Especialistas preveem que os custos globais do crime cibernético aumentem 15% ao ano nos próximos cinco anos. Foto: Reprodução

A Lei de Combate a Crimes Cibernéticos (Lei nº 12.737/2012), conhecida como Lei Carolina Dieckmann, completa 10 anos de existência neste mês de dezembro. Considerada um marco inicial para a proteção dos dados pessoais dos cidadãos contra os criminosos virtuais, a legislação é vista no meio jurídico como bem-sucedida.

Por outro lado, de acordo com especialistas a norma ainda carece de amadurecimento e complementações para que possam ser eliminadas as incertezas decorrentes de várias interpretações de seu texto.

O consenso existente sobre sua importância é grande, tendo como objetivo a necessidade de zelar pela segurança da privacidade online. Mas o debate se dá quando a análise se firma sobre o texto da lei, considerado vago e carente de aspectos técnicos.

Apesar dos dispositivos legais sobre crimes cibernéticos elencados na Lei Carolina Dieckmann, o combate à impunidade dentro do meio digital ainda é difícil hoje, devido às diferentes alternativas existentes para garantir o anonimato dos criminosos na internet.

“Entendo que são crimes difíceis de serem combatidos até porque os criminosos se utilizam de meios como a dark webdeep web e logo; o meio virtual é muito difícil de ser controlado. Com o esforço do legislador, pelo menos, já se tem agora tipos penais que podem ser utilizados para coibir os chamados crimes informáticos”, afirma Aldemar Monteiro, Defensor Público do Estado do Ceará e professor de Direito Penal e Processo Penal.

Mesmo com uma década de vigência, a Lei Carolina Dieckmann ainda apresenta outras brechas que favorecem os criminosos, como por exemplo a incerteza do tipo de dispositivo em que o crime pode ser cometido. Isso deixa margem para diferentes interpretações por parte do Poder Judiciário e do Ministério Público. Até a tipificação da divulgação de conteúdo só ocorreu seis anos depois, com a Lei nº 13.718/18.

De todo modo, analisam os especialistas ouvidos pela Conjur, a legislação serve como conduta contra a prática de outros delitos cibernéticos e tem capacidade para resolver uma parte dos problemas, que é a invasão de dispositivos.

Antes de 2012, a invasão de sistema não era crime. “A lei conhecida como Carolina Dieckmann acrescentou no código penal o artigo 154 A e 154 B e um parágrafo no artigo 266, aquele que interrompe o serviço de utilidade pública. Mas as penas eram muito baixas. Nós tivemos recentemente uma atualização legislativa, com aumento de pena. A nova Lei, a 1.455, atualizou os artigos 154 A e a 154 B. Agora temos uma lei efetiva. Antes, ou as penas eram muito pequenas ou o crime prescrevia ou, quando se provava (o crime), o sujeito fazia um acordo e prestava serviços para a comunidade”, explica o advogado e professor Renato Opice Blum, especialista em Direito Digital e proteção de dados.

“A sua promulgação, assim como outras leis criadas no mesmo período, foi de vital importância para que o Brasil inaugurasse um arcabouço jurídico que possibilitasse a segurança necessária para a expansão da transformação digital da nossa sociedade ocorrida nos últimos dez anos. Assim, a Lei Carolina Dieckmann protege os direitos fundamentais da privacidade e da proteção aos dados pessoais no âmbito penal”, entende a advogada especializada em Direito Digital Elaine Keller.

Nudes divulgados

Seja motivado por paixões ou pelo desejo de obter vantagem para si ou sobre alguém, o vazamento de imagens íntimas, comumente conhecidas como nudes, não deve ser encarado com naturalidade. Pelo contrário, tal ação se caracteriza como uma violência, na qual a intimidade do outro é ferida e suas dores fogem às telas e alcançam a realidade.

Anteriormente à Lei nº 12.737/2012, o acesso ao dispositivo informático com a finalidade de obter ou destruir dados e informações era considerado apenas atos preparatórios, portanto, impuníveis. Se o agente não exigisse vantagem econômica ou causasse algum prejuízo, não era responsabilizado criminalmente. “Importante ainda ressaltar que, com a referida lei, a falsificação de cartões de créditos ou débitos passou a ser crime de falsificação de documento particular — Art. 298, parágrafo único, do Código Penal”, observa Aldemar Monteiro.

Em 2021, a legislação passou por alterações importantes, permitindo a punição ainda que o dispositivo não seja protegido por senha e que o prejudicado não seja o proprietário. Assim, se o usuário do dispositivo tiver dados capturados sem autorização, ocorrerá o crime mesmo que ele não seja o proprietário do mecanismo informático. Outra alteração foi o aumento das penas que também passaram a ser de reclusão, possibilitando, assim, a interceptação das comunicações telemáticas.

Mais estrutura

Apesar dos avanços promovidos pela lei em questão, a punição dos crimes cibernéticos depende não apenas de mudanças legislativas, mas também e, principalmente, de maiores investimentos nos setores de inteligência das polícias, já que estes crimes são praticados por pessoas capacitadas. Essa é a análise do defensor público Aldemar Monteiro, que considera a possibilidade de punição de atos preparatórios, impedindo que a conduta se desenvolva em crimes mais graves como o ponto mais relevante da Lei Carolina Dieckmann.

“Precisamos de mais estrutura por parte dos órgãos policiais, a parte pericial principalmente, e um pouco de velocidade na colaboração das plataformas”, sugere Opice Blum.

Correndo atrás

A legislação brasileira, assim como as dos demais países, estará sempre a reboque dos avanços cibernéticos pela dinâmica da tecnologia e porque a fonte do Direito vem sempre das mudanças de cultura e hábitos da sociedade. “Portanto, os avanços cibernéticos serão sempre a engrenagem para o surgimento das novas regulamentações”, explica Elaine Keller.

Hoje, o crime está se digitalizando cada vez mais. O cibercrime, ou crime cibernético, é um negócio robusto. Somente em 2021, de acordo com relatório da Cybersecurity Ventures, os danos provocados por esses crimes chagaram à casa de US$ 6 trilhões em todo mundo. É o equivalente à terceira maior economia mundial, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Especialistas preveem que os custos globais do crime cibernético aumentem 15% ao ano nos próximos cinco anos. Segundo dados de uma empresa da área de segurança cibernética, a Fortinet, no ano passado o Brasil registrou mais de 88,5 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos.

Fonte: ConJur