Imagem: Agência/CNM.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo a necessidade de interpretação pela Corte das novas regras para cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) envolvendo operações interestaduais. As alterações foram introduzidas pela Lei Complementar 190/2022.

Segundo o procurador-geral, a norma deve respeitar o princípio da anterioridade tributária. Ou seja, é preciso que o colegiado deixe claro que o ato normativo poderá entrar em vigor somente em 2023, ano seguinte à sua publicação.

De forma subsidiária, caso não prevaleça o entendimento da anterioridade, o procurador-geral defende que seja resguardado o prazo mínimo de 90 dias para que a norma passe a produzir efeitos, uma vez que está prevista expressamente na lei a anterioridade nonagesimal.

A manifestação deu-se em três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), propostas pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ADI 7.066) e pelos governadores de Alagoas (7.070) e Ceará (7.078). Os pedidos são no sentido de se declarar a inconstitucionalidade do artigo 3ª da LC 190/2022, publicada em 5 de janeiro deste ano.

O dispositivo estabelece vigência imediata da norma, devendo ser observado – quanto à produção de efeitos “o disposto na alínea ‘c’ do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal”. Pela redação atual, as novas regras passariam a valer 90 dias após a publicação. No entanto, no mesmo artigo da Constituição, a alínea “b” veda qualquer cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro da publicação da lei que os instituiu.

A importância de uma definição sobre o assunto pela Suprema Corte se dá em razão das inúmeras controvérsias surgidas a respeito da data de início da produção dos efeitos da nova legislação. O cenário de incerteza vem ocasionando insegurança jurídica na cobrança, pelas unidades da Federação, do diferencial de alíquota (Difal) do ICMS em operações interestaduais para consumidor final não contribuinte do imposto. Há, por exemplo, liminares concedidas no sentido de que a cobrança deve ser feita apenas no exercício financeiro de 2023. Por outro lado, existem decisões que adotam a compreensão de que a referida cobrança dispensa observância da regra da anterioridade de exercício, sendo válida a partir de 2022.

O ICMS e a Constituição

A redação originária do texto constitucional, em relação ao ICMS devido nas operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidor final localizado em outro estado, adotava duas alíquotas. A alíquota interestadual, quando o destinatário fosse contribuinte do imposto; e a alíquota interna, quando o destinatário não fosse contribuinte. Na primeira hipótese, cabia ao estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual (o chamado Difal). No entanto, esse sistema acabou por deturpar a repartição de receitas tributárias entre as unidades federativas, sobretudo, após o avanço do comércio eletrônico e da possibilidade de se transacionar via internet.

Para contornar o problema, foi editada a Emenda Constitucional (EC) 87/2015, que modificou o artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, da Constituição. Desde então, a responsabilidade pelo recolhimento do Difal passou a ser do destinatário, quando este for contribuinte do ICMS, e do remetente, no caso deste não ser contribuinte do imposto.

Também em 2015 foi firmado, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o Convênio ICMS 93/2015, que dispunha sobre os procedimentos obrigatórios nas operações e prestações que destinem “bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada”. O STF, ao julgar conjuntamente a ADI 5.469/DF e o RE-RG 1.287.019/DF, concluiu pela inconstitucionalidade formal das cláusulas que tratavam do assunto no Convênio ICMS 93/2015 e fixou tese no sentido de que “a cobrança do diferencial alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional 87/2015, pressupõe a edição de lei complementar vinculando normas gerais”.

Lei Complementar 190

A Lei Complementar 190/2022 surge com o objetivo de regular a nova relação jurídico-tributária criada pela EC 87/2015 entre o remetente e o estado de destino, quando o destinatário não for contribuinte do ICMS. Suprindo o formato normativo antes definido pelo Convênio ICMS 93/2015, a LC 190 dispõe sobre a obrigação tributária; sobre os contribuintes, sobre as bases de cálculos e alíquotas; e sobre os créditos de ICMS nas operações e prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto. Até a edição da LC, não havia nenhuma disposição na lei anterior (LC 87/1996) voltada a regular o Difal interestadual nessa hipótese.

Nos pareceres, o procurador-geral reforça que essa nova relação jurídico-tributária, criada pela EC 87/2015 e materializada pela LC 190/2022, equivale à própria instituição de tributo, o que atrai a observância das regras das anterioridades de exercício e nonagesimal. Ele lembra que, o artigo 4º do Projeto de Lei 32/2021, originado no Senado e que veio a se tornar a LC 190, previa que a lei produziria efeitos a partir do primeiro dia do ano seguinte ao de sua publicação. “Revela-se, portanto, a transparente intenção do legislador em submeter os efeitos do conteúdo da LC 190/2022 à anterioridade de exercício e, além desta, também à anterioridade nonagesimal”.

Pedidos – Por entender que há expressa vedação constitucional à cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro da lei que os institui, o PGR se manifesta no sentido de que seja conferida interpretação conforme à Constituição ao artigo 3º da LC 190/2022, de modo a reconhecer que os efeitos da norma estão submetidos ao princípio da anterioridade de exercício. Subsidiariamente, o procurador-geral defende que seja conferida interpretação constitucional voltada a resguardar prazo mínimo estabelecido pelo legislador ordinário para a produção dos efeitos do diploma normativo, qual seja, 90 dias após a publicação da LC 190/2022.

Fonte: site do MPF.