Em 2022, a União recebeu mais de 429 mil ações judiciais, segundo dados do relatório de gestão. Foto: Reprodução

Tanto quanto a Presidência da República, a Advocacia-Geral da União passou pela mais radical das transformações com a mudança de governo em 1º de janeiro de 2023. Embora faça parte do senso comum universal de que a AGU é um órgão de Estado e não de governo, não pode haver nada mais divergente do que um Estado comandado por Bolsonaro e um Estado comandado por Lula.

As diferenças começam pelos nomes dos chefes. Até 31 de dezembro, a AGU foi comandada por Bruno Bianco Leal, procurador federal que teve sua atuação focada no INSS e fez carreira na administração pública na gestão de Bolsonaro. A partir de 1º de janeiro, o cargo foi ocupado por Jorge Messias, procurador da Fazenda Nacional que também teve atuação na administração pública como subchefe para assuntos jurídicos da Presidência da República na gestão Dilma Rousseff. Atuou também nos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, assim como no BNDES e no Banco Central.

Diferença mais notória se deu no dia 8 de janeiro, quando a Advocacia-Geral da União no modo Jorge Messias foi chamada a atuar intensamente diante da invasão às sedes dos Três Poderes, por seguidores do ex-presidente. Partiram do órgão os pedidos de prisão em flagrante de envolvidos com a depredação, incluindo o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, e outros agentes públicos suspeitos de omissão no fatídico dia.

Além dos pedidos feitos no próprio dia da invasão, a AGU apresentou cinco ações na Justiça Federal. Quatro delas foram movidas contra pessoas e empresas que financiaram o fretamento de ônibus para os atos ou foram presas em flagrante participando da depredação – o pedido de ressarcimento aos cofres públicos chega a R$ 20,7 milhões. Outra ação cobra indenização de R$ 100 milhões dos envolvidos ”pelo dano moral que o episódio causou ao afrontar valores caros ao Estado Democrático de Direito”.

Em seu discurso de posse, em 2 de janeiro, Jorge Messias foi categórico: ”Os ataques a autoridades que presenciamos nos últimos anos não serão mais tolerados”. Está no horizonte da AGU a criação da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, cuja função será representar a União em demandas para o enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas, incluindo a defesa em matéria eleitoral.

A proposta, porém, enfrenta resistência de setores que veem riscos de cerceamento da liberdade de expressão e apelidaram a estrutura de ”Ministério da Verdade’‘. Atento às críticas, o advogado-geral criou um grupo de trabalho para cuidar da regulamentação da procuradoria.

Discussões sobre a defesa da democracia passarão pelo tema da desinformação. Messias defende que já existem balizas jurídicas para enfrentar a propagação de notícias falsas, como a resolução do TSE 23.714/22 e o Artigo 323, do Código Eleitoral (Lei 4737/65). A tipificação de condutas criminosas relacionadas às fake news, no entanto, entende que deve ser debatida no Congresso Nacional.

O posicionamento do advogado-geral é de que as ações contra a desinformação exigem a participação das plataformas digitais e o diálogo com elas. Em audiência pública sobre o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) no STF, defendeu a necessidade de impor maior responsabilização e pró-atividade das plataformas digitais para inibir ilícitos, uma vez que essas empresas auferem lucros expressivos a partir de modelo de negócios baseado na coleta de dados pessoais e comportamentais, na monetização e no impulsionamento de conteúdo.

Em movimento de rever posicionamentos jurídicos, revogou a Portaria Normativa 73/2022, editada no governo anterior, que dispunha sobre os procedimentos de uso de precatórios em pagamentos para órgãos e entidades públicas federais. Na visão da União, é preciso compatibilizar normas internas com as estabelecidas na relação com o Poder Judiciário.

Jorge Messias foi nomeado dia 1º de Janeiro por escolha do presidente Lula. Foto: Reprodução

A nova gestão da Advocacia-Geral da União instalou uma assessoria especial de diversidade e inclusão. Criou, ainda, uma Procuradoria do Clima e do Meio Ambiente para ”ajudar o país a retomar sua agenda ambiental, duramente negligenciada em tempos recentes”.

Uma das medidas já adotadas foi a revisão do entendimento sobre a prescrição de multas ambientais, que levava à prescrição de cerca de 184 mil multas, com impacto estimado em R$ 29 bilhões.

Junto ao Ministério do Meio Ambiente, a AGU também pediu a perda total ou parcial do objeto das ações da chamada ”pauta verde”, conjunto de processos levados ao Supremo para questionar as políticas ambientais do governo Bolsonaro. Para as duas instituições, o país saiu do ”Estado de Coisas Inconstitucional” no meio ambiente, já que o novo governo promoveu mudanças que atendem ao que foi pedido pelos autores das ações, como a retomada do combate ao desmatamento, o retorno do Fundo Amazônia e a volta da participação da sociedade civil na formulação e na execução das políticas ambientais.

Em 2022, a União recebeu mais de 429 mil ações judiciais, segundo dados do relatório de gestão. Mais de 2,1 milhões de atividades judiciais foram necessárias para atender a demanda até novembro – número que não foge à regra se comparado com anos anteriores (2,5 milhões em 2021 e 2,1 milhões em 2020).

As decisões sobre auxílio emergencial tiveram significativa redução no volume de tarefas judiciais, passando de 20% do total em 2021 para 6,7% em 2022. O relatório mostrou que a discussão sobre o benefício ainda movimenta a Justiça, com mais de 29 mil ações. O número está em queda em relação a 2021 (105 mil) e 2020 (161 mil), fase mais severa da epidemia.

Na área econômica, a Advocacia-Geral da União vai trabalhar no acompanhamento e no monitoramento de riscos fiscais judiciais. Já para lidar com o aumento da demanda de atuação em massa, o advogado-geral quer investir em tecnologia e inteligência artificial. Além disso, aponta a desterritorialização e a especialização como ”caminhos essenciais, assim como o fortalecimento da negociação e das políticas de redução de litígios”.

”É fundamental estabelecer uma atuação estratégica nos processos mais relevantes para a União e suas entidades, aqueles de elevado impacto econômico, político ou social”, afirma, pontuando a necessidade de capacitação específica para as equipes que trabalham com demandas de alta complexidade.

Fonte: ConJur