O relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), chegou a fazer a leitura do parecer favorável à matéria na reunião desta quarta-feira (20), mas a votação do texto ficou para a próxima reunião deliberativa do colegiado, na próxima quarta-feira (27) / Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Após pedido de vista da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) adiou a análise do projeto que estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas (PL 2.903/2023). O relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), chegou a fazer a leitura do parecer favorável à matéria na reunião desta quarta-feira (20), mas a votação do texto ficou para a próxima reunião deliberativa do colegiado, na próxima quarta-feira (27).

Marcos Rogério confirmou o relatório aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma (CRA) que fixa a data da promulgação da Constituição federal, de 5 de outubro de 1988, como parâmetro de marco temporal para verificação da existência da ocupação da terra pela comunidade indígena que solicita reconhecimento.

Segundo a proposta, para uma área ser considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que, na data de promulgação da Constituição Federal, ela vinha sendo habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e utilizada para atividades produtivas. Também será preciso demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.

O texto também proíbe a ampliação das terras indígenas já demarcadas, declara nulas as demarcações que não atenderem aos preceitos previstos no projeto e concede indenização, aos ocupantes não indígenas que terão que abandonar o território, pelas benfeitorias erguidas na área até a conclusão do procedimento demarcatório.

O relator argumentou que o estabelecimento do marco temporal é constitucional, uma vez que segue o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Petição 3.388-RR e seus embargos de declaração, entendimento empregado para a homologação da demarcação do território Raposa Serra do Sol (RR), em 2005.

Para o senador, o projeto equilibra a necessidade de proteção das terras indígenas com justiça para aqueles que eventualmente as ocuparam de boa-fé.

— Com sua aprovação, finalmente o Congresso Nacional trará segurança e paz às populações indígenas e não indígenas, especialmente do campo. Não se pode aceitar que, 35 anos após a entrada em vigor da Constituição, ainda haja celeuma sobre a qualificação de determinada terra como indígena, gerando riscos à subsistência e à incolumidade física de famílias inteiras — disse o senador.

Divergências 

No entanto, o tema está longe de um consenso no âmbito do colegiado. Senadores da base governista criticaram o projeto, alegando que o seu conteúdo vai ao encontro do plano de governo e aos discursos proferidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia Geral da ONU, nesta terça (19), em defesa do desenvolvimento sustentável e da proteção aos povos indígenas.

No entendimento da senadora Eliziane Gama, o Congresso Nacional estaria abrindo precedente aprovando um projeto de lei com vício de inconstitucionalidade, já que a questão está sendo discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com manifestações indicando que a Corte vai considerar o marco temporal inconstitucional.

— Uma lei que poderá ser aprovada por esta Casa e que, não há dúvida nenhuma, não vai vigorar. Porque a Ação Direta de Inconstitucionalidade [ADI] será impetrada, sem nenhuma dúvida, pelos órgãos que trabalham com a questão ambiental brasileira.

O julgamento do recurso sobre o caso retorna à pauta da sessão do plenário do STF desta quarta-feira (20). Até o momento, há quatro votos contrários à  tese do marco temporal. O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da TI é questionada pela Procuradoria do estado.

Audiência pública 

Eliziane ainda chegou a apresentar requerimento para realização de audiência pública na terça-feira (26), antes da votação da matéria pela CCJ, mas teve o pedido rejeitado por 15 senadores.

Os parlamentares que defenderam a votação do projeto viram a tentativa de se realizar uma audiência pública como uma estratégia protelatória. Eles disseram entender que a matéria não conta com consenso e é alvo de muita divergência política e ideológica; no entanto, consideram ser preciso deliberar de uma vez sobre o tema, sob pena de perder a prerrogativa de legislar.

— Esse é um tipo de assunto que os parlamentares já têm uma posição consolidada. Há um contexto para a gente aprovar rapidamente esse projeto de lei que é complementar; independente da decisão do Supremo, será essa lei, ao ser sancionada, que vai estabelecer os critérios a partir de agora para possíveis interpretações para novas terras indígenas. E muitas pessoas têm pavor desse projeto porque estamos dando uma coisa que para os indígenas é sagrado, e algumas pessoas se acham acima dos direitos dos indígenas ou [acham] que podem tomar decisões melhores do que eles. Isso dá autonomia aos povos indígenas — afirmou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Os senadores Mecias de Jesus (Republicanos-RR), Plínio Valério (PSDB-AM), Jorge Seif (PL-SC) e Sérgio Moro (União-PR) ressaltaram que a matéria passou por discussão em audiência pública, quando tramitou na CRA.

— A comissão à qual caberia fazer audiência pública já fez, que foi a CRA. Em que pese ser uma comissão independente, logicamente ela analisa mérito, constitucionalidade. Nós não podemos transformar a Comissão de Constituição e Justiça num debate desnecessário quando esse debate já foi feito na comissão afim — argumentou Mecias de Jesus.

Mas os senadores Humberto Costa (PT-PE), Zenaide Maia (PSD-RN), Omar Aziz (PSD-AM) e Weverton (PDT-MA) tiveram outro entendimento. Para eles, independentemente de o debate já ter ocorrido na CRA, a CCJ poderia, sim, ampliar as discussões no sentido de esclarecer dúvidas sobre a constitucionalidade de alguns dispositivos do projeto sem prejudicar a análise, já prevista para a próxima quarta-feira.

Entre esses dispositivos, Omar Aziz citou o que afirma que o usufruto do território demarcado pelos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional e o que faculta o exercício de atividades econômicas exercidas por não indígenas nos territórios, desde que admitidas pela própria comunidade indígena.

— O parecer do senador Marco Rogério vai além do marco temporal. Esta comissão é para discutir a constitucionalidade ou não constitucionalidade do projeto em tudo. Por isso é importante a audiência pública: para discutir não só o mérito, mas a constitucionalidade em algumas questões que estão aqui dentro e que vão além do marco temporal. O artigo 20 e o artigo 26 [do projeto] vão muito além do marco temporal. Nós temos que trazer juristas para essa audiência pública. Para que a gente discuta a constitucionalidade, que é o papel da Comissão de Constituição e Justiça.

Caso o projeto seja aprovado na CCJ, o próprio relator da matéria, Marcos Rogério, garantiu que vai pedir ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que promova uma sessão de debates temáticos em Plenário.

Fonte: Agência Senado