O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, foi detido pela Polícia do Senado, e liberado após pagamento de fiança (de cerca de R$ 1 mil). Foto: Senado Federal.

Na quarta-feira (07) o senador Omar Aziz deu ordem de prisão a Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, que prestava depoimento na CPI da Covid no Senado. Dias foi acusado de mentir, o que teria justificado a ordem de prisão em flagrante. Ele foi detido pela Polícia do Senado, e cinco horas depois liberado após pagamento de fiança (de cerca de R$ 1 mil).

O episódio preocupou advogados como o criminalista Alberto Toron, para quem a ordem de prisão “desmerece as melhores tradições do nosso Senado”, chegando a configurar abuso de autoridade. Toron ressaltou o fato de que, apesar de Dias estar sendo ouvido como testemunha, era óbvio que se tratava ali de um investigado, que teve seus direitos violados.

“É evidente, malgrado ele tivesse sido qualificado como testemunha, que, pela natureza das indagações, ele era investigado. Como investigado, ele tem não apenas o direito de permanecer calado, o direito de não se autoincriminar, e até de dar uma versão aos fatos que seja fantasiosa. A prisão dele é a consagração do arbítrio ao vivo e em cores. Lamentável episódio, que corporifica até mesmo o crime de abuso de autoridade.”

À Folha de S.Paulo, o advogado Gustavo Badaró também tinha afirmado que Roberto Dias não poderia ter sido preso por falso testemunho, já que ele era investigado. Segundo Badaró, os senadores que foram alvos da “lava jato” agora se comportam como seus algozes.

“Reclamaram que a ‘lava jato’ foi utilizada para fins políticos, para perseguir dizendo ser combate à corrupção, e parece que estão fazendo a mesma coisa”, afirmou ao jornal. “Quando têm o poder fazem o que criticavam anos atrás, eles estão sendo o Janot dos alvos da CPI.”

Uma das vozes mais abalizadas a respeito da dicotomia entre o direito penal mínimo e o direito penal máximo, o desembargador aposentado Abel Gomes, relator da apelidada “lava jato” no Rio de Janeiro, também estranhou a decisão de Aziz: “Prisão absolutamente ilegal e inconstitucional no nosso direito. Não há ‘crime de perjúrio’ no Brasil, mas somente falso testemunho, que é conduta típica atribuída somente a quem é ouvido como tal e tem o compromisso de dizer a verdade.”

“A condição de testemunha, suspeito ou investigado, por sua vez, não decorre da vontade de quem inquire, mas sim da substância dos fatos que levam o sujeito a ser chamado para depor”, prosseguiu. “O suspeito ou investigado, nessa condição, pode calar, mentir, confessar ou colaborar, logo, não haveria legalidade na prisão.”

Para o criminalista Daniel Bialski, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e sócio de Bialski Advogados, a CPI não pode querer, ao mesmo tempo, investigar, processar e punir. “Não é essa finalidade precípua dela. Seu objetivo é apurar fatos e determinar que as autoridades competentes tomem as medidas cabíveis.”

Ele defendeu que é necessário revisitar e modificar a forma de procedimento da CPI, especialmente, no que se refere à possibilidade de atuação dos advogados. “Muitas vezes, eles não podem se manifestar e os seus clientes acabam, infelizmente, sendo ameaçados de prisão. De forma temerária e até indevida, muitas das vezes, eles não podem sequer argumentar juridicamente sobre a ilegalidade destas postulações. Isso afronta não somente o artigo 133 da Constituição Federal, mas especialmente os direitos e prerrogativas da atividade profissional.”

Ele acreditou que, no futuro, o STF vai reconhecer que esta é uma prisão nula e que não se sustenta juridicamente. “A prisão tem um cunho muito mais político do que jurídico”, aponta. “O STF já reconheceu que a pessoa que vai depor e se autodefende não comete o crime de falso testemunho. No caso, não houve tempo hábil sequer para que este depoente acionasse o Supremo para lhe dar o direito de se calar sobre eventuais questionamentos que pudessem vir a incriminá-lo.”

Thiago Turbay, advogado criminalista e sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados, também considera que a prisão de Dias foi abusiva. “Qualifica-lo como testemunha havendo imputações contra ele é um burla de dois programas normativos os quais não pode haver flexão: a ampla defesa, tomada por uma concepção acusatória, e a proteção ativa de direitos fundamentais” defendeu.

“No caso, a decretação da prisão bloqueou o âmbito de incidência da presunção de não culpabilidade como regra de tratamento e garantia do investigado. Ademais, o fundamento o qual deveria servir de apoio à ação pública foi ignorado. A liberdade é o fundamento reitor das ações persecutórias, é o valor maior a ser protegido.”

“O episódio revela o risco da concessão de poderes àqueles que estão desejosos e imbuídos de consorciar a culpa”, afirmou. “O juízo neutro é garantia de responsabilização justa, não é o interesse censor – ainda que legítimo – o garantir de um processo justo.”

Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues, sócio-fundador do Pisco & Rodrigues Advogados Associados, concordou que a prisão foi uma medida excessiva e desproporcional. “O crime de falso testemunho é aquele em que a testemunha faz afirmação falsa ou omite a verdade. Ele é verificado de modo objetivo: se há contradição entre depoimentos de testemunhas, não há que se falar em prisão em flagrante, pois não é possível identificar, de pronto, quem está falando a verdade.”

“Destaco, ainda, que, mesmo que a pessoa seja testemunha, se ela estiver depondo sobre fatos que podem incriminá-la, não pode ser obrigada a dizer a verdade. A princípio, portanto, por essas duas razões, pareceu-me desproporcional a prisão em flagrante de Roberto Dias”, ponderou.

Divergências

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, por outro lado, defendeu a CPI. Pelo Twitter, afirmou que o Senado cumpre seu papel constitucional. “É o respeito à Constituição que garante estabilidade, democracia e liberdade. O Legislativo, por meio da CPI, cumpre função de fiscalizar a administração pública – todos que a compõem. Descabida é toda tentativa de intimidar o Senado por estar cumprindo seu papel constitucional.”

Da mesma forma, para alguns observadores, faltou uma presença mais forte da advogada que assistiu Roberto Dias. A começar pela opção de não buscar no Supremo Tribunal Federal a salvaguarda de Habeas Corpus – que o tribunal não negou até agora.

Outra ressalva se fez quanto à passividade ao longo do interrogatório. Ficou nítida, para esses observadores, a falta de orientação ao depoente – que, por ser voluntarioso, complicou sua situação ao falar mais que o necessário e se deixou enredar pela catimba dos senadores que, obviamente, não estavam ali para ajudá-lo.

Fonte: site ConJur.