Nissan Leaf carregando em um eletroposto da Petrobras no Rio de Janeiro operando como taxi.

Em vez de posto de combustível, uma estação de recarga, com bombas substituídas por tomadas. Plugados a elas, veículos elétricos com motores movidos pela energia de baterias recarregáveis, e não mais por gasolina ou outros derivados de petróleo.

A cena ainda é rara no Brasil, mas promete se tornar cada vez mais comum nos próximos anos. A eletrificação veicular, há muito defendida como essencial para reduzir o impacto ambiental do uso de combustíveis fósseis, mostra-se agora ainda mais necessária por uma contingência econômica: a crise provocada pela alta dos preços do petróleo no país e no mundo. Além de garantir mais sustentabilidade ao transporte (contendo a emissão de gases de efeito estufa, por exemplo), a adoção do novo modelo reduziria a dependência do petróleo, motivo de preocupação mundial.

No Brasil, no entanto, a participação dos motores elétricos ainda é tímida no total da frota. Projetos no Senado buscam acelerar a expansão desse mercado. Para tirar o país da retaguarda da eletromobilidade, os senadores propõem medidas como redução de impostos para os eletrificados, de um lado, e restrições graduais à produção e comercialização de automóveis movidos por combustíveis fósseis, de outro. Também sugerem fomento à implantação de pontos de recarga elétrica e garantia de recursos para pesquisas na área como estratégias para incentivar o desenvolvimento do setor.

Frota crescente, mas ainda pequena

Os modelos 100% elétricos e os elétricos híbridos (que usam energia associada a combustível líquido) representaram 2,2% do total de licenciamentos de carros novos no Brasil em 2021, com quase 35 mil unidades vendidas, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea)Um crescimento de 77% em relação a 2020, quando o número não chegou a 20 mil. E um salto em relação há cinco anos, por exemplo: em 2017, foram pouco mais de 3 mil.

Esses números mostram que a participação dos eletrificados até vem aumentando bastante a cada ano no país (veja gráfico). Mas ainda estamos longe da média mundial, estimada em 9%. E um dos entraves para a expansão do setor por aqui é o preço do carro elétrico, ainda bem maior que o dos automóveis convencionais simples.

Tem 2 motores: um a combustível e outro a eletricidade. Não precisa de tomada. A energia produzida quando se freia o carro é armazenada em bateria. O motor elétrico, alimentado por essa bateria, permite que o outro fique desligado em parte do trajeto, consumindo menos combustível. Nessa categoria há ainda o híbrido plug-in, que pode ser carregado também pela tomada.

Carros novos emplacados no Brasil, em 2021

Fatia dos elétricos ainda é pequena, mas avança ano a ano

 

ANO COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS* ELÉTRICOS**
2015 2.122.166 843
2016 1.687.204 1.085
2017 1.853.306 3.278
2018 2.098.149 3.965
2019 2.250.229 11.844
2020 1.596.255 19.687
2021 1.523.628 34.839

* Inclui gasolina, etanol, flex e diesel
** Inclui totalmente elétricos (com fonte externa ou interna) e híbridos (combustível líquido/elétrico)
Fonte: Anfavea

Preço alto desanima

O elétrico mais barato à venda hoje no Brasil não sai por menos de R$ 140 mil. Para tentar reduzir esse custo, alguns projetos em tramitação no Senado propõem a redução de impostos. É o caso de uma proposta do senador Telmário Mota (Pros-RR) que isenta do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), por até 5 anos, os automóveis elétricos de fabricação nacional (PLS 340/2016). Outra proposição, do senador Irajá (PSD-TO), favorece os importados, que ficariam livres do Imposto sobre Importação (PL 403/2022).

