Acusado de “ingratidão” e “traição”, o ministro defendeu-se com uma publicação nas redes sociais. Foto: Reprodução

O voto do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), pela condenação do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) por ameaçar ministros da corte e atentar contra a democracia caiu como uma bomba no universo bolsonarista, já que Mendonça foi indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro, que nunca escondeu esperar dele fidelidade absoluta.

Por outro lado, a comunidade jurídica se colocou em peso ao lado do ministro, uma vez que ele deu com seu voto uma demonstração de maior apreço à Constituição Federal do que aos interesses do “padrinho” poderoso.

Na última quarta-feira (20), Daniel Silveira foi condenado a oito anos e nove meses de prisão, ao pagamento de multa no valor de R$ 192,5 mil e à perda de seu mandato parlamentar.

Representante da ala bolsonarista do Congresso, Silveira conta com o apoio do Planalto — inclusive, o deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, tentou entrar com ele no Plenário do STF no dia do julgamento, mas ambos foram barrados.

Mesmo não acompanhando em sua totalidade o voto de Alexandre de Moraes, o ministro relator (ele votou pela condenação a dois anos e quatro meses de prisão em regime inicial aberto), Mendonça sentiu o peso da ira bolsonarista. Acusado de “ingratidão” e “traição”, o ministro defendeu-se com uma publicação nas redes sociais.

Por outro lado, juristas e advogados ouvidos pelo site do ConJur saíram em defesa de André Mendonça. Lenio Streck, professor de Direito Constitucional, afirmou que tamanha comoção se deu também pelo conflito político entre os poderes.

“Foi um julgamento em que o STF estava em match point, que é aquela bola que pode cair para qualquer lado. Se o STF absolvesse o deputado, estaria convalidando todos os atos contra a democracia, o Estado democrático e a própria sobrevivência da corte. Daria um tiro no pé. O STF foi atacado e teve de lançar mão dos mecanismos pertinentes — como o seu regimento interno. Correta a decisão”, disse ele. “Garantismo é também garantir a própria democracia. A ampla maioria obtida no julgamento mostra que o STF entendeu bem esse ‘jus match point‘. Nesse sentido, o voto do ministro André Mendonça soube analisar muito bem o limite da fronteira ultrapassada pelo agir do deputado, proferindo voto condenatório por um dos crimes”.

O constitucionalista Georges Abboud reprova qualquer tipo de crítica ao voto do ministro: “São absolutamente ilegítimas e infundadas as críticas realizadas contra o ministro André Mendonça. Ao votar pela condenação, ele demonstrou independência e prestigiou a autonomia do Direito, de modo a julgar conforme o Direito, sem levar em conta voz das ruas, opinião pública, critérios morais ou religiosos. Seu voto, tal qual a condenação colegiada, tem embasamento técnico, teórico e jurisprudencial. O ministro André Mendonça demonstrou e fez valer a independência funcional de seu cargo”.

Esse é o mesmo entendimento do advogado Igor Tamasauskas: “O ministro André Mendonça decidiu segundo sua consciência. Defendeu seus argumentos e expôs uma clara mensagem de não violência. Concorde-se ou não com ele, cumpriu seu papel, ao decidir, e sobretudo justificar, sua posição à luz da interpretação que fez da norma”.

O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, por sua vez, ressaltou a demonstração de independência e imparcialidade do ministro em seu voto, segundo ele uma prova de que o Brasil continua sob o sistema de separação de poderes.

“O voto do ministro é um alento para que possamos crer que no Supremo ele não estará a serviço de nenhuma corrente política ou religiosa, mas, sim, para cumprir os ditames da sua consciência”.

Fonte: ConJur