o povo daquele Estado, consolidou a desmoralização, posto servir para criminosos, que em vez de prestarem contas à Justiça dos seus crimes, acusarem pessoas sem qualquer elemento provante.

Jornalistas e juristas já trataram dessa questão. Nesta sexta-feira (07), a delação de Sérgio Cabral, recebeu críticas, como por exemplo a do jornalista Reinaldo Azevedo, a seguir transcrita:

“O ministro Edson Fachin, do Supremo, acaba de botar a sua assinatura naquilo que é uma das aberrações da era do lava-jatismo: a delação premiada de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio. Depois de 13 condenações, que somam quase 300 anos de cadeia — 282 para ser preciso — e da devolução de espantosos US$ 100 milhões, que estavam sob a guarda de doleiros, Cabral resolveu colaborar…

Desde logo, fica a pergunta: colaborar com quem? A resposta é uma só: consigo mesmo e com sua mulher, Adriana Ancelmo, sua companheira no mundo do crime, que certamente vai aproveitar também para limpar a própria barra. É um escracho. É um acinte. É um disparate. Agora que Cabral sabe tudo o que sabem sobre ele — e sobretudo aquilo que não sabem; já demonstrou ser um mestre da dissimulação e da ocultação de patrimônio —, então ele faz delação premiada.

Que fique claro: a Procuradoria-Geral da República, desta vez, opôs-se à colaboração e recomendou a sua rejeição com base no parecer do Ministério Público Federal do Rio — ou mais propriamente da força-tarefa do Estado. Mas não adiantou. A Polícia Federal levou adiante o acordo de colaboração, num braço de ferro com o MPF, e Fachin resolveu homologar o acordo. A tal colaboração, por enquanto, é composta de 20 anexos. Mas a obra ainda está em curso e, consta, pode alcançar 100 itens.

Especula-se que, entre seus alvos, estariam pessoas ligadas ao Poder Judiciário. E também haveria, claro!, ou a delação não mereceria tamanha deferência, acusações envolvendo Lula e familiares. Delação sem Lula, como naquela música, é fogueira sem brasa, futebol sem bola, Piu-Piu sem Frajola. Dá até para prever algum vazamento envolvendo o sítio de Atibaia, quem sabe antes ainda de o Supremo avaliar a anulação da condenação em primeira instância, ou de se julgar a suspeição de Sergio Moro no caso do tríplex de Guarujá. A Polícia Federal é uma repartição do Ministério da Justiça, cujo titular é… Moro!

A Lei 12.850, que trata das delações premiadas, foi aprovada naquele fatídico ano de 2013. Foi apoiada pelo PT e homologada por Dilma quando a então presidente estava acuada pelas ruas, em protestos ensandecidos e doidivanas que começaram com a marca da extrema-esquerda e despertaram a besta de extrema-direita. Isso nem novo é na história… Mas, diziam os vermelhos de tanta burrice, “não é pelos 20 centavos…” Deu no que deu.

É um despropósito que aquele que era, e isto é inconteste, o chefe da organização criminosa no Rio venha agora a se beneficiar da delação premiada, depois de Ministério Público e da Polícia Federal terem realizado as investigações ao arrepio de sua colaboração. Ora, agora que ele sabe que ao menos 30 anos de cana o contemplam, então vem a colaboração?

Reproduzo palavras de uma decisão do juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, sobre a impossibilidade de o chefe de uma organização fazer delação premiada:
“O instituto não se presta a estabelecer uma espécie de alforria para todos, do mais baixo ao mais alto escalão do crime. Todos livres! Isso seria o mesmo que conferir aos membros de uma organização um bill de impunidade, verdadeira imunidade absoluta, coisa jamais vista no direito internacional. Teríamos, no Brasil, uma casta intocável, intangível, colocada acima do bem e do mal para fazer o que bem entender, pois, se e quando, alcançada, um dia talvez, pela lei penal, bastaria ensaiar ares vestais de arrependimento, entregar ‘mulas’, o mordomo ou quiçá o gerente, para livremente sair o ‘tubarão’, o chefe do tráfico, em seguro revoejo”.

É o que vai acontecer no caso de Cabral. Depois de todo mal que ele causou à população e às finanças do Rio, vê-se agora na posição privilegiada de quem pode selecionar os alvos. Vamos ver a serviço de quem, uma vez que está absolutamente livre para atingir, à sua vontade, figuras públicas do seu Estado e do país. “Ah, mas delações precisam de provas…” É verdade! Vazamentos, no entanto, não precisam. Quanto tempo vai demorar para que apareça “a lista de Cabral”, organizada segundo os seus próprios interesses e de quem defende a delação de um chefe de organização criminosa?

Nunca o Brasil esteve tão à mercê de bandidos como sob a vigência da Lei 12.850. A barafunda política, moral, ideológica e também econômica em que estamos metidos o prova de maneira acachapante.”