O recado foi dado pelo Tribunal Superior Eleitoral, que nesta última terça-feira (23/8) derrubou mais duas chapas completas. Foto: Reprodução

Os eventuais casos de fraude à cota de gênero nas eleições de 2020 serão analisadas com rigor pela Justiça Eleitoral e, caso comprovadas, derrubarão todas as candidaturas do partido ou federação responsáveis. Por isso, é melhor que todos – incluindo os próprios candidatos – se engajem na fiscalização interna.

O recado foi dado pelo Tribunal Superior Eleitoral, que nesta última terça-feira (23/8) derrubou mais duas chapas completas, por conta de candidatas usadas como “laranja” apenas para alcançar o percentual mínimo de 30%, conforme prevê a legislação eleitoral.

Todos os vereadores eleitos em 2020 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do partido Progressistas (PP) na cidade de Ipirá (BA) perderam seus mandatos. Haverá retotalização de votos e uma nova composição para a Câmara Municipal local.

Para o relator do recurso julgado, ministro Alexandre de Moraes, trata-se de mais uma indicação clara de como a Justiça Eleitoral vai tratar o caso em 2020: a análise será rigorosa e os efeitos da eventual condenação serão estendidos a todos os votos do partido ou federação.

“O prejudicado não é só quem escolheu a candidatura laranja para se favorecer, mas todos os demais candidatos que, mesmo não sabendo de nada, não fiscalizaram. É importante que o TSE deixe claro o recado de que os que fazem parte da chapa têm que verificar também a não existência da fraude”, disse o presidente do tribunal.

Sem dar mole

O rigor atual com que o TSE trata os casos de fraude à cota de gênero tem origem em julgamento de 2019, quando pela primeira vez a Corte concluiu que a ocorrência do ilícito deve levar à nulidade de todos os votos obtidos pelo partido. Afinal, todos os candidatos se beneficiaram do ilícito para poder concorrer.

A jurisprudência também passou a entender que essa nulidade total não ocorre quando, retirada a candidatura laranja, o partido ainda tem o número mínimo de candidaturas femininas para alcançar os 30% que a lei exige.

A princípio, a posição é de que a configuração da fraude demandaria provas robustas. O desafio de avaliar cada caso concreto a partir das eleições de 2020 fez a jurisprudência ganhar corpo e mais critério.

Ainda que o TSE não possa reanalisar fatos e provas, ele reavalia os fatos descritos nos acórdãos atacados e, não raro, reverte acórdãos em que os tribunais regionais eleitorais mostraram certa predileção pelo benefício da dúvida na análise da ocorrência de fraude.

Não faltam exemplos. O TSE viu fraude no ato de lançar incorretamente o gênero de um candidato no Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap), o que teria ocorrido de propósito. E definiu que a produção de santinhos, por si só, não comprova que a candidata efetivamente fez campanha, o que afastaria sua condição de laranja.

A ausência de votos e de atos de campanha, aliás, é tomada pela jurisprudência da corte como sintomas relevantes de irregularidades. Por outro lado, há precedente em que o tribunal afastou a cassação das candidaturas por entender que as supostas candidatas fantasmas, na verdade, agiram de boa-fé e sem intuito de burlar a legislação.

Virose eleitoral e número errado

O caso julgado na noite de terça-feira reuniu muitos dos alertas identificados pelo TSE na análise sobre o tema: votação zerada, prestação de contas com movimentação financeira e ausência de atos de campanha.

Ivete Francisca da Silva (PP) foi preterida pelo próprio partido: apontou cerca de R$ 900 em gastos, tudo bancado do próprio bolso. Além de não votar em si própria, ela concorreu com o número errado: ficou definido na convenção partidária que ela se apresentaria como 11099, mas, no registro de candidatura, informou 11090 para aparecer nas urnas.

Para o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, essa é a explicação plausível para a total ausência de votos. Relator, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou que ela foi informada do equívoco, mas nada fez para correção.

“Ela não estava nem preocupada em conferir o próprio número. Não se trata de displicência da candidata, o que, isoladamente, afastaria a fraude. Aqui, isso mostra que ela não estava em campanha. E nem pretendia, como de fato não o fez. Uma candidatura fantasma”, afirmou.

Fabrícia dos Santos Dunda não fez campanha, apresentou contas totalmente zeradas e sequer votou em si mesma. Nesse ponto, alegou que não pôde ir às urnas porque teve uma virose no dia da eleição, mas não apresentou atestado ou qualquer outra comprovação do problema de saúde.

“Mesmo que no dia da votação ela estivesse com virose, essa candidata não teve um parente, um amigo pra votar nela? Ou seja, uma virose eleitoral terrível”, disse o ministro Alexandre de Moraes. Com a cassação das candidaturas, as duas estão inelegíveis pelo prazo de oito anos, contados a partir da data da eleição de 2020.

Fonte: site Conjur