Michel Temer (3º a partir da direita) participou do XI Fórum de Lisboa. Foto: Reprodução/ ConJur

O derradeiro painel de discussões do XI Fórum Jurídico de Lisboa, na última quarta-feira (28), foi dedicado à defesa da democracia e das liberdades fundamentais. O ex-presidente da República Michel Temer destacou a necessidade de sempre se assegurar a importância e a legitimidade da Constituição Federal de 1988.

“A todo momento se prega a ideia de uma nova Constituinte. A Constituição diz o que o Estado é. Portanto, você sabe o que fazer. Uma Constituinte diz o que o Estado será, e isso gera incerteza, insegurança. Quando se fala em uma tentativa de Constituinte, digo que nós temos uma Constituição bastante detalhada, pormenorizada. Portanto, reduzindo a área discricionária da atuação do legislador ordinário e do Judiciário”, afirmou ele.

“Há um mau hábito de imaginar que tudo é da União, que ela conduz tudo e que o presidente pode tudo. Não pode. Só pode se governar com o Congresso Nacional. Digo isso porque a Constituição determina”, disse Temer ao lembrar a separação de poderes estabelecida pela Constituição.

Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Carlos Blanco de Morais afirmou no debate que a democracia é rodeada de ameaças estruturais e conjunturais. O mau funcionamento das instituições, a corrupção e o descrédito dos agentes políticos caracterizam essas ameaças estruturais, segundo ele: “São características que conduzem a um afastamento, abstenção e indiferença de parte do eleitorado. É uma situação que é aproveitada pelas forças que estão nos extremos políticos”.

Para o professor, as crises chamam a atenção do eleitorado para partidos que estão nos extremos: “O debate político desloca-se dos meios tradicionais de imprensa para as redes sociais, onde todos podem ser produtores de notícias. A democracia precisa se defender em face das ameaças. Não há lugar para organizações que, por suas ações concretas, procuram destruir a democracia. Para isso, é preciso aplicar as leis já existentes”.

O painel “Defesa da democracia e liberdades fundamentais” foi mediado pelo presidente do Tribunal Constitucional de Portugal, José João Abrantes. Para ele, a degradação da democracia representativa alimenta os mais diversos populismos, que se servem, muitas vezes, das redes sociais. “Temos assistido ao declínio dos centros políticos, sejam eles à esquerda ou à direita, que se alternavam no poder.”

Diretor do Ingo Wolfgang Sarlet Consultoria Jurídica e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), Ingo Wolfgang Sarlet abordou os conceitos do tecnoautoritarismo, que vem avançado por todo o mundo. Segundo ele, é um fenômeno que representa crescente ameaça aos direitos fundamentais e à democracia: “Não é um fenômeno de um Estado autoritário, mas que cresce, quase que subliminarmente e silenciosamente, no âmbito de Estados democráticos. Ele corrói e elimina a base e os princípios e estruturas da própria democracia e do Estado de Direito.”

Ingo destacou números do Democracy Index, da revista The Economist. Apenas 6% dos Estados vivem sob democracia plena, sendo os países nórdicos, o Uruguai e a Costa Rica alguns exemplos. No Brasil, a desinformação (fake news), o aumento do extremismo e da intolerância, a hiperconexão digital e o vigilantismo são algumas das características que encorpam o tecnoautoritarismo.

A advogada e professora do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Marilda de Paula Silveira destacou que a recessão democrática está centrada principalmente na dificuldade de lidar com a extensão dos direitos fundamentais (ou mesmo com sua existência). “Estamos vivendo um fenômeno em que o povo se coloca contra a preservação dos direitos fundamentais.”

Professor da Universidade de Lisboa, Pedro Sachez observou que, em momentos de crise, a Constituição é colocada em xeque. Ele citou como exemplo a dificuldade de alguns países para lidar com a pandemia da COVID-19: “Apagar garantias constitucionais é o favor mais perigoso que fazemos aos inimigos da Constituição e do Estado de Direito. Estou de acordo com alguns autores que têm dito que a Constituição não está totalmente equipada para responder a uma crise sanitária. Uma coisa é responder a uma situação pontual, fazer uma alteração cirúrgica. O que temos em projetos de alteração constitucional não é cirúrgica.”

O evento
Esta edição do Fórum Jurídico de Lisboa tem como mote principal “Governança e Constitucionalismo Digital”. O evento é organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV)

Ao longo de três dias, a programação conta com 12 painéis e 22 mesas de discussão sobre temas da maior relevância para os estudos atuais do Direito — entre eles debates sobre mudanças climáticas, desafios da inteligência artificial, eficácia da recuperação judicial no Brasil e meios alternativos de resolução de conflitos.

Confira aqui a programação completa

Fonte: ConJur