Sergio Moro fez denúncias graves contra o presidente Bolsonaro. Foto: Divulgação.

Em seu pronunciamento de despedida do Ministério da Justiça e Segurança Pública, na manhã desta sexta-feira (24), 0 ex-ministro Sergio Moro apontou diversas tentativas de interferência do presidente Jair Bolsonaro nas ações de sua pasta, como exoneração do pessoal da Polícia Federal (PF). O chefe do Executivo, segundo Moro, também queria ter acesso a processos em tramitação no órgão, conforme acusou o até então gestor da pasta.

Acompanhe a seguir, os principais trechos do pronunciamento de Sergio Moro quando do pedido de demissão, nesta sexta-feira (24).

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Bem, em todo esse período tive apoio do presidente Jair Bolsonaro em vários desses projetos, outros nem tanto, mas a partir do segundo semestre do ano passado passou a haver uma insistência do presidente na troca do comando da Polícia Federal. Isso inclusive foi declarado publicamente pelo próprio presidente.

Houve primeiro um desejo de trocar o desejo de trocar um superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro. Sinceramente não havia nenhum motivo pra essa substituição, mas, conversando com o superintendente em questão, ele queria sair do cargo por questões exclusivamente pessoais.

Então, nesse cenário, acabamos concordando,, eu e o diretor-geral, em promover essa troca com uma substituição técnica, com uma substituição de um indicado pela polícia. Agora tem que fazer uma referência bastante rápida. Eu não indico superintendente da Polícia Federal. Única pessoa que indiquei na Polícia Federal foi o diretor o Maurício Valeixo.

Não é meu papel fazer indicações de superintendentes e assim tem sido no ministério como um todo. Eu sempre tenho solicitado, dado autonomia ao pessoal que trabalha comigo. A palavra certa não é subordinado, é equipe, pra que eles façam as melhores escolhas. Assim se valorizam os subordinados ,desculpa, equipe, e as escolhas técnicas, eu tinha notícia quando eu assumi aqui o Ministério da Justiça de que havia rumores de que a Polícia Rodoviária Federal tinha algumas superintendências com indicações políticas. Eu escolhi o diretor-geral Adriano Furtado, aqui presente, ele pode testemunhar o que eu disse pra ele na ocasião que eu falei ‘escolha tecnicamente’.

O que não é aceitável de maneira nenhuma são essas indicações políticas. Claro que às vezes existem indicações positivas, mas quando se começa a preencher esses cargos técnicos, principalmente de polícia, por questões políticas partidárias, provavelmente o resultado não é bom para a corporação inclusive. O presidente no entanto passou a insistir também na troca do diretor-geral. O que que eu sempre disse ao presidente? ‘Presidente, eu não tenho nenhum problema em trocar o diretor-geral da Polícia Federal , mas eu preciso de uma causa. E uma causa normalmente relacionada a uma insuficiência de desempenho , um erro grave. E, no entanto, o que eu vi durante todo esse período, até pelo histórico do próprio diretor -geral, que é um trabalho bem feito.

Várias dessas operações importantes de combate ao crime organizado. Operações também de combate à corrupção que foram relevantes. Poderiam até ter mais operações. Mas, normalmente essas operações elas maturam durante algum tempo e ano passado em particular nós ficamos aí quatro meses sem poder movimentar inquéritos envolvendo lavagem de dinheiro, por uma decisão judicial. Isso também prejudicou um pouco os trabalhos.

Mas o trabalho vinha sendo feito e até a queda dessas estatísticas criminais era um indicador relevante de que o trabalho estava sendo positivo. E há uma questão do nome ; tem outros bons nomes pra assumir o cargo de diretor da polícia federal. Há outros delegados igualmente competentes. O grande problema de realizar essa troca, primeiro : havia uma violação a uma promessa que me foi feita inicialmente, que eu teria carta branca . em segundo lugar não havia um causa para essa substituição , e estaria claro que estaria ali havendo uma interferência politica na policia federal que gera um abalo na credibilidade, não minha, minha também, mas também do governo, desse compromisso maior que temos que ter com a lei. … E entra em impacto também , na minha opinião, na própria efetividade da polícia federal. E ia gerar uma desorganização. Não aconteceu durante a lava-jato, a despeito de todos os problemas de corrupção dos governos anteriores. Houve até um episódio em que foi nomeado um diretor no passado, com intuito de interferência política e não deu certo, ficou pouco mais de 3 meses.

