Presidente Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes juntos pela redução dos preços dos produtos industrializados. Foto: Divulgação.

Durante evento promovido por banco privado na semana, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que pretende realizar um corte linear de 25% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Na sexta-feira (25) o governo federal publicou decreto, assinado pelo presidente Bolsonaro, em edição extra do Diário Oficial da União, reduzindo as alíquotas. A medida alivia a carga tributária na produção de automóveis, eletrodomésticos da chamada linha branca – como refrigeradores, freezers, máquinas de lavar roupa e secadoras – e outros produtos industrializados.

Para a maior parte dos produtos, a redução foi de 25%. Alguns tipos de automóveis tiveram redução menor na alíquota, de 18,5%. Produtos que contenham tabaco não tiveram redução do imposto.

De acordo com cálculos informados pelo Ministério da Economia, a redução do IPI representará uma renúncia tributária de R$ 19,5 bilhões para o ano de 2022, de R$ 20,9 bilhões para o ano de 2023 e de R$ 22,5 bilhões para o ano de 2024.

Por se tratar de tributo extrafiscal, de natureza regulatória, é dispensada a apresentação de medidas de compensação, como autorizado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, ressaltou o governo.

Para justificar a renúncia tributária, o governo destacou que a arrecadação federal em janeiro de 2022 somou R$ 235,3 bilhões, sendo volume recorde que representa 18,30% de aumento em relação ao mesmo mês do ano passado, já descontada a inflação do período.

“Há, portanto, espaço fiscal suficiente para viabilizar a redução ora efetuada, que busca incentivar a indústria nacional e o comércio, reaquecer a economia e gerar empregos. O decreto entrará em vigor imediatamente e não depende da aprovação do Legislativo”, informou a Presidência da República, em nota.

CNI

Em comunicado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) celebrou a redução do IPI ao enfatizar que indústria é o setor o mais tributado da economia no país.

De acordo com a entidade, a tendência é haver uma redução dos preços dos produtos industriais, com impactos na inflação, já que os preços do segmento representam 23,3% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Comsefaz

O Comsefaz (Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal) diz que a prática brasileira já mostrou que a iniciativa aponta para dois equívocos, a redução do IPI em passado recente não mostrou resultado satisfatório para incentivar a indústria; e não há aumento estrutural da arrecadação que justifique a redução de receitas.

Na prática, a medida concorre também para o desequilíbrio fiscal de Estados e Municípios e deve fragilizar o resultado consolidado do setor público (que inclui União, estados, municípios e algumas estatais).

Impacto no lucro do setor e não na atividade da indústria

A justificativa utilizada pelo Ministério da Economia para implementar a redução de 25% do IPI de incentivar a indústria brasileira não é plausível, pois isso já foi realizado recentemente, em 2008, não surtiram os efeitos esperados. A redução do IPI não se mostrou a melhor forma de incentivar a atividade industrial, tampouco de reduzir o preço final ao consumidor. O que fez, de fato, foi alargar as margens de retorno do setor beneficiado.

Após a crise internacional de 2008, o Governo Federal implementou uma série de subsídios fiscais com o objetivo de estimular a indústria. O IPI foi um dos impostos utilizados para incentivar a atividade industrial, principalmente na primeira metade da década de 2010, com subsídios para eletrodoméstico da linha branca, automóveis e móveis. Entretanto, a medida não alcançou os resultados previstos, como reconheceu o governo da época[2] e especialistas que avaliaram o impacto das reduções de receitas[3].

“A redução só vai facilitar a vida das empresas, que vão aumentar suas margens”, afirmou o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, entendimento acompanhado por outros especialistas que rejeitam as motivações alegadas para a medida, além de alertarem para o desequilíbrio fiscal que acarreta.

Porque além de não ter capacidade de incentivar a atividade industrial e de reduzir os preços, o corte do imposto terá reflexos fiscais preocupantes nas três esferas federativas. O IPI é um imposto federal, mas cuja arrecadação atende também a necessidades fiscais de estados e municípios: 21,5% do que ele arrecada destina-se ao Fundo de Participação dos Estados (FPE), e um agregado de 25,5% ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), entre outras destinações.

Além desses fundos, 10% da arrecadação do IPI são transferidos aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados, sendo que cada Estado repassa 25% aos seus respectivos municípios.

O agravamento da situação fiscal dos entes pela redução de receitas ocorrerá em toda a federação, no caso um corte 25% no IPI[4]. A capacidade dos estados e municípios de manterem os serviços públicos essenciais à população fica comprometida. A tabela a seguir mostra o impacto fiscal da medida.

A redução de 25% do IPI poderá gerar um impacto fiscal de R$ 20,9 bilhões no total, considerando a previsão de arrecadação do imposto da Lei Orçamentária Anual (LOA) 2022.

Desse montante, a União arcará com R$ 8,4 bilhões e os subnacionais arcarão com R$ 12,5 bilhões, sendo R$ 4,5 bilhões no Fundo de Participação dos Estados (FPE), R$ 5,3 bilhões no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e 2,1 bilhões no Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPI-Exp). Isso, sem descontar o repasse de 20% para o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

Os Fundos Constitucionais FNE (Fundo de Financiamento do Nordeste), FNO (Fundo de Financiamento do Norte) e FCO (Fundo de Financiamento do Centro-Oeste), que financiam políticas de desenvolvimento regional, também serão impactados em R$ 0,6 bilhões.

Aumento estrutural de receitas

Em sua fala, o ministro justifica que é possível cortar os tributos, pois ocorre “excesso de arrecadação”. Guedes faz referência ao entendimento do Ministério da Economia de que está ocorrendo aumento estrutural de receitas, conforme Nota Informativa divulgada pelo ME[5].

O argumento utilizado pelo Ministro é inconsistente, como mostrou artigo[6] publicado sobre política fiscal e ciclo econômico. Conforme os autores, não existe aumento estrutural de receitas, a nota do Ministério da Economia faz uso equivocado do conceito.

Eles explicam que a Nota Informativa utiliza indevidamente o termo “estrutural” ao se referir ao efeito da inflação na arrecadação. Também alertam que não se trata de desconsiderar o efeito da inflação no ajuste fiscal, o termo “estrutural” é utilizado pela literatura “para diferenciar as mudanças permanentes do resultado fiscal das oscilações decorrentes de fatores cíclicos, atípicos ou não-recorrentes”. Ou seja, é necessário mudanças na estrutura da economia ou na legislação.

Portanto, o crescimento real da arrecadação não é sinônimo de crescimento estrutural, como argumenta o Ministério da Economia. É necessário isolar os efeitos cíclicos e comportamentos conjunturais da economia, como é o caso, por exemplo, do comportamento da arrecadação do setor de serviços em comparação com a indústria, durante a pandemia. Trata-se de uma conjuntura específica que tende a não se consolidar ao longo do tempo.[7]

Qualquer redução da arrecadação com a justificativa de que houve aumento estrutural precisa ser visto com preocupação. Os estados enfrentam grave crise fiscal desde 2014, estão longe de recuperar as receitas necessárias para prestar os serviços públicos com a qualidade que a população necessita, e já reduziram sua arrecadação em 3,4 milhões de reais desde novembro com o congelamento dos combustíveis. Mais um corte no orçamento dos entes federativos, como o proposto pelo Ministério da Economia, compromete ainda mais a prestação de serviços essenciais como educação, saúde e segurança.

Fontes: Agência Brasil e site da Comsefaz.