Senadores Rodrigo Pacheco e Randolfe Rodrigues Foto: Instagram Sen. Randolfe Rodrigues.

A falta de acesso regular a uma alimentação adequada por grande parte da população brasileira tem sido um dos principais desafios enfrentados pela sociedade ao longo dos últimos anos. O país havia saído do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014, por meio de estratégias de segurança alimentar e nutricional aplicadas desde meados da década de 1990. Mas voltou a figurar no cenário a partir de 2015, obtendo um especial agravamento ao longo da pandemia de Covid-19 que afetou o mundo todo por dois anos a partir de 2020.

Em 2022, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil apontou que 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer — o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome. Conforme o estudo, mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau: leve, moderado ou grave.

Projetos de lei em tramitação no Senado buscam atenuar esse quadro. É o caso do PL 354/2022, apresentado pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE), que institui o chamado Benefício de Erradicação da Fome, no valor de R$ 250, a ser pago a famílias em situação de extrema pobreza, quando houver insegurança alimentar leve, moderada ou grave no país. A proposição modifica a Lei 14.284/2021, que instituiu o Programa Auxílio Brasil e o Programa Alimenta Brasil. Além dela, o PLC 104/2017, de autoria do Deputado Federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), relatado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), institui a Política Nacional de Erradicação da Fome.

Presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), o senador Humberto Costa (PT-PE) acredita que medidas como essas ajudam a minimizar a situação. Para o parlamentar, é preciso ampliar os recursos destinados às políticas de segurança alimentar e intensificar os programas de transferência de renda já existentes, com aumento dos valores repassados e do número de contemplados:

— Além disso, ações para o crescimento econômico da nação [precisam ser adotadas]. Recursos para empregos, particularmente, na infraestrutura, na construção civil, que geram trabalho qualificado e em curto espaço de tempo.

Ação política

Os dados do Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, divulgados em junho, foram coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, por meio de entrevistas em 12.745 domicílios em áreas urbanas e rurais de 577 municípios distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal. Pesquisa anterior, de 2020, mostrava que a fome no Brasil tinha voltado para patamares equivalentes aos de 2004. A piora no cenário econômico, o acirramento das desigualdades sociais e o segundo ano da epidemia do coronavírus agravaram a situação.

Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), nada é mais preocupante e urgente do que acabar com a fome de milhões de brasileiros. Na avaliação dela, o governo federal desmontou um importante arcabouço de proteção social, tornando necessária a reconstrução das políticas públicas para essa área. Além de um projeto de geração de emprego e renda, Zenaide pondera no sentido de que o país precisa de mais investimento público e de ações para a valorização do salário mínimo como formas de diminuir os números da fome no Brasil.

— Também precisamos voltar a priorizar o financiamento de agricultores familiares e retomar a formação de estoques de alimentos para evitar os preços nas alturas. Investimentos públicos para a geração de emprego e renda e uma política de valorização do salário mínimo, tudo a gente já teve e precisa resgatar, porque são políticas públicas que salvam vidas — defende Zenaide.

Na opinião do senador Fabiano Contarato (PT-ES), o combate à fome é uma medida prioritariamente política, que requer engajamento das autoridades.

— A insegurança alimentar precisa ser combatida com políticas públicas eficientes, integradas e com reforço orçamentário e vontade política de trabalhar com o setor privado, a sociedade civil e governos estaduais e municipais. Temos de devolver dignidade ao povo brasileiro, com emprego, prato de comida na mesa, filhos na escola, esperança de futuro — pontua.

Para o senador Dário Berger (PSB-SC), enfrentar o problema da fome precisa ser a prioridade do governo:

— É fundamental estender a mão para as pessoas que mais precisam, oferecendo políticas públicas humanitárias, gerando oportunidades, fortalecendo programas sociais e de retomada do emprego. Só assim mudaremos essa triste e dura realidade.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) instituiu 16 de outubro como o Dia Mundial da Alimentação, no intuito de promover uma reflexão mundial sobre o assunto. Em 2009, o Congresso Nacional aprovou a Lei 12.077, que estabelece 16 de outubro como o Dia Nacional da Alimentação. A finalidade é mobilizar o poder público e conscientizar a sociedade brasileira sobre a importância do combate à fome e à desnutrição, bem como autorizar órgãos públicos responsáveis por essas políticas a desenvolverem atividades educativas e de estímulo à participação social. Na data seguinte, 17 de outubro, celebra-se o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza — instituído também pela Assembleia Geral da ONU em 1992.

No dia 19, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realiza o seminário Dia Mundial da Alimentação — O princípio de não deixar ninguém para trás. A proposta do evento é refletir sobre os avanços, retrocessos e estratégias para atingir os compromissos globais assumidos em 2015 em relação aos Objetivos de desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, de modo a “erradicar a fome, a pobreza, garantir a paz e permitir à população mundial uma vida digna e plena com sustentabilidade para o planeta”.

A programação conta ainda com lançamento do e-book “Receitas de família — incentivando uma alimentação adequada e saudável a partir do consumo de frutas, legumes e verduras: a experiência no território do Distrito Federal”, elaborado por meio da parceria entre o Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares (OBHA) da Fiocruz Brasília, e as secretarias de Saúde (SES/DF) e de Desenvolvimento Social do Distrito Federal (Sedes/DF).

Enquanto organismos internacionais e nacionais tentam estimular passos à frente na luta contra o deficit nutricional, o Brasil recua. Numa análise do consultor legislativo do Senado Henrique Salles Pinto, o panorama da fome no Brasil mostra que o país regrediu a um patamar equivalente ao da década de 1990. De acordo com o especialista, mesmo o fato de sermos o segundo maior exportador de alimentos do mundo no ranking da Organização Mundial do Comércio (OMC) não tem sido suficiente para erradicar o problema no território nacional. Henrique acredita que essa situação poderia ser mudada se não houvesse tanto desperdício de alimentos no país.

— De fato, em todo o território nacional, 39 mil toneladas de comida em condições de serem aproveitadas vão para o lixo diariamente em mercados, feiras, fábricas, restaurantes, quitandas, açougues e fazendas. O número leva em conta dados de vários setores: agricultura, indústria, varejo e serviços. São vários alimentos como iogurtes perto do vencimento, tomates manchados, pães “amanhecidos”, carne esquecida no congelador e milhares de itens que, por diversas razões, acabam descartados. Tamanha quantidade é suficiente para prover três refeições diárias a, aproximadamente, 19 milhões de pessoas — dimensiona Henrique Salles.

Fonte: Agência Senado