A própria instituição rejeitou a essa possibilidade, e o problema é que nas conversas com o presidente e isso ele me disse expressamente que não é só troca do diretor geral, haveria também intenção de trocar superintendentes, novamente o superintendente do RJ, outros superintendentes provavelmente viriam em seguida….Superintendente da polícia federal de pernambuco sem que fosse me apresentado uma razão uma causa para realizar esses tipos de substituições que fossem aceitáveis. muito tempo pelo presidente busquei postergar essa decisão às vezes até sinalizando que poderia concordar no futuro com essa possibilidade e até num primeiro momento pensando não de repente pode ser feito pode ser alterado mas cada vez mais me veio a sinalização de que seria um grande equívoco realizar essa substituição.

Ontem, conversei com o presidente, houve essa insistência do presidente. Falei ao presidente que seria uma intervenção política, e ele disse que seria mesmo. Falei que isso teria um impacto para todos, que seria negativo, mas para evitar uma crise durante uma pandemia, não tenho ai vocação para ??, muito pelo contrário, acho que o momento não é apropriado pra isso, eu sinalizei, vamos substituir o Valeixo por alguém que daria continuidade, alguém com perfil absolutamente técnico e que fosse uma sugestão minha também. Na verdade, nem minha, uma sugestão da própria polícia federal.

Eu sinalizei com o nome do atual diretor -executivo da polícia federal, Disney Rosseti, eu nem tenho uma grande familiaridade com Rosseti, mas é uma pessoa de carreira, de confiança e como eu disse, essas questões não pessoas, são preferências pessoais. São questões que tem que ser decididas tecnicamente. fiz essa sinalização, mas não obtive resposta. presidente tem a preferência por alguns nomes que seriam da indicação deles, não sei qual que vai ser exatamente a escolha, foi ventilado nome do, de um delegado que passou mais tempo no congresso do que na ativa na Polícia Federal. Foi indicado, sugerido o nome do atual diretor da Abin, tem até um bom nome dentro da Polícia Federal.

Mas o grande problema é que não é tanto essa questão de quem colocar . Mas por que trocar ? E permitir que seja feita a interferência política no âmbito da polícia federal. O presidente me disse mais de uma vez que queria ter uma pessoa da confiança pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligencia. Seja diretor , seja superintendente. E não é o papel da polícia federal prestar esse tipo de informação.

As investigações têm que ser preservadas . Imaginem se, durante a Lava Jato, o ex-presidente Lula, a ex-presidente Dilma ficassem ligando para a Polícia Federal em Curitiba para colher informações. A autonomia da Polícia Federal , com respeito à autonomia da aplicação da lei, seja a quem for, é um valor fundamental que temos que preservar dentro de um Estado de Direito . O presidente me disse isso expressamente, e eu não entendi apropriado.

Então , o problema não é quem entra, mas por que alguém entra? E se esse alguém , sendo da corporação, aceitando substituição do atual diretor-geral, que impacto que isso vai ter na corporação , a uma proposta dessa espécie , eu fico na dúvida se vai conseguir dizer não a outros temas.

Há uma possibilidade que se afirma que o Mauricio Valeixo gostaria de sair. Mas isso não é totalmente verdadeiro. O ápice da carreira de qualquer policial federal, de todo delegado federal é a direção-geral da Polícia Federal, e entrou com uma missão.Claro que depois de tantas pressões para que ele saísse de fato, ele até manifestou a mim: ‘Talvez seja melhor eu sair pra diminuir essa cisma e nós conseguirmos realizarmos uma substituição adequada’. Ele sairia para alguma adidância, mas nunca isso voluntariamente, mas decorrente dessa pressão que, a meu ver não seria apropriada. E o grande problema, uma substituição que seja orientada por causas que possam ser sustentadas, não haveria nenhum problema específico.

Presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal, em que a troca também seria oportuna, da Polícia Federal, por esse motivo. Também não é uma razão que justifique a substituição, até algo que gera uma grande preocupação.

Enfim, eu sinto que tenho o dever de tentar proteger a instituição, a Polícia Federal, e por todos esses motivos, ainda busquei uma solução alternativa, para tentar evitar uma crise política durante uma pandemia, acho que o foco deveria ser o combate a pandemia, mas entendi que eu não podia ai deixar de lado esse meu compromisso com o Estado de Direito.

A exoneração que foi publicada, eu fiquei sabendo pelo “Diário Oficial”, pela madrugada. Eu não assinei esse decreto. em nenhum momento isso foi trazido, em nenhum momento o diretor-geral da Polícia Federal apresentou um pedido formal de exoneração.

