Para o ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral, o alargamento que a corte tem dado à investigação que apura se Jair Bolsonaro praticou abuso de poder político em reunião feita com embaixadores estrangeiros, no ano passado, não está desequilibrando a disputa em desfavor do ex-presidente.

Em decisão da noite de domingo (19/3), o corregedor-geral eleitoral e relator de todas as ações de investigação judicial eleitoral relativas à disputa presidencial de 2022 negou que sua conduta nas ações tenha causado qualquer parcialidade.

Bolsonaro contestou sistema eleitoral brasileiro em reunião com embaixadores. Foto: Reprodução

O questionamento é decorrência da metodologia usada pelo relator da matéria na ação. Em fevereiro, ele admitiu a inclusão de novos documentos como provas nos autos e determinou diligências complementares — nesse caso, sem que a solicitação tenha sido feita pelo PDT, autor da ação.

Na reunião com embaixadores em que Bolsonaro desacreditou o sistema eleitoral brasileiro, ele anunciou que ficaria a cargo do então ministro das Relações Exteriores, Carlos França, repassar aos diplomatas a apresentação feita por ele no encontro e a íntegra do inquérito da Polícia Federal em que, segundo o próprio Bolsonaro, um hacker disse que houve fraude nas eleições de 2018.

Ouvido pelo TSE, França negou ter enviado qualquer material ou conversado a respeito com algum chanceler estrangeiro. Para esclarecer o episódio, o ministro Benedito requisitou informações consolidadas sobre a participação de órgãos do governo federal na preparação, realização e difusão do encontro.

Para a defesa de Bolsonaro, feita pelo advogado Tarcísio Vieira de Carvalho, o pedido do relator é uma indevida correção na atuação deficiente do PDT, que não solicitou tal medida. Além disso, entregaria ao governo Lula, adversário político de Bolsonaro, o poder de fazer atuação probatória elástica e prospectiva sobre o caso.

Ainda segundo a defesa, a requisição feita pelo relator gerou uma devassa em arquivos federais, com a oportunidade de “edição conveniente de elementos probatórios” e “descarte seletivo de provas desfavoráveis à sanha persecutória”.

Na opinião dos advogados de Bolsonaro no caso, o PDT agora tem a oportunidade de juntar quaisquer documentos que repute como pertinentes, privilégio que alcança provas ainda nem produzidas, sobre fatos desdobráveis ad eternum (eternamente) e que não puderam ser contestados pela defesa quando do oferecimento da Aije.

Ministro Benedito Gonçalves classificou contestações da defesa como ilações. Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Ilações repelidas

O ministro Benedito Gonçalves recebeu a petição como pedido de reconsideração e negou qualquer imparcialidade na condução da Aije. Ele destacou que o pedido de providências de ofício pelo relator é autorizado por lei — pelos incisos VI a IX do artigo 22 da Lei Complementar 64/1990.

O magistrado disse também que é dever do corregedor, à luz das provas produzidas até a audiência de instrução, avaliar se há diligências necessárias para o deslinde da controvérsia. E que tais elementos são sempre submetidos ao contraditório, com manifestações das partes e possibilidade, inclusive, de requererem novas provas.

Ele também negou que a requisição tenha aberto as portas para o governo Lula atuar em prejuízo de Bolsonaro no TSE. Isso porque a requisição é o meio usual pelo qual os órgãos públicos compartilham entre si documentos que estão em seu poder. É algo que deve ser feito por meio de informações completas, autênticas e fidedignas.

Uma das possibilidades é que tais documentos não existam. O que existir será submetido ao contraditório, em que as partes poderão apontar o valor que deve ser dado às informações. A disputa narrativa, garantiu o ministro Benedito, será assegurada, e os vieses apresentados poderão ser contestados.

“Simplesmente, descabe interpretar uma ordem judicial corriqueira, de compilação documental, como aval para o cometimento de ilegalidades com a gravidade descrita”, afirmou o relator.

“Certo é que todas essas elucubrações a respeito de supostos comportamentos ilegais são inservíveis para a finalidade de obstar a produção da prova. Em momento adequado, os réus terão oportunidade de se manifestar a respeito do resultado da diligência e, se assim entenderem, a vista do que concretamente for remetido a este juízo, e não a partir de ilações, poderão apontar deficiência, incompletude ou mesmo irregularidades graves no cumprimento da medida”, complementou o ministro.

No julgamento do TSE sobre inclusão da “minuta do golpe”, advogados das partes não puderam se manifestar oralmente. Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Ameaça e sustentação oral

O clima de rivalidade processual entre Bolsonaro e TSE foi causado também por dois outros fatores. O primeiro deles foi uma advertência do ministro Benedito Gonçalves, que ressaltou que eventuais requerimentos de prova de caráter protelatório ensejariam multa por litigância de má-fé.

Para a defesa, foi usado “tom de verdadeira ameaça às partes”, o que causou ofensa ao legítimo exercício da advocacia. Porém, segundo o ministro Benedito, na atual sistemática do CPC, a advertência prévia está longe de ser uma ameaça: é desdobramento dos princípios da cooperação e da não surpresa, e, em algumas situações, até mesmo em dever do magistrado.

“A descrição de conduta em tese passível de gerar sanção processual permite às partes orientar sua atuação com base em parâmetros prévios, evitando comportamentos discrepantes da boa-fé objetiva”, disse o ministro. Ele explicou ainda que o aviso denotou o rigor adotado na ação e serviu tanto para o investigado quanto para os autores da ação.

O segundo fator foi o fato de, no julgamento que confirmou a inclusão da “minuta do golpe” na ação, a defesa não ter se manifestado em sustentação oral, apesar dessa possibilidade ter sido expressamente prevista pelo relator. “Trata-se de ato da Presidência, que não está submetido a revisão pelo corregedor”, disse o ministro Benedito.

Outros novos documentos

A nova decisão do ministro não será colocada para referendo do Plenário do TSE. Curiosamente, ela ainda tratou de assegurar à defesa de Bolsonaro que, igualmente, exerça a possibilidade incluir nos autos documentos novos.

O ministro admitiu o uso do parecer da Procuradoria-Geral da República que levou o Supremo Tribunal Federal a trancar o inquérito aberto para apurar se o presidente Jair Bolsonaro praticou crime por ocasião de sua reunião com embaixadores estrangeiros.

Além disso, ele também autorizou a oitiva de novas testemunhas — jornalistas do programa Pingo nos is, da Jovem Pan, no qual Bolsonaro falou sobre a existência de investigações abertas pelo TSE por causa de um ataque hacker. A ideia é mostrar que as preocupações do então presidente com o sistema eleitoral não eram infundadas.

Fonte: ConJur