A deputada Alice Portugal (PCdoB/BA) se preocupa com o programa do Governo. Foto: Câmara dos Deputados

Participantes de audiência pública na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados criticaram, nesta quinta-feira (15), a proposta do Ministério da Educação (MEC) de possibilitar a realização de parcerias entre a União, as universidades e as organizações sociais para gestão de universidades, e estimular as instituições a captarem recursos próprios para sua manutenção.

Trata-se do Programa Future-se, apresentado em julho pelo MEC e disponibilizado para consulta pública até 29 de agosto. Mais de 50 mil pessoas se cadastraram na consulta, e um projeto de lei sobre o assunto deverá ser enviado em breve ao Congresso Nacional.

Na audiência, deputados, representantes de universidades, professores e estudantes disseram que o projeto poderá levar a uma privatização das universidades públicas, com degradação do trabalho de professores, principalmente da área de humanas, e prejuízo para as regiões mais pobres do Brasil.

Modelo facultativo

O secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, no entanto, explicou que a ideia é implantar nas universidades um modelo de desenvolvimento baseado em empreendedorismo, pesquisa e internacionalização. “Não se trata de privatização. As instituições continuam gratuitas, o modelo é facultativo”, garantiu.

O Future-se, segundo Lima Junior, dará mais segurança jurídica para que as universidades possam captar recursos e trabalhar com organizações de apoio. O foco, acrescentou, serão os resultados, visando ao mercado e à posterior empregabilidade dos alunos. “O objetivo é que a gente forme não apenas bons empregados, mas bons empreendedores. Em vez de o aluno ir para o Vale do Silício, fazer com que tenhamos vales do silício tropicais”, disse em referência ao grande centro de tecnologia na Califórnia (EUA).

Outro ponto do programa prevê a premiação das instituições melhor administradas. “A gente quer fazer um programa que gere retorno para a sociedade. Quem estiver se esforçando mais ganha bonificação. Sai a meritocracia dos mais ricos. A gente quer um modelo que premie o esforço”, defendeu.

Autonomia

Uma das parlamentares que sugeriram o debate, a deputada Alice Portugal (PCdoB/BA)  acredita que é importante absorver exemplos positivos, mas defendeu o diálogo sobre o tipo de universidade mais adequado ao Brasil. “Para mim acende-se um sinal de alerta sobre autonomia, democracia e o serviço das universidades para a soberania”, ponderou.

Já o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), João Carlos Salles, alertou para comparação que tem sido feita com universidades de renome mundial, como Harvard. “Os fundos com que eles contam foram gerados em décadas ou séculos.”

Salles também acredita que as soluções que vierem com o Future-se devem valer para todas as universidades, não apenas para as que aderirem ao programa. “As universidades são diferentes, no sentido que têm tempo distintos, começaram em tempos distintos, mas devem poder se desenvolver com plenitude”, defendeu.

Outra deputada que sugeriu o debate, Margarida Salomão (PT/MG) disse que recursos adicionais e parcerias com a iniciativa privada são importantes, mas defendeu o papel social da universidade. “Eu quero ver no semiárido, no interior da Amazônia. Por que nenhuma universidade vai para lá? Porque isso é papel do poder público”, acredita.

Professores

O receio da 1ª vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Qelli Dias Rocha, é que o Future-se divida os professores entre aqueles voltados para o mercado e aqueles “de humanas”. “Na medida que se coloca essa perspectiva de captação de recurso, possibilita-se a contratação de professores horistas que terão condições mínimas”, refletiu.

Arnaldo de Lima Junior, porém, afirmou que há chances de a carreira de professor se tornar uma das melhores no Brasil. Segundo ele, não há segregação.

Alternativa

Também contrário ao Future-se, o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, disse que a entidade vai apresentar uma proposta alternativa à do MEC, que aborde a democratização dos espaços de ensino e a discussão do modelo curricular “ultrapassado”.

O presidente da UNE reclamou ainda de a comunidade acadêmica não ter sido consultada durante a elaboração do programa. “Não adianta colocar em consulta pública, se na construção do projeto não dialogaram sequer com os reitores, que são os gestores. Quem são os especialistas que foram consultados? Não se se sabe”.

Lima Junior rebateu dizendo que a consulta pública está aberta e não se trata de referendo, mas de discussão.

Resultado

Na contramão dos debatedores, os deputados Tiago Mitraud (Novo/MG) e Paula Belmonte (Cidadania/DF) defenderam o Future-se como solução para a crise nas universidades brasileiras. Mitraud, por exemplo, considerou grave o fato de muitas instituições terem até 85% de seus gastos com folha de pagamento. “A gente precisa de resultado nas universidades. “Não tem que ficar de pires na mão pedindo mais dinheiro para um sistema que não tem mais dinheiro para colocar”, defendeu.

Já Paula Belmonte (Cidadania/MG) teceu elogios ao modelo do programa. Foto: Agência Câmara

Paula Belmonte, por sua vez, não vê problema em premiar por merecimento nem em formar profissionais para o mercado. “Como é que a universidade não pode estar preocupada com o mercado? Precisamos, sim, preparar os nossos jovens para que eles sejam excelentes profissionais.”

Aprofundamento

João Carlos Salles recomendou um olhar atento da Comissão de Educação ao projeto do Future-se, em um momento que as universidades passam por enormes dificuldades financeiras e enfrentam contingenciamento orçamentário. “Já foram liberados 58% do orçamento, temos 12% contingenciado e 30% bloqueados”, lembrou.

Com informações da Agência Câmara