Os ciganos chegaram ao Brasil em 1574 e até hoje sofrem desigualdade material. Foto: Divulgação/EBC.

A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado aprovou, nesta segunda-feira (2), o projeto de lei do senador Paulo Paim (PT-RS), que cria o Estatuto dos Povos Ciganos (PLS 248/2015). Foram 10 votos a favor e nenhum contrário.

A proposta recebeu voto favorável do relator na CDH, senador Telmário Mota (Pros-RR), com ajustes promovidos por cinco emendas de sua autoria, cinco da Comissão de Educação (CE) e mais duas da Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Como foi aprovado de forma terminativa pela CDH, o projeto seguirá direto para análise na Câmara dos Deputados, se não houver recurso para votação no Plenário do Senado.

Telmário lembrou que o projeto está em discussão desde 2015. O relatório já havia sido lido na comissão em agosto do ano passado. Segundo o relator, texto traz à luz a liberdade para todos os povos ciganos. Ele disse que a aprovação do projeto foi como um “filho difícil de nascer”.

— A aprovação foi difícil, mas foi gloriosa! Que vivam os povos ciganos! – comemorou Telmário.

O presidente da comissão, senador Humberto Costa (PT-PE), classificou o projeto como de “extrema importância”.  O senador Paulo Paim lembrou que os ciganos chegaram ao Brasil em 1574 e até hoje padecem da desigualdade material. De acordo com o autor, o projeto é fruto de uma ampla discussão.

Oportunidades

O Estatuto do Cigano determina ser dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, em suas diversas atividades, preservando sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.

A proposta dispõe sobre educação, cultura, saúde, acesso à terra, moradia, trabalho e ações afirmativas em favor dos povos ciganos. Suas disposições preliminares elencam os objetivos de combate à discriminação e à intolerância; trazem breves definições sobre quem são os ciganos, desigualdade racial, políticas públicas e ações afirmativas; impõem ao Estado o dever de garantir igualdade de oportunidades e de defender a dignidade e os valores religiosos e culturais dos ciganos, prioritariamente mediante políticas públicas de desenvolvimento econômico e social, ações afirmativas e combate à discriminação.

O projeto busca também reconhecer, proteger e estimular o acesso à terra, à moradia e ao trabalho. Além disso, cria o dever de coletar periodicamente informações demográficas sobre os povos ciganos, para subsidiar a elaboração de políticas públicas em seu favor.

Educação

O texto com emenda do relator considera “povo cigano” como o “conjunto de indivíduos de origem e ascendência cigana que se identificam e são identificados como pertencentes a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem, como tal, na sociedade nacional.”

Pelo estatuto, a educação básica dos povos ciganos deve ser incentivada, e a disseminação da sua cultura deve ser promovida pelo poder público. As línguas ciganas são reconhecidas como patrimônio imaterial desses povos, aos quais fica assegurado, ainda, o direito à preservação de seu patrimônio histórico e cultural, material e imaterial, e sua continuação como povo formador da história do Brasil.

Os atendimentos de emergência e de urgência são garantidos em favor dos ciganos que não forem civilmente identificados, e as políticas de saúde têm ênfase definida em algumas áreas, como planejamento familiar, saúde materno-infantil, saúde do homem, prevenção do abuso de drogas lícitas e ilícitas, segurança alimentar e nutricional e combate ao preconceito institucional.

Na área trabalhista, o governo deverá adotar ações para vedar a discriminação no emprego e na profissão. O poder público promoverá oficinas de profissionalização e incentivará empresas e organizações privadas a contratar ciganos recém-formados. Haverá incentivo e orientação à população cigana quanto ao crédito para a produção cigana.

O acesso à moradia também será garantido, respeitando-se as particularidades culturais da etnia. Os ranchos e acampamentos são partes da cultura e tradição da população cigana, configurando-se asilo inviolável.

Pluralidade

Telmário apresentou mudanças próprias e acolheu algumas já aprovadas pela CE e pela CAS. A maioria desses ajustes foi de caráter redacional, buscando, por exemplo, eliminar a citação desnecessária de dispositivos legais em vigor ou a imprecisão na definição de alguns conceitos.

A principal mudança foi substituir a expressão “população cigana” por “povos ciganos”, segundo o relator, “mais condizente com a realidade sociocultural desses grupos étnicos e com normas internacionais pertinentes à matéria, pois um povo é um grupo de pessoas com identidade histórica e cultural própria, ao passo que população é apenas um conjunto de pessoas”. A proposta também deixou de se chamar “Estatuto do Cigano”, como sugerido por Paim, e passou a ser denominada “Estatuto dos Povos Ciganos”.

Ao justificar seu projeto, Paim ressaltou a importância de se estender aos povos ciganos o manto de proteção e respeito que a doutrina contemporânea dos direitos humanos garante a todas as minorias étnicas, de modo a combater a sua marginalização e concretizar o direito democrático de grupos específicos de ter sua diferença legitimamente incluída na pluralidade democrática reconhecida no nosso ordenamento constitucional.

“Os ciganos continuam excluídos sob vários aspectos, sujeitos a preconceito, discriminação e incompreensão com relação à sua cultura e sua organização social”, afirma Paim, na justificação. O autor destacou que a proposição teve origem em proposta da Associação Nacional das Etnias Ciganas (Anec), nos moldes do Estatuto da Igualdade Racial, e contempla as especificidades do povo cigano.

Preconceito

Na visão de Telmário, os povos ciganos ainda sofrem com os mesmos preconceitos construídos contra sua cultura e seu caráter ao longo da Idade Média e da era colonial. “Trazidos ao Brasil, em grande parte, à força, considerados indesejáveis, esses povos sofreram aqui o mesmo estigma que fundamentou sua deportação”, registrou o relator.

Telmário apontou que “seus idiomas, seus costumes, seu modo de vida, sua aparência e suas vestimentas ensejavam lampejos de fascinação, mas principalmente estranhamento e desconfiança, ecoando o jogo ambíguo de valores que marcou nossa colonização e a acomodação de povos diversos num equilíbrio assimétrico que ora é tenso, ora é fluido e harmônico, mas geralmente é estabelecido sob a primazia de referências culturais hegemônicas da Europa, negando-se a dignidade e o respeito devidos a minorias como os ciganos”.

Fonte: Agência Senado.