Juíza Clara da Mota: ”Quando, muito ousadamente, ele [o corpo feminino] cruza essa fronteira, há uma resposta violenta para que não cheguemos a esse espaço e uma violência para nos expulsar”. Foto: TSE.

O segundo painel do Seminário #ParticipaMulher – Por uma Cidadania Plena, promovido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na quarta-feira (27) foi coordenado pela juíza auxiliar da Presidência e secretária de Auditoria da Corte, Clara da Mota.

O tema debatido “O Combate à Violência Política de Gênero: como avançar?”, contou com a participação de Cristiane Britto, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; Anastasia Divinskaya, representante da ONU Mulheres no Brasil; Raquel Branquinho, procuradora regional da República; e Anielle Franco, diretora do Instituto Marielle Franco.

Clara da Mota abriu o painel memorável para a Justiça Eleitoral e para a representatividade feminina na política brasileira. Ela afirmou que a baixa presença feminina vem de condições de violência estrutural que fazem com que determinados corpos devam ser confinados a determinados domínios, e que o corpo feminino não é visto como um corpo que deve transitar pela política.

Reforço na Ouvidoria

Em seguida, a ministra Cristiane Britto defendeu uma mobilização nacional no combate a qualquer forma de violência contra a mulher. Ela anunciou que, nas Eleições de 2022, a pasta reforçará a estrutura da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos para receber e encaminhar esse tipo de denúncias. “O 180 não é um computador que atende a mulher. É um canal eficiente, com atendentes preparadas e capacitadas”, assegurou.

A ministra ressaltou o simbolismo do selo de combate à violência política, lançado recentemente em parceria com a ONU e com o parlamento, como forma de dizer para a mulher que ela precisa entender o assunto e de conscientizar a sociedade sobre a importância de se enfrentar essa prática. Para ela, a pauta da mulher é suprapartidária e necessita da união de todos e todas. “O Brasil não está omisso. O Brasil não está inerte”, concluiu.

Anastasia Divinskaya destacou que a participação igualitária das mulheres é um direito e um dos pilares da democracia. Ela reconheceu os avanços registrados no Brasil nas últimas décadas, como a introdução das cotas de gênero e as mudanças na legislação eleitoral, mas afirmou que a paridade de gênero ainda está longe de ser alcançada.

Divinskaya também informou que estudos realizados pela ONU Mulheres em vários países constataram que a violência política é generalizada e sistemática em todo o mundo, e que a eliminação dessa prática exige o rompimento de barreiras estruturais e institucionais.

Políticas afirmativas

Raquel Branquinho criticou a base patriarcal da sociedade brasileira, que não vê a mulher como um ator no cenário político e institucional. Uma base que, segundo a procuradora, está presente em todas as instâncias e espaços de poder. Diante disso, ela cobrou uma postura mais assertiva e o fortalecimento de políticas afirmativas para a inclusão feminina, “um eleitorado que representa 52% da população brasileira, mas é absurdamente sub-representado em todas as esferas de poder”.

A procuradora classificou a aprovação da Lei nº 14.192/2021 como uma grande vitória. Contudo, ressaltou que a efetividade e a aplicabilidade da norma dependem de mobilizações e de uma forte atuação do Ministério Publico Eleitoral, com respostas rápidas e efetivas.

Plataforma antirracista

Participando por videoconferência, Anielle Franco detalhou a implantação da plataforma antirracista nas Eleições de 2020 e a agenda do Instituto Marielle Franco para combater a violência política. Também lembrou que a violência política é um tema recente para uma prática histórica de agressão e preconceito contra mulheres que se atrevem a ocupar espaços na política.

Ela ressaltou que a sociedade precisa entender que a violência política é uma ferramenta utilizada para privar as mulheres de exercerem os direitos políticos, e, por isso, é necessária a mobilização para atuar de forma efetiva no fortalecimento de mecanismos de segurança e de proteção capazes de mudar essa realidade. “Muitas mulheres não se candidatam por medo da violência e da insegurança”, afirmou.

Anielle Franco encerrou a participação no evento e fechou o painel com uma mensagem de otimismo: “Espero que a gente consiga proteger as mulheres e chegarmos a lugares que a gente queira, sendo protagonistas de nossas vozes, de nossas vidas, de nossas histórias, sem virarmos protagonistas apenas quando somos assassinadas, como foi a minha irmã”.

Encerramento

Cientista política, Flávia Biroli (sem máscara), fala sobre a história de mulheres pioneiras pela garantia do voto feminino no Brasil. Foto: TSE.

No encerramento do Seminário #ParticipaMulher – Por uma Cidadania Plena, a professora da Universidade de Brasília (UnB) e cientista política Flávia Biroli reforçou que a reivindicação ao direito ao voto das mulheres é parte de uma luta que ainda não se esgotou.

Participaram também do encerramento do evento – promovido pelo TSE e transmitido durante todo o dia pelo canal da Corte no YouTube – a secretária-geral da Presidência do Tribunal, Christine Peter, e a vice-diretora da Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (EJE/TSE), ministra Maria Claudia Bucchianeri.

Durante a palestra, Flávia destacou a história de mulheres pioneiras pela garantia do voto feminino e a necessidade constante de buscar aumentar a participação, bem como os avanços desde o Código Eleitoral de 1932. Regastou ainda os marcos legais importantes nesse processo, o falso argumento de desinteresse das mulheres na política e os desafios para ampliar o debate para além do voto.

”Essa luta não foi e nem é simples. A luta pelo direito a votar e a ser votada abrange o direito das mulheres ao exercício de influência nos mais diversos espaços, e de maneira segura, sem que isso represente violência, humilhação e, muitas vezes, tenha como custo a saúde, a integridade e a vida das mulheres”, disse.

Visibilidade

Flávia ressaltou que o seminário, de fato, cumpriu o sua missão. “É muito importante que se dê visibilidade às temáticas que aqui foram discutidas. Temos que multiplicar os espaços para que debates assim ocorram, para que possamos construir alternativas institucionais e novas conexões entre instituições, e entre instituições e a sociedade civil. Acho que o TSE tem feito brilhantemente esse papel”, afirmou.

Para ela, o direito ao voto é fundamental. “Ele se complementa ao direito a se candidatar e à necessidade de condições efetivas de se candidatar e de se eleger. Há um conjunto de desafios entre o direito a voto e a participação efetiva das mulheres no poder”, explicou. Ao lembrar que menos de 15% da Câmara dos Deputados é composta por mulheres, Flávia ressaltou que estudos mostram que os marcos legais e normas de paridade de gênero têm trazido resultados expressivos na América Latina. “Implantadas desde 1991, as políticas de cotas na Argentina foram capazes de multiplicar realmente a participação das mulheres na política”, explicou.

Desafios

Ao agradecer a participação de todas, Christine Peter destacou que o TSE possui um batalhão de mulheres potentes, corajosas, trabalhadoras que carregam a Justiça Eleitoral e que efetivamente fazem sucesso nesses 90 anos de Justiça Eleitoral. “Tenho a esperança de que a democracia vai revelar a sua face feminina, porque ela já existe; ela apenas não está ocupando seus lugares próprios”, disse.

Encerrando o seminário, a ministra Maria Claudia agradeceu à professora Flávia Biroli pela palestra e enfatizou o papel protagonista do TSE nessa luta por mais mulheres na política. “O presidente do Tribunal, ministro Edson Fachin, é genuinamente comprometido com aquilo que a democracia exige: representatividade e inclusão”, reforçou.

Fonte: TSE.