Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto. Foto: Reprodução/Agência Brasil

O ataque de vândalos e golpistas aos prédios-sede dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) completa nesta quarta-feira (8) um mês. Os desdobramentos do quebra-quebra de 8 de janeiro, contudo, parecem longe do fim.

Ontem (7), a Polícia Federal (PF) realizou a quinta fase da chamada Operação Lesa Pátria. Deflagrada em 20 de janeiro, a operação busca identificar pessoas que participaram, financiaram ou fomentaram a invasão e a depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Com autorização do STF, pelo menos 20 pessoas já foram detidas no âmbito da Lesa Pátria. Elas são suspeitas de participar dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tentativa de golpe de Estado; dano qualificado; associação criminosa; incitação ao crime, destruição, deterioração ou inutilização de bens protegidos. Só a Câmara dos Deputados estima que o prejuízo na Casa Legislativa, sem considerar o Senado, chega a R$ 3,3 milhões.

Acampamento

Além das detenções ocorridas no âmbito da Lesa Pátria, mais 920 pessoas que participaram do acampamento montado por cerca de dois meses em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, continuam custodiadas em duas unidades prisionais do Distrito Federal.

Segundo a Secretaria Distrital de Administração Penitenciária (Seape), 614 homens estão detidos no Centro de Detenção Provisória da Penitenciária da Papuda e 306 mulheres permanecem à disposição da Justiça na Penitenciária Feminina, a Colmeia. Mais 459 suspeitos foram liberados, mas devem utilizar tornozeleira eletrônicas e cumprir uma série de restrições judiciais.

As 1.379 detenções foram feitas na esteira do desmonte do acampamento que pessoas que não aceitam o resultado das últimas eleições montaram em frente ao QG do Exército, em Brasília, e em várias outras cidades. O acampamento foi desmontado no dia seguinte ao anúncio da vitória do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Com o objetivo de impedir a posse de Lula em 1º de janeiro, manifestantes também bloquearam rodovias em diferentes pontos do país.

No relatório sobre os 23 dias em que atuou como interventor federal na segurança pública do Distrito Federal, o secretário executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, mostrou que os aglomerados de barracas que “pequenos grupos” instalaram diante das unidades militares logo se transformaram em uma estrutura organizada, “crucial para o desenvolvimento das ações de perturbação da ordem pública”.

No documento disponível no site do ministério, Cappelli sustentou que as ações antidemocráticas que culminaram com o 8 de Janeiro começaram com atos concentrados em frente aos quartéis (único local onde os participantes do movimento afirmavam estar seguros para se manifestar), mas que logo extrapolaram o perímetro militar, tornando-se violentas e ameaçando a vida de pessoas.

Dois episódios ocorridos na capital federal, ainda em dezembro, sustentam a tese do ex-interventor. No dia 12, um grupo tentou invadir a sede da Polícia Federal, na área central de Brasília, em protesto contra a prisão, horas antes, de José Acácio Serere Xavante, um dos indígenas acampados diante do quartel do Exército. Reprimido, o grupo ocupou as vias próximas, bloqueando o trânsito, incendiando ao menos oito veículos, incluindo ônibus, e depredando três viaturas do Corpo de Bombeiros.

O quebra-quebra ocorreu no mesmo dia em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diplomou Lula e o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, cumprindo uma das exigências legais para empossar os dois em seus respectivos cargos.

Menos de duas semanas depois, um artefato explosivo foi localizado junto a um caminhão-tanque estacionado próximo ao Aeroporto Internacional de Brasília. Três suspeitos de fabricar e deixar a bomba no local foram identificados e estão presos: Alan Diego dos Santos Rodrigues; Wellington Macedo de Souza e George Washington de Oliveira Sousa. Eles são acusados de colocar em risco a vida e a integridade física e patrimonial de terceiros por meio de explosão.

Washington, que também foi denunciado por porte ilegal de arma de fogo, confessou à polícia que o crime foi planejado no acampamento e que a intenção era “causar o caos” na véspera do Natal, promovendo a instabilidade política no país. Na ocasião, o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse, entre outras coisas, que os acampamentos diante dos quarteis tinham se tornado uma “incubadora de terroristas”.

Falhas

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro Anderson Torres, que assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal no dia 2 de janeiro, garante que um plano operacional foi traçado no dia 6 e que, na ocasião, não havia indícios de que “ações radicais” estivessem programadas para o dia 8. Apesar de estar há poucos dias no cargo e de já ter feito algumas substituições na linha de comando da segurança pública, Torres decidiu manter sua programação e viajar para os Estados Unidos, de férias, com a família.

Para Torres, o que aconteceu naquele domingo resultou de “falhas graves” na execução do protocolo que estabelecia, entre outras coisas, que cabia a PM planejar e executar as ações necessárias à preservação da ordem pública, mantendo inclusive todas as tropas especializadas de prontidão.

Com o Distrito Federal sob intervenção federal, o governador Ibaneis Rocha exonerou Torres, que tinha viajado para os EUA, de férias, no dia 6. O ex-ministro e ex-secretário foi preso no dia 14 de janeiro, quando retornou ao Brasil.

O próprio governador Ibaneis Rocha acabou afastado do cargo por 90 dias, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Em sua decisão, Moraes alegou que, embora as responsabilidades efetivas ainda estejam sendo apuradas, Torres agiu com descaso e Ibaneis foi dolosamente omisso, principalmente ao defender  a “livre manifestação política em Brasília, mesmo sabedor, por todas as redes, que ataques às instituições e seus membros seriam realizados”.

Ibaneis e Torres negam as acusações. Os dois foram alvos de mandados de busca e apreensão expedidos por Moraes. Na casa de Torres, foi encontrado o rascunho de um decreto presidencial para que fosse estabelecido estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Se colocada em prática, a medida possibilitaria que o resultado das últimas eleições presidenciais fosse invalidado. Em depoimento, Torres desqualificou o documento, dizendo que seu teor não tem “viabilidade jurídica”. Ele também assegurou à PF que não sabe quem redigiu o texto, que recebeu quando era ministro da Justiça.

Reparação

Para garantir que os responsáveis tenham como ressarcir parte dos prejuízos decorrentes da destruição de instalações públicas e de parte do patrimônio histórico e artístico exposto nos prédios dos Três Poderes, a 8ª Vara da Justiça Federal em Brasília determinou o bloqueio de R$ 18,5 milhões em bens patrimoniais de pessoas e empresas investigadas por supostamente terem ajudado a financiar os ataques de 8 de janeiro.

O valor bloqueado cautelarmente atende a um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) que, ontem,  pediu à Justiça Federal que eleve o montante para R$ 20,7 milhões.  O acréscimo se deve ao fato da Câmara dos Deputados ter refeito suas contas e chegado a conclusão de que, só no seu caso, os danos foram da ordem de R$ 3,3 milhões, e não mais os R$ 1,1 milhão, calculado inicialmente.

Até a noite dessa terça-feira, a AGU aguardava a decisão judicial sobre essa que é uma das quatro ações que a União ajuizou contra pessoas suspeitas de financiar ou participar da depredação. No total, a AGU está processando 176 pessoas e ao menos sete empresas que teriam fretado parte dos ônibus que chegaram a Brasília antes do ataque de 8 de janeiro.

Fonte: Agência Brasil