A decisão do juiz Fábio Coimbra Junqueira, da 6ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), foi publicada na última quinta-feira (9/6). Foto: Reprodução

A Justiça de São Paulo acolheu parcialmente o pedido da jornalista Juliana Dal Piva, colunista do UOL, e condenou o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, a pagar R$ 10 mil por danos morais à repórter. A mesma sentença, porém, também condenou Dal Piva a indenizar Wassef em R$ 10 mil por ter divulgado as mensagens em que foi atacada pelo advogado.

A decisão do juiz Fábio Coimbra Junqueira, da 6ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), foi publicada na última quinta-feira (9/6). Para o juiz, Wassef extrapolou os limites da liberdade de expressão ao fazer ofensas de cunho sexual à jornalista e dizer que “ela está induzindo o público ao erro”, enquanto Dal Piva teria violado o sigilo das comunicações privadas ao compartilhar as mensagens recebidas pelo WhatsApp.

O caso teve início em julho de 2021. Na época, Wassef enviou mensagem com ofensas e questionamentos ao trabalho de Dal Piva, autora de reportagens e um podcast sobre indícios de esquema de desvio de salário de assessores no gabinete do atual presidente da República Jair Bolsonaro (PL) à época em que ele era deputado federal.

“Queria te entrevistar. Você e socialista ?? Comunista ???? Soldada da esquerda brava ??? (…) Por que você não vai realizar seu sonho comunista em Cuba, Venezuela , Argentina ou Coreia do Norte ???”, escreveu Wassef à jornalista, depois de ter sido procurado por ela para enviar a versão de Bolsonaro sobre a possibilidade de envolvimento no esquema de “rachadinhas”.

“Por que não se muda para a grande China comunista e vá tentar exercer sua profissão por lá ???? Faça lá o que você faz aqui no seu trabalho, para ver o que o maravilhoso sistema politico que você tanto ama faria com você.”, continuou o advogado. “La na China você desapareceria e não iriam nem encontrar o seu corpo. O mesmo ocorre na Venezuela , Cuba e outros paraísos comunistas”.

Na decisão, o juiz considerou que o advogado de Bolsonaro apenas “realizou perguntas” à jornalista na maior parte da mensagem, “expressando sua opinião acerca do sistema político comunista”. Para ele, isso “não representou qualquer abuso, culposo ou doloso, na manifestação de pensamento, mas sim exercício regular de um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal”.

Junqueira entendeu que não houve “qualquer intimidação à autora na parte em que o réu diz que se ela estivesse em um país que tenha o comunismo por ideologia predominante em seu governo, desapareceria se fizesse, profissionalmente, o mesmo que faz no Brasil”.

Na avaliação do juiz, o fato do advogado ter dito logo em seguida que em território brasileiro “não ocorre esse tipo de comportamento como nos demais países citados por ele” indica que Wassef “não pensa que a autora será perseguida por exercer sua profissão no Brasil”.

Só houve dois momentos em que o advogado de Bolsonaro “ultrapassou os limites do razoável” de seu direito de liberdade de expressão, segundo o magistrado.

O primeiro foi quando questionou a sexualidade de Dal Piva: “A parte de seu amor pelo comunismo, você vai continuar atendendo os pedidos de sua parceira/chefa para me atacar sem parar . Ela te paga ??? Ou é só muito amor por ela ??? Vocês estão namorando ????”, diz a mensagem de Wassef.

O juiz destacou que a sexualidade é um assunto íntimo de cada pessoa, “e ninguém tem o direito de questioná-lo ou torná-lo uma forma de ofensa”.

“Ademais, ao afirmar que a autora está induzindo o público a erro, novamente o réu não é razoável e causa constrangimento à autora. Além disso, macula a honra da requerente”, afirmou o magistrado, em referência à parte em que o advogado insinua que a jornalista “luta fanaticamente com suas matérias direcionadas e distorcidas da verdade para induzir em erro o público”.

Sentença
Os pedidos para que Wassef fizesse uma retratação pública e fosse impedido de entrar em contato com Dal Piva para intimidar ou ofender, macular ou constranger sua honra e reputação profissional foram julgados improcedentes. O juiz também rejeitou o pedido para que Wassef fosse impedido de imputar à repórter “a prática de espalhamento de fake News e desinformação”.

Para Junqueira, “isso seria limitar seu direito fundamental de se expressar, sendo de sua responsabilidade saber os limites desse direito e a partir de quando estará infringindo direitos da autora”.

A decisão também atribuiu a Dal Piva os danos causados pela repercussão midiática e exposição que a jornalista sofreu. “A responsabilidade é apenas da destinatária que indevidamente publicou a mensagem recebida em caráter particular”, escreveu o juiz.

Para o juiz, o advogado não terá o dever de se retratar publicamente, “já que a mensagem tinha sido enviada privativamente à autora, sendo dela a responsabilidade de divulgação do inteiro teor na mídia e todas as consequências decorrente de tal ato”. No processo, a repórter afirmou que somente divulgou a mensagem a fim de se defender.

A jornalista foi condenada a indenizar Wassef porque “é ilícita a publicação não autorizada da mensagem, não o seu envio a determinada pessoa em particular”, sob o argumento de que as comunicações entre particulares são sigilosas.

Segundo o magistrado, a “exposição desnecessária e negativa” de Dal Piva foi devidamente comprovada, “pois a autora tornou pública uma mensagem sigilosa enviada por um aplicativo de mensagens criptografadas”.

Considerando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tanto Wassef quanto Dal Piva foram condenados a pagar indenização no valor de R$10 mil um ao outro.

Para evitar o ajuizamento de embargos de declaração, a sentença do TJ-SP informa que “ficam preteridas as demais alegações, por incompatíveis com a linha de raciocínio adotada, observando que o pedido foi apreciado e rejeitado nos limites em que foi formulado”.

Fonte: Revista Consultor Jurídico