Sebastião Melo: “Só a receita tarifária não dá conta”. Foto: Rodrigo Pertoti/Câmara dos Deputados

Participantes de uma audiência que discutiu medidas de socorro ao transporte coletivo urbano defenderam a garantia de orçamento federal para o setor. O entendimento de representantes de empresas, consumidores e prefeituras é que, ainda que a mobilidade urbana seja uma responsabilidade do município, o governo federal deve participar do financiamento do setor.

O assunto foi discutido na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (30), a pedido do deputado Elias Vaz (PSB-GO).

“A maioria das gestões entende este como sendo um problema entre empresa e usuário. Mas é um problema de lógica de mobilidade urbana e de ordenamento das metrópoles, das cidades, de uma forma geral”, afirmou o parlamentar. “O transporte precisa se tornar uma política pública de Estado e não podemos deixar o ente com maior arrecadação [a União] fora do processo”, acrescentou.

Os debatedores relataram décadas de abandono do setor, com cartelização e problemas de fiscalização, além da priorização do transporte individual automotivo e, mais recentemente, da contratação de transporte via aplicativos. A pandemia de Covid-19 também agravou a situação.

Desequilíbrio
Dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) apontam para um desequilíbrio de quase R$ 28 bilhões entre o custo e a receita auferida pelo setor de transporte coletivo urbano, em abril deste ano. Além disso, desde o início da pandemia, foram perdidos quase 90 mil postos de trabalho nas empresas, o que representa 22% de toda a mão de obra existente no setor em dezembro de 2019.

Segundo o diretor administrativo e institucional da NTU, Marcos Bicalho dos Santos, desde o início da pandemia, as empresas foram impactadas por suspensões de atividades e de contratos e até pelo encerramento de atividades.

Tarifa
Santos é de opinião que os custos dos sistemas de transportes não devem ser financiados pela tarifa cobrada do usuário. Isso porque, se a demanda cai, mas a oferta não cai, o diferencial entre custo e receita se acumula e afeta a qualidade do serviço.

“Essa qualidade hoje está engessada e presa pelos preços das tarifas. A gente tem que ter uma tarifa modica. Essa tarifa acaba condicionando a qualidade da prestação do serviço público. Na medida que a gente separa, o órgão público gestor do serviço vai poder estabelecer o nível de qualidade que ele suporta pagar”, defendeu o diretor da NTU.

Na avaliação do prefeito de Porto Alegre (RS) e vice-presidente de Mobilidade Urbana da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), Sebastião Melo, o setor precisa de um financiamento perene.

“É o BNDES? Não se faz metrô com dinheiro do IPTU. Não se compra BRT com dinheiro de ISS. Os países capitalistas, socialistas, comunistas, todos botam dinheiro, porque só a receita tarifária não dá conta”, opinou Melo.

Também o coordenador de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria, defendeu um financiamento estrutural não tarifário do setor. Ele argumentou, entre outros pontos, que o transporte coletivo supera limites municipais, o que demandaria, além de modelos regionais, apoio técnico federal às pequenas cidades.

“O debate importante é de como fazer a conta. Hoje, ainda é feita por passageiro. Por passageiro, o custo do número de viagens não importa, porque vai receber por pessoa. O pagamento do custo dá mais estabilidade para o sistema, vincula as partidas, as execuções das viagens. Se não fizer a partida, não recebe”, acrescentou o representante do Idec.

Rafael Calabria criticou ainda os contratos muitos longos – alguns de 40 anos – que costumam ser firmados para o setor. A prática, segundo ele, inviabiliza mudanças.

Projetos
Vários projetos de lei em análise no Congresso Nacional sobre o assunto foram citados na audiência. Um deles, o Projeto de Lei 4489/21, do deputado Elias Vaz, institui o Programa Vale-Transporte Social, a fim de assegurar transporte público coletivo gratuito à população de baixa renda e aos desempregados. Municípios poderão firmar contratos com a União, responsável pelo programa.

Outra proposição, o Projeto de Lei 4392/21, do Senado Federal, prevê o aporte de recursos federais para subsidiar a tarifa gratuita de pessoas com mais de 65 anos e, ao mesmo tempo, garantir tarifa baixa para os demais usuários.

A gratuidade de tarifas para idosos, da forma que funciona hoje, foi criticada pelos debatedores. Eles disseram que ela encarece o preço pago pelos demais usuários.

“A idade é suficiente para a gratuidade ou é necessidade? Um juiz aposentado, um empresário, hoje entra no ônibus e não paga. Agora, o camelô que vai lutar pelo litro de leite, ele paga a passagem. Quem tem 65 anos não paga, mas o operário de 20 paga”, refletiu o prefeito Sebastião Melo.

Fonte: Agência Câmara de Notícias