No ano passado, Rosa Weber foi relatora de 65 ações. Foto: Reprodução/ ConJur

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de 67% das leis, normas administrativas e decisões judiciais analisadas no mérito em 2022, no todo ou em parte.  Desde que o Anuário da Justiça iniciou o levantamento, em 2007, o maior índice foi registrado em 2011: 83% das ações foram julgadas procedentes. Naquele ano, o número de ações de controle concentrado de constitucionalidade era quase seis vezes menor: 65 casos foram decididos no mérito; em 2022, foram 382. Só a ministra Rosa Weber, presidente do STF, foi relatora de 65 dessas ações em 2022 – 77% delas procedentes.

Para o ministro Dias Toffoli, é simples a explicação para o alto índice de inconstitucionalidade das leis. A qualidade das normas não está entre os motivos, afirma. Em primeiro lugar, o fato de a Constituição ser detalhista, tratar dos mais diversos temas, ”e não é à toa que ela faz isso”. Em segundo, o populismo das assembleias legislativas. E dá como exemplo isenções garantidas por leis estaduais, competência que, no geral, seria da União.

Também chama a atenção no ranking de inconstitucionalidade de 2022 o número de ações contra decisões judiciais e normas administrativas editadas por diferentes órgãos do Poder Judiciário. Se fosse um ente da Federação, estaria em segundo lugar (ao lado do Rio de Janeiro) entre aqueles que mais responderam a ações. Ao todo foram 19 ADIs (ação direta de inconstitucionalidade) e ADPFs (arguição de descumprimento de preceito fundamental); 13 delas procedentes.

Em maio, o Plenário do STF declarou a inconstitucionalidade da Súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho, segundo a qual são válidos os direitos estabelecidos em cláusulas coletivas com prazo já expirado (princípio da ultratividade) até que seja firmado novo acordo ou nova convenção coletiva.

Na decisão, o STF também considerou inconstitucionais interpretações e decisões judiciais que entendam que o artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, autoriza a aplicação do princípio da ultratividade de normas de acordos e convenções coletivas.

Em outra ADPF, contra 11 varas cíveis e trabalhistas de diferentes estados, o Supremo entendeu serem inconstitucionais sentenças judiciais que determinam a penhora ou o bloqueio de receitas públicas destinadas à execução de contratos de gestão para o pagamento de despesas estranhas aos seus objetos.

Ceará é o sétimo estado brasileiro com mais ações julgadas como inconstitucionais em 2022. Foto: Reprodução/ ConJur

O argumento foi de violação aos princípios da separação de poderes, da legalidade orçamentária, da eficiência administrativa e da continuidade dos serviços públicos. As decisões contestadas determinaram bloqueio de recursos do estado do Pará para pagamento de dívidas da organização Pró-Saúde, responsável pela gestão de cinco hospitais paraenses.

Juntamente com Pernambuco e Santa Catarina, o Ceará é o sétimo estado brasileiro com mais ações julgadas como inconstitucionais em 2022, no total 12. A taxa de inconstitucionalidade do estado é de 75%.

Foi reconhecida pela corte a possibilidade de o corregedor nacional de Justiça requisitar, sem prévia autorização judicial, dados bancários e fiscais para apurar infração em processo administrativo devidamente instaurado. E, ainda, a Resolução 184/2013 do CNJ, que determina, aos Tribunais de Justiça, o encaminhamento de cópia de anteprojetos de lei de criação de cargos, funções comissionadas e unidades judiciárias.

Entendimento de repercussão no próprio Supremo se deu em questão de ordem nas ADIs 5.399 e 6.191. A Corte concluiu serem válidos os votos dos ministros aposentados ou que deixaram o STF nos casos iniciados no plenário virtual e concluídos presencialmente.

A decisão altera a Resolução 642/2019, que disciplina os julgamentos de processos em lista nas sessões virtuais e presenciais. De acordo com a norma, o pedido de destaque interrompe o julgamento no ambiente virtual e o leva para a sessão presencial, onde seria retomado do início. O ministro André Mendonça, o mais novo no tribunal, se opôs à maioria no julgamento.

Apesar da grande quantidade de processos contra decisões e normas do Poder Judiciário, de longe a líder no ranking continua a ser a União. Das 87 ações julgadas contra a Presidência da República, o Senado, a Câmara dos Deputados e agências reguladoras, 46 reconheceram a inconstitucionalidade de leis federais e atos administrativos.

Diferentes decisões da corte corrigiram os rumos da atuação do Estado brasileiro em relação ao meio ambiente. A concessão automática de licença ambiental para empresas que exercem atividades de risco médio, autorizada por medida provisória, foi descartada pelo Plenário da corte.

O ministro Luís Roberto Barroso relatou a ação na qual definiu-se que o Poder Executivo não pode contingenciar os recursos do Fundo Clima e tem o dever usar esses valores para mitigar as mudanças climáticas. Já a ministra Cármen Lúcia puxou os votos dos colegas ao entender que decreto presidencial não pode extinguir a participação da sociedade civil no Conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente e nem de governadores no Conselho Nacional da Amazônia Legal.