Depois ele me comunicou que ontem à noite recebeu uma ligação dizendo que ia sair a exoneração a pedido e se ele concordava. Ele disse, como é que eu vou concordar com algo, uma coisa, eu vou fazer o quê, se ele já está sujeito a exoneração a pedido, a exoneração ex ofício. Mas o fato é que não existe nenhum pedido que foi feito de maneira formal. Sinceramente fui surpreendido, achei que isso foi ofensivo, vi que depois a Secom confirmou que houve essa exoneração a pedido, mas isso de fato não é verdadeiro. Pra mim, esse último ato também é uma sinalização de que o presidente me quer fora do cargo, não me quer presente aqui no cargo.

Essa precipitação de realização da exoneração, não vejo muita justificativa. Eu tenho até outras divergências, tive outras divergências com o presidente da República durante essa permanência aqui. Tive muitas convergências, recebi apoio do presidente em diversas ocasiões importantes, assim como dei apoio ao presidente em público em várias circunstâncias, tive pontuais divergências mas eu acho que como ministro estou numa relação que eu tenho que preservar também a questão da hierarquia.

Mas não vou aqui falar dessas outras divergências, isso fica pra uma outra ocasião. De todo modo, o meu entendimento foi que eu não tinha como aceitar essa substituição. Há uma questão envolvida também da minha biografia como juiz, a lei, o Estado de Direto, a impessoalidade no trato das coisas com o governo

E eu vivenciei isso na Lava Jato. Seria um tiro na Lava Jato se houvesse substituição de delegado, de superintendente naquela ocasião, então eu não me senti confortável, tenho que preservar a minha biografia , mas acima de tudo eu tenho que preservar o compromisso que foi o compromisso que eu assumi inicialmente com o próprio presidente que nós seríamos firmes no combate à corrupção, crime organizado e criminalidade violenta.

E um pressuposto necessário para isso é que nós temos que garantir a lei o respeito a lei própria autonomia da polícia federal contra interferências políticas. certo o presidente indica ele tem essa competência ele indica o diretor geral mas ele assumiu um compromisso comigo inicial de que seria uma escolha técnica que eu faria essa escolha e o trabalho vem sendo realizado poderia ser alterado o diretor geral desde que tivesse uma causa consistente não tem uma causa consistente e percebendo que essa interferência política pode levar a relações impróprias entre o diretor geral entre os superintendentes com o presidente da república não posso concordar. eu um pouco sobre o futuro de todo modo eu agradeço.

Agradeço ao presidente da República, a nomeação que foi feita. Atrás, acho que nós tínhamos um compromisso e eu fui fiel a esse compromisso. Acho que estou sendo fiel a esse compromisso num momento em que eu me encontro aqui dentro do Ministério da Justiça.

No futuro, eu vou começar a empacotar minhas coisas e vou providenciar que o meu encaminhamento, a minha carta de demissão. Eu infelizmente não tenho como persistir com o compromisso que eu assumi ser ter condições de preservar a autonomia da Polícia Federal para realizar seus trabalhos. Ou sendo forçado a sinalizar um concordância com uma interferência política na Polícia Federal, cujos resultados são imprevisíveis.

Espero que independente da minha saída , seja feita a escolha de um ou até a própria manutenção do diretor geral atual, já que o pedido de exoneração não existe. Mas, não havendo essa possibilidade, que seja feita uma escolha técnica, sem preferências pessoais.

Que também a instituição, dá pra se confiar na PF , a PF tem um histórico. Ela vai também resistir a qualquer espécie de interferência política.

Que seja indicado alguém que possa realizar um trabalho autônomo, independente , alguém que não concorde em trocar superintendentes ou delegados por motivos não justificados. O meu futuro pessoal, após disso, eu abandonei esses 22 anos de magistratura. Infelizmente é um caminho sem volta. Mas quando eu assumi , eu sabia dos riscos, vou descansar um pouco. Nesses 22 anos foi muito trabalho.

Em especial, durante todo esse período da Lava Jato, praticamente não tive descanso e nem durante o exercício do cargo de ministro da Justiça e Segurança.

Vou procurar mais adiante um emprego. Não enriqueci no serviço público. Nem como magistrado nem como ministro. E quero dizer que independentemente de onde eu esteja eu sempre vou estar à disposição do país pra ajudar o que quer que seja , ajudar nesse período da pandemia com outras atitudes. mas, enfim, sempre respeitando o mandamento do ministério da justiça e segurança pública nessa gestão que é fazer a coisa certa sempre. Muito obrigado.”