Ministro do STF é contra servidor do Exército no comando do Ministério da Saúde. Foto: STF.

Ao criticar a condução do combate à epidemia do novo coronavírus (COVID-19) pelas autoridades brasileiras, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), não estava se referindo de forma genérica somente às mortes em massa que se associam ao Holocausto ou a massacres étnicos em outros lugares do mundo.

Embora seja esse o uso mais corriqueiro da palavra, o crime de genocídio já foi denunciado, julgado e punido no Brasil.

Trata-se, aqui, de caso concreto. O episódio ficou conhecido como massacre de Haximu, em Roraima, em área de garimpo na fronteira do Brasil com a Venezuela. Em 23 de julho de 1993, garimpeiros assassinaram 12 indígenas ianomâmis a tiros e golpes de facão, incluindo cinco crianças. O confronto ocorreu após crescentes tensões e mortes na região.

O caso foi a julgamento três anos depois, pela Justiça Federal. O MPF ofereceu denúncia pelos crimes e lavra garimpeira ilegal, contrabando ou descaminho, ocultação de cadáver, dano, formação de quadrilha ou bando, todos em conexão com genocídio e associação para o genocídio. Cinco foram condenados a penas que variavam de 19 a 20 anos de prisão em regime fechado.

Ao analisar a apelação, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) entendeu que, pela existência de crimes dolosos contra a vida, a competência para julgamento seria do Tribunal do Júri, e assim anulou a sentença. Esse entendimento foi reformado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2000, seguindo jurisprudência do STF segundo a qual genocídio praticado contra indígenas deve ser julgado pelo juízo singular federal.

O Supremo analisou o caso em agosto de 2006 e manteve o entendimento. Relator, o ministro Cezar Peluso apontou doutrina segundo a qual a conceituação do crime de genocídio trata da “defesa de um bem jurídico coletivo, aliás, um bem jurídico supra-individual, cujo titular não é a pessoa física, mas o grupo, entendido como uma coletividade”. Por isso, os vários ataques feitos por mais de um garimpeiro contra membros do mesmo grupo ianomâmi constituem uma unidade delitiva. Cinco pessoas foram condenadas: Pedro Emiliano Garcia, João Pereira de Morais, Francisco Alves Rodrigues, Juvenal Silva e Elizeio Monteiro Neri.

Passados praticamente 27 anos do massacre, Pedro Emiliano é o único brasileiro vivo a ser condenado por crime contra a humanidade. Ele continua atuando com garimpo. Em 3 de julho, foi preso pela Polícia Federal por mineração ilegal em reserva indígena ianomâmi, pego com mais de 2 kg de ouro. Já foi alvo de outras quatro ações da PF e poderá responder pelo crime de usurpação de patrimônio da União.

Tipificação

A tipificação do genocídio na legislação brasileira surgiu na Lei 2.889/1956, que pune a conduta de “quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” matar, causar lesão grave, submeter a condições de existência capazes de ocasionar destruição, adotar medidas para impedir o nascimento ou efetuar transferência forçada de crianças.

Posteriormente, em 1984, a Lei 7.209 incluiu no Código Penal o genocídio cometido por brasileiro ou domiciliado no Brasil. Já em 1988, entrou em vigor a atual Constituição, como compromisso da “promoção do bem de todos de forma equitativa, independente da etnia ou raça”. Seu texto recepcionou a legislação infraconstitucional anterior sobre o tema.

Com informações do site ConJur.