O porte de armas de fogo, tema caro ao ex-presidente Jair Bolsonaro em todo o seu mandato, foi discutido em seis ADIs. A flexibilização dos critérios para compra, feita por decreto presidencial, foi derrubada. A Corte entendeu ainda que o porte para procuradores estaduais, concedida por lei de Alagoas, é incompatível com a Constituição Federal. E que norma estadual viola a competência da União ao reconhecer a necessidade de porte de armas para atiradores desportivos e vigilantes de empresa de segurança privada.

Já no dia 1º de janeiro de 2023, dia de sua posse, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou o Decreto 11.366, que suspendeu os registros para aquisição e transferência de armas e munições de uso restrito por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares. Desde então, o decreto tem sido questionado no Judiciário, especialmente por meio de mandados de segurança. Em fevereiro, o ministro Gilmar Mendes suspendeu o andamento desses casos até que o Plenário da corte se manifeste.

Ainda em 2022, o compartilhamento de dados pessoais entre órgãos e entidades da administração pública federal foi legitimado pelo STF, desde que respeitada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Já os atos do Ministério da Justiça que permitiram a produção de dossiês contra servidores públicos e professores universitários identificados como integrantes de ”movimento antifascismo” foram invalidados.

Segundo a decisão, os órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência devem operar com vinculação ao interesse público, observância aos valores democráticos e respeito aos direitos e às garantias fundamentais. O ministro André Mendonça, ministro da Justiça à época, declarou-se suspeito no julgamento.

A COVID-19 continuou na pauta do tribunal em 2022. Em novembro, a corte decidiu ser necessário um regime de transição para a retomada das reintegrações de posse, suspensas por causa da epidemia. A determinação foi de que os tribunais instalassem comissões para mediar despejos antes de qualquer decisão judicial, com o objetivo de reduzir os impactos habitacionais e humanitários em casos de desocupação coletiva.

O Supremo julgou constitucional a lei federal que transferiu recursos da União aos estados e ao Distrito Federal para garantir acesso à internet a alunos e professores da educação básica em virtude da calamidade pública. A compensação financeira paga pela União por incapacidade permanente para o trabalho ou morte de profissionais da saúde decorrente do atendimento a pacientes com COVID-19 também foi validada.

Pelo quarto ano consecutivo o Rio de Janeiro ficou em segundo lugar no ranking de inconstitucionalidade. O estado teve 19 leis questionadas e 14 delas retiradas do ordenamento jurídico, no todo ou em parte. Algumas delas eram diretamente relacionadas à vida dos consumidores do estado, como a que autorizava planos de saúde a limitar consultas e sessões para tratamento de pessoas com deficiência.

Duas outras normas fluminenses, editadas por causa da epidemia, foram invalidadas pelos ministros: a que permitia a matrícula de alunos inadimplentes em faculdades e a que impedia a cobrança de multa por quebra de fidelidade por parte de empresas de telefonia, internet e serviços semelhantes. Nesses casos, por invadir competência da União para tratar do assunto. Já a lei do estado que obrigou prestadoras de serviços de TV por assinatura a oferecer atendimento telefônico gratuito aos seus clientes teve a sua constitucionalidade reconhecida.

Tabela com a quantidade e porcentagem de normas contestadas no ano passado. Foto: Reprodução/ ConJur

O STF entendeu, ainda, que lei estadual não pode criar sanções processuais para litigância de má-fé diferentes daquelas previstas na legislação federal. Com isso, outra norma do Rio de Janeiro foi julgada inconstitucional.

A Procuradoria-Geral da República foi a maior autora das ADIs e ADPFs julgadas no mérito, seguida por partidos políticos e associações empresariais. Somados, os estados responderam a 270 ações, enquanto a União foi polo passivo em 87 casos.

Em março de 2022, a PGR propôs 25 ADIs ao mesmo tempo contra leis estaduais que previam alíquota de ICMS sobre energia elétrica e serviços de comunicação mais elevada do que a incidente sobre as operações em geral. Ao longo do ano, 24 ações foram julgadas e tiveram o mesmo desfecho: a procedência.

No julgamento do Tema 745, em 2021, o STF fixou a seguinte tese de repercussão geral: ”Adotada pelo legislador estadual a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços”. A partir daí, a PGR propôs as ações e os ministros aplicaram a tese fixada.

Já as 22 ações propostas pela Procuradoria-Geral da República contra o poder de requisição da Defensoria Pública foram julgadas improcedentes. De acordo com o entendimento da corte, a Defensoria detém a prerrogativa de requisitar, de quaisquer autoridades públicas e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias à sua atuação.

O procurador-geral da República também pediu ao Supremo a declaração de inconstitucionalidade de 24 leis estaduais que disciplinavam a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e de Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) nas doações e heranças instituídas no exterior. A corte atendeu ao pedido e reiterou entendimento de que os estados e o Distrito Federal não podem instituir a cobrança do tributo, em razão da ausência da lei complementar nacional que regulamente a matéria. Apenas a ação referente à lei do estado de Mato Grosso não foi julgada.

Outro pacote apresentado pela PGR questionou 17 leis estaduais que concediam foro por prerrogativa de função a autoridades não previstas na Constituição Federal, como defensores públicos, delegados, procuradores, presidentes de entidades estaduais e reitores de universidade. Cinco delas foram julgadas em 2022, com resultado favorável ao pedido do Ministério Público. De acordo com o entendimento do STF, as normas violaram o princípio da simetria.

Fonte: ConJur