Para justificar o benefício fiscal, Telmário argumenta que novas tecnologias devem ser incentivadas para diminuir impactos ambientais causados pela emissão de poluentes. Irajá, por sua vez, sustenta que o Brasil não pode ficar desconectado do movimento positivo de substituir o combustível fóssil pelo renovável. Os dois projetos tramitam na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Outro projeto de Telmário aposta na restrição aos automóveis movidos a combustíveis fósseis como forma de incentivar a expansão do novo modelo. O PLS 454/2017 proíbe de forma gradual a comercialização de veículos a combustão no país, até a interdição total a partir de 2060. Uma proposta com o mesmo objetivo, do senador licenciado Ciro Nogueira (PP-PI), determina prazo mais curto para a transição. O texto (PLS 304/2017) veda de forma gradual a venda desses automóveis a partir de 2030, com proibição total a partir de 2040. Ciro argumenta que, para o Brasil, que possui uma produção de eletricidade relativamente limpa, a troca dos veículos a gasolina por veículos elétricos será muito vantajosa do ponto de vista ambiental.

A decisão de banir gradualmente os automóveis com motores de combustão já vem sendo adotada por vários países. Em junho, o Parlamento Europeu aprovou a proibição da venda de veículos novos a gasolina ou diesel a partir de 2035. Apenas os modelos eletrificados poderão ser comercializados. A medida deve dar forte impulso à adoção os elétricos, que em 2021 já representaram 21% dos veículos novos comercializados nos países europeus. Nessa corrida, quem saiu na frente foi a Noruega, que em 2020 tornou-se o primeiro país do mundo onde mais da metade dos carros vendidos eram movidos a energia elétrica. No ano passado, eles já eram mais de 70% dos novos emplacamentos na frota norueguesa (veja gráfico abaixo).

A busca por motores mais eficientes e menos poluentes também faz parte da estratégica comercial de várias fabricantes. A alemã Volkswagen, por exemplo, pretende que metade de todas as suas vendas seja de veículos elétricos até o final desta década. Já a japonesa Honda quer chegar, até 2030, a 40% de elétricos no total de unidades vendidas. A montadora quer comercializar apenas carros elétricos a partir de 2040.

PERCENTUAL DE ELÉTRICOS
NAS VENDAS DE CARROS NOVOS,
EM 2021
Noruega Noruega 72%
Suécia Suécia 40%
Holanda Holanda 30%
Alemanha Alemanha 25%
Reino Unido Reino Unido 15%
França França 15%
Estados Unidos Estados Unidos 4,5%
BRASIL Brasil 2%

Fontes: Agência Internacional de Energia e Anfavea

MoVE

Uma das propostas em tramitação no Senado, de autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), cria o Programa de Modernização Veicular e Mobilidade Elétrica (MoVE Brasil). O projeto estabelece medidas de incentivo à substituição dos automóveis movidos a combustíveis fósseis por veículos com baixa emissão de poluentes. O PL 2.461/2021 também trata das regras para a instalação da infraestrutura de recarga dos elétricos, além de outras medidas.

Wagner argumenta que o mundo vem passando por um intenso processo de transformação na indústria automotiva, que exige ampla reestruturação e reorganização do setor. O senador aponta que o principal motor dessas mudanças é a necessidade de controlar e suprimir a geração de gases de efeito estufa, causadores das mudanças climáticas. Ele informa que o setor de transportes é responsável 14% das emissões mundiais de dióxido de carbono, e por 22,8% no caso do Brasil. De acordo com o parlamentar, o remédio é a eletrificação do transporte, eliminando os combustíveis fósseis de nossa matriz de transportes e substituindo motores a combustão por motores elétricos que não gerem emissões dos escapamentos.

Para o senador, é preciso planejar “de forma urgente” o apoio à transição das empresas (e dos empregos) para a fabricação dos componentes dos veículos elétricos, que são o futuro do setor. Aí entra o MoVE, com medidas para apoiar a transição do Brasil para um transporte de baixíssima emissão de poluentes. O programa cita objetivos de alcance amplo, como a troca das frotas de transporte público em todo o país. Critérios para evitar monopólio e regras sobre a estrutura do fornecimento da energia elétrica para os carros também estão no texto, assim como a meta de que, a partir de 2040, somente serão fabricados veículos com baixíssima emissão de poluentes que não façam uso, nem parcialmente, de combustíveis fósseis.

O MoVE ainda trata da comercialização e pontos de recargas em lugares públicos e privados. Conforme o projeto, nas garagens e estacionamentos de uso privativo das edificações de uso coletivo construídas a partir de 1º de janeiro de 2023, será obrigatória a instalação de pontos de recarga de veículos elétricos. Tais pontos deverão permitir a cobrança individualizada da eletricidade, para garantir que cada condômino responda pela energia consumida.

Incentivo à pesquisa

A senadora Leila Barros (PDT-DF) é a autora de um projeto que busca apoiar a pesquisa sobre eletromobilidade por meio de políticas de incentivo tributário. O PL 6.020/2019 determina que as empresas beneficiadas por isenções fiscais no programa do governo federal Rota 2030 Mobilidade e Logística deverão aplicar 1,5% do benefício tributário em pesquisas sobre o desenvolvimento da tecnologia para veículos elétricos. Leila afirma que o objetivo é garantir os recursos necessários para estudos que envolvam a transição do carro convencional para o eletrificado. Segundo a autora, o projeto tem o potencial de aplicar na área de ciência e tecnologia o valor de R$ 1,3 bilhão, em 10 anos.

A matéria está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), onde conta com o apoio do relator, o senador licenciado Rodrigo Cunha (União-AL). Em seu relatório, o senador diz que o projeto é meritório e defende mais recursos para que o país possa progredir na eletromobilidade. Ele ainda aponta que o Brasil, dotado de riquezas minerais, “deveria estar buscando novas formulações químicas de baterias que usem os recursos de que dispomos em abundância”. Com o projeto, acredita, os recursos para pesquisas na área poderão ficar garantidos.

Frente parlamentar

A mobilidade com energia limpa é um tema que tem sido foco de atenção dos senadores. Em março, o Senado aprovou a criação da Frente Parlamentar Mista da Eletromobilidade (PRS 64/2021). O grupo foi sugerido por Rodrigo Cunha e será formado por deputados e senadores dispostos a unir forças em busca de medidas de estímulo aos veículos elétricos.

No dia do lançamento da frente, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) afirmou que o Brasil já está atrasado em relação à Europa na substituição dos motores a combustão pelos elétricos. Izalci destacou que diversos países europeus já estabeleceram limites temporais para a circulação de motores a combustão em suas vias. Para o senador, porém, não basta tratar de cronograma; é preciso pensar em toda a cadeia.

— Entre diversos outros assuntos relevantes, precisamos começar a discutir a tecnologia que vamos desenvolver ou utilizar, que padrões serão adotados ou como vamos adaptar as distribuidoras de energia para o atendimento dessa nova demanda — declarou.

Vantagens e desafios

A Consultoria Legislativa do Senado lançou, recentemente, o estudo Eletrificação Veicular. O estudo é assinado pelo consultor Túlio Castelo Branco Leal e pela pesquisadora Flávia Consoni, professora da Unicamp. Os pesquisadores apontaram algumas vantagens do carro elétrico: melhor aproveitamento de energia e do torque do motor, manutenção mais barata e ausência de ruídos significativos e de emissões gasosas na operação. Há, também, um grande ganho ambiental, pois a ausência de emissões de escapamento dos motores elétricos favorece o uso desses veículos nas zonas centrais das cidades, especialmente naquelas em que a poluição do ar é um problema a ser combatido. Em outras palavras, o motor elétrico tem menos custo, é mais ágil e menos poluente que os motores convencionais.

O estudo ressalta que, apesar das inúmeras vantagens técnicas, os carros elétricos ainda são comercialmente limitados, principalmente pelos obstáculos relativos ao armazenamento da energia elétrica e pela infraestrutura pública de recarga — ou seja, os eletropostos disponíveis para uso ainda não têm nem de longe a mesma presença que a dos postos de combustíveis. De acordo com o texto, porém, este é um cenário em rápida mudança, particularmente nos países mais desenvolvidos.

Dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) confirmam essa tendência de expansão apontada no estudo. Segundo a associação, o país tem hoje cerca de 1,5 mil  eletropostos nas principais cidades e rodovias, e deve chegar a 3 mil até o final do ano.

Sobre outra desvantagem — o preço do carro elétrico —, os autores do estudo avaliam que o custo do produto tende a diminuir com a popularização dos modelos de entrada.

O documento também faz um alerta: se o Brasil mantiver a fabricação de veículos com tecnologias que podem se tornar obsoletas em alguns anos, sem nenhum plano de longo prazo para a transição ou harmonização com o restante do mundo, corre o risco de sofrer desindustrialização, concentração de mercado em poucas montadoras e defasagem entre os padrões construtivos, de segurança e de tecnologia em relação aos benchmarks internacionais do setor.

O estudo ainda recomenda:

  • apoio econômico à transição industrial para fabricação dos veículos elétricos;
  • elaboração de um plano ou estratégia de mobilidade elétrica, de forma a balizar a indústria no planejamento de investimentos;
  • estabelecimento de cronograma com datas limites para a venda de veículos com tecnologias em processo de obsolescência;
  • conclusão de acordos comerciais com União Europeia e demais destinos de exportação automotiva do Brasil.

 

O consultor e a pesquisadora também sugerem outras medidas:

  • apoio federal à pesquisa e à requalificação de mão de obra;
  • apoio à troca de veículos de transporte coletivo dependentes do diesel por outras tecnologias de menor emissão de poluentes de impacto local e causadores de efeito estufa;
  • formulação de plano para substituição de veículos das frotas oficiais por veículos eletrificados;
  • aprimoramento do marco legal para recarga veicular e fortalecimento do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), cumprindo e fiscalizando de forma rigorosa o cronograma de metas de emissão de poluentes.
Projetos no Senado

PLS 340/2016

✎ Telmário Mota (Pros‑RR)

Isenta do IPI, por até 5 anos, os automóveis de passageiros de fabricação nacional, acionados por pelo menos um motor elétrico, podendo ser a bateria ou híbridos

→ Em análise na CAE

PLS 304/2017

✎ Ciro Nogueira (PP‑PI)

Proíbe, de forma parcial, a comercialização de automóveis movidos a combustíveis fósseis a partir de 2030. Proibição total a partir de 2040

→ Aguarda votação no Plenário

PLS 454/2017

✎ Telmário Mota (Pros‑RR)

Veda a comercialização de veículos movidos a combustão no país a partir de 2060

→ Em análise na CMA

PL 5.590/2019

✎ Daniella Ribeiro (PP‑PB)

Institui tarifa para custear a implantação de pontos de recarga para veículos elétricos e híbridos

→ Em análise na CTFC

PL 6.020/2019

✎ Leila Barros (PDT‑DF)

Incentiva a mobilidade elétrica e estimula o desenvolvimento e a realização de pesquisas atinentes ao assunto

→ Aguarda votação na CAE

PL 808/2021

✎ Ciro Nogueira (PP‑PI)

Trata da instalação obrigatória de infraestrutura para a recarga de veículos elétricos nas edificações de uso coletivo, a ser regulamentada pelos municípios

→ Aguarda distribuição

PL 2.327/2021

✎ Flávio Bolsonaro (PL‑RJ)

Determina que a logística reversa de baterias de veículos elétricos deverá priorizar a reciclagem e reaproveitamento de seus componentes na fabricação de novas baterias

→ Aguarda distribuição

PL 2.461/2021

✎ Jaques Wagner (PT‑BA)

Cria o Programa de Modernização Veicular e Mobilidade Elétrica (MoVE Brasil), estabelece medidas de incentivo à substituição dos veículos movidos a combustíveis fósseis por veículos de baixa emissão de poluentes

→ Aguarda distribuição

PL 403/2022

✎ Irajá (PSD‑TO)

Concede isenção do Imposto sobre Importação para veículos elétricos e híbridos

→ Aguarda designação de relator na CAE

 

Fonte: Agência